O “toque de acolher” para quem não o conhece
O “toque de acolher” para quem não o conhece
Segundo a lei brasileira, que não é diferente das leis de outros países democráticos, os menores de 18 anos, naturalmente dependentes da proteção dos mais velhos, sem maturidade suficiente para decisões complexas da vida e ainda sem as condições de assunção das consequências de todas as suas escolhas, não dispõem da mesma liberdade de um adulto. Eles estão submetidos ao poder dos pais e ao poder da autoridade da infância e da juventude. Gozam do direito de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários; contudo, ressalvadas as restrições legais. A Lei, portanto, estabelece uma série de vedações aos menores, com o intuito de protegê-los, mesmo que eles não tenham cometido qualquer ato de delinquência.
Sozinhos, pela lei, aqueles que têm menos de 18 anos não podem se hospedar em hotéis ou dirigir, por exemplo. Inferiores a 12, não podem viajar para fora da comarca, ainda que para ver um familiar. Abaixo de 10, estão proibidos de freqüentar diversões e espetáculos públicos. Existe ainda idade para trabalhar, 14 anos, e para votar, aos 16. E até para praticar sexo tem idade: 14 anos; menos que isso, o adulto que se relaciona com o jovem comete estupro. E o juiz ainda pode impedir, por taxativa prescrição legal, que os menores frequentem determinada boate, casa noturna e até campo desportivo, dependendo das peculiaridades locais.
Ocorre que além dessas e de outras restrições legais ao direito de ir e vir dos menores, expressamente previstas, o Estatuto da Criança e do Adolescente é categórico: O juiz da infância e da juventude pode estabelecer outras obrigações, desde que elas tenham a finalidade de proteger integralmente os menores e preveni-los das situações de risco. Portanto, a partir dessa possibilidade aberta pela lei, diante dos problemas peculiares de suas comunidades, alguns juízes passaram a adotar medidas que envolvem restrições à locomoção aos menores, como meios de proteção e de prevenção de riscos.
Em Fernandópolis, SP, num inquérito judicial da Vara da Infância e Juventude, a Polícia Militar e a Civil informaram que as ruas “não são um local seguro para menores desacompanhados, altas horas da noite, diante da maior probabilidade de distribuição de drogas e de estímulos à prostituição juvenil, e da menor vigilância dos pais e responsáveis nessas circunstâncias”. Nesses termos, foram baixadas Portarias judiciais determinando às polícias e ao conselho tutelar o recolhimento de menores em situação de risco e o encaminhamento deles aos pais, além de recomendar horários de permanência nas ruas para os menores de 18 anos desacompanhados.
Essa decisão gerou certa polêmica, até compreensível, e logo foi apelidada de “toque de recolher”. No nosso caso, nós não demos qualquer nome à decisão, mas preferimos “toque de acolher”, se nomeá-la for necessário. Pois os jovens
são, verdadeiramente, acolhidos e entregues em segurança aos pais. Desde agosto de 2005, com esse trabalho, houve diminuição dos casos de menores em risco, daqueles envolvidos com álcool e drogas pesadas, o que sempre foi o objetivo da decisão judicial, mas também presenciamos uma queda importante na criminalidade juvenil.
Em 2004, houve um total de 346 processos por atos infracionais. Em 2005, 378. Em 2006, o número baixou para 329. Em 2007, foram 290 processos no total. Já em 2008, 268 adolescentes responderam a processos. E em 2009, 236. Especificamente, em alguns crimes (atos infracionais), como furtos praticados por adolescentes, os números são também reveladores do declínio da criminalidade juvenil. Em 2004, 131 furtos. Para 2005, 123. Em 2006, 82. No ano de 2007, 59 furtos. Em 2008, 55 furtos. E, neste último ano de 2009, 40 processos por furto. Igualmente, por exemplo, para lesões corporais (agressões de menores a outros menores ou a maiores): 2004, 61; 2005, 68; 2006, 49; 2007, 53; 2008, 48; e 2009, 42.
A decisão conhecida como “toque de recolher” vem de processo judicial, público, transparente, com participação obrigatória do Ministério Público e da OAB. Na única impugnação a ela existente, de um particular, o Conselho Nacional de Justiça, pelo voto do Conselheiro Ministro Ives Gandra Martins Filho (PCA 200910000037367, Fernandópolis, SP), por unanimidade, acabou por manter a referida decisão em vigor. Segundo a ementa do julgado: “A natureza jurisdicional da portaria expedida por juiz da Vara da Infância e da Adolescência regulamentando o direito de ir e vir do menor (ECA, art. 149) foi reconhecida pelo STJ (cfr. RMS 8563-MA, Rel. Min. Carlos Alberto Direito, DJ de 06/11/00). No mencionado precedente, o ilustre e saudoso relator reconhece, obter dictum, a não abusividade do ‘toque de recolher’, que prevê, em cidades pequenas, a não permanência nas ruas, após as 23 horas, de menores desacompanhados ou sem autorização escrita dos pais ou responsáveis”.
Em quase cinco anos de trabalho, temos números positivos a oferecer e uma situação melhor do que antes; no caso, menos adolescentes cometendo atos infracionais, crimes. Vale dizer que tudo isso só foi possível pelo esforço de policiais, conselheiros tutelares e dos advogados que sempre nos acompanham, nesses cinco anos, bem como das pessoas responsáveis pelos projetos auxiliares ao “toque”, como o da inclusão dos jovens no mercado de trabalho e o de tratamento para os dependentes químicos.
Por fim, para aqueles negam a autoridade da justiça sobre os menores de idade, ou dos pais que não a reconhecem, o art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente é imperativo: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”.
Por isso, escrevemos daqui para a nossa querida Bahia, solidários ao grande Magistrado José de Souza Brandão Netto, muito conhecido aqui em São Paulo por sua atuação na área da infância e da juventude. Aliás, pelas informações que nos chegam, o jovem Magistrado baiano vem contribuindo efetivamente para a realização de um grande trabalho em sua comarca, por meio de várias decisões, como a do toque de estudo e disciplina (TED) e o toque de acolher.
Evandro Pelarin, Juiz da Infância e da Juventude, Fernandópolis, SP
Segundo a lei brasileira, que não é diferente das leis de outros países democráticos, os menores de 18 anos, naturalmente dependentes da proteção dos mais velhos, sem maturidade suficiente para decisões complexas da vida e ainda sem as condições de assunção das consequências de todas as suas escolhas, não dispõem da mesma liberdade de um adulto. Eles estão submetidos ao poder dos pais e ao poder da autoridade da infância e da juventude. Gozam do direito de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários; contudo, ressalvadas as restrições legais. A Lei, portanto, estabelece uma série de vedações aos menores, com o intuito de protegê-los, mesmo que eles não tenham cometido qualquer ato de delinquência.
Sozinhos, pela lei, aqueles que têm menos de 18 anos não podem se hospedar em hotéis ou dirigir, por exemplo. Inferiores a 12, não podem viajar para fora da comarca, ainda que para ver um familiar. Abaixo de 10, estão proibidos de freqüentar diversões e espetáculos públicos. Existe ainda idade para trabalhar, 14 anos, e para votar, aos 16. E até para praticar sexo tem idade: 14 anos; menos que isso, o adulto que se relaciona com o jovem comete estupro. E o juiz ainda pode impedir, por taxativa prescrição legal, que os menores frequentem determinada boate, casa noturna e até campo desportivo, dependendo das peculiaridades locais.
Ocorre que além dessas e de outras restrições legais ao direito de ir e vir dos menores, expressamente previstas, o Estatuto da Criança e do Adolescente é categórico: O juiz da infância e da juventude pode estabelecer outras obrigações, desde que elas tenham a finalidade de proteger integralmente os menores e preveni-los das situações de risco. Portanto, a partir dessa possibilidade aberta pela lei, diante dos problemas peculiares de suas comunidades, alguns juízes passaram a adotar medidas que envolvem restrições à locomoção aos menores, como meios de proteção e de prevenção de riscos.
Em Fernandópolis, SP, num inquérito judicial da Vara da Infância e Juventude, a Polícia Militar e a Civil informaram que as ruas “não são um local seguro para menores desacompanhados, altas horas da noite, diante da maior probabilidade de distribuição de drogas e de estímulos à prostituição juvenil, e da menor vigilância dos pais e responsáveis nessas circunstâncias”. Nesses termos, foram baixadas Portarias judiciais determinando às polícias e ao conselho tutelar o recolhimento de menores em situação de risco e o encaminhamento deles aos pais, além de recomendar horários de permanência nas ruas para os menores de 18 anos desacompanhados.
Essa decisão gerou certa polêmica, até compreensível, e logo foi apelidada de “toque de recolher”. No nosso caso, nós não demos qualquer nome à decisão, mas preferimos “toque de acolher”, se nomeá-la for necessário. Pois os jovens
são, verdadeiramente, acolhidos e entregues em segurança aos pais. Desde agosto de 2005, com esse trabalho, houve diminuição dos casos de menores em risco, daqueles envolvidos com álcool e drogas pesadas, o que sempre foi o objetivo da decisão judicial, mas também presenciamos uma queda importante na criminalidade juvenil.
Em 2004, houve um total de 346 processos por atos infracionais. Em 2005, 378. Em 2006, o número baixou para 329. Em 2007, foram 290 processos no total. Já em 2008, 268 adolescentes responderam a processos. E em 2009, 236. Especificamente, em alguns crimes (atos infracionais), como furtos praticados por adolescentes, os números são também reveladores do declínio da criminalidade juvenil. Em 2004, 131 furtos. Para 2005, 123. Em 2006, 82. No ano de 2007, 59 furtos. Em 2008, 55 furtos. E, neste último ano de 2009, 40 processos por furto. Igualmente, por exemplo, para lesões corporais (agressões de menores a outros menores ou a maiores): 2004, 61; 2005, 68; 2006, 49; 2007, 53; 2008, 48; e 2009, 42.
A decisão conhecida como “toque de recolher” vem de processo judicial, público, transparente, com participação obrigatória do Ministério Público e da OAB. Na única impugnação a ela existente, de um particular, o Conselho Nacional de Justiça, pelo voto do Conselheiro Ministro Ives Gandra Martins Filho (PCA 200910000037367, Fernandópolis, SP), por unanimidade, acabou por manter a referida decisão em vigor. Segundo a ementa do julgado: “A natureza jurisdicional da portaria expedida por juiz da Vara da Infância e da Adolescência regulamentando o direito de ir e vir do menor (ECA, art. 149) foi reconhecida pelo STJ (cfr. RMS 8563-MA, Rel. Min. Carlos Alberto Direito, DJ de 06/11/00). No mencionado precedente, o ilustre e saudoso relator reconhece, obter dictum, a não abusividade do ‘toque de recolher’, que prevê, em cidades pequenas, a não permanência nas ruas, após as 23 horas, de menores desacompanhados ou sem autorização escrita dos pais ou responsáveis”.
Em quase cinco anos de trabalho, temos números positivos a oferecer e uma situação melhor do que antes; no caso, menos adolescentes cometendo atos infracionais, crimes. Vale dizer que tudo isso só foi possível pelo esforço de policiais, conselheiros tutelares e dos advogados que sempre nos acompanham, nesses cinco anos, bem como das pessoas responsáveis pelos projetos auxiliares ao “toque”, como o da inclusão dos jovens no mercado de trabalho e o de tratamento para os dependentes químicos.
Por fim, para aqueles negam a autoridade da justiça sobre os menores de idade, ou dos pais que não a reconhecem, o art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente é imperativo: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”.
Por isso, escrevemos daqui para a nossa querida Bahia, solidários ao grande Magistrado José de Souza Brandão Netto, muito conhecido aqui em São Paulo por sua atuação na área da infância e da juventude. Aliás, pelas informações que nos chegam, o jovem Magistrado baiano vem contribuindo efetivamente para a realização de um grande trabalho em sua comarca, por meio de várias decisões, como a do toque de estudo e disciplina (TED) e o toque de acolher.
Evandro Pelarin, Juiz da Infância e da Juventude, Fernandópolis, SP
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