Por José Brandão Netto**. 

                                                       Juiz José Brandão


Os vereadores não podem exigir que decisão da Justiça de afastar algum vereador do cargo se submeta à deliberação da Câmara Municipal porque os edis não possuem imunidade formal. Eles apenas fazem jus à imunidade material e dentro da circunscrição do município.

A imunidade material é aquela que protege os vereadores de serem processados por suas opiniões, palavras e votos. Assim, se um vereador diz que um prefeito "roubou  dinheiro público", mesmo sabendo que isso não aconteceu, o vereador não estará cometendo crime de calúnia, (art.138 do Cód Penal), pois está acobertado pela imunidade material




Quais são as imunidades parlamentares??


Temos a imunidade material e imunidade formal. Esta segunda não se aplica aos edis municipais, como adiante se explanará.




Quanto à 1ª (imunidade material), segundo o art. 53, caput, da CF, “Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

Também é denominada imunidade material, substancial, real, inviolabilidade, indenidade, a imunidade parlamentar absoluta.


Natureza jurídica:

A doutrina diverge a respeito do tema. Pontes de Miranda e Nelson Hungria entendem ser causa excludente de crime; Basileu Garcia defende se tratar de uma causa que se opõe a formação do crime; Anibal Bruno consideram ser causa de exclusão da pena.


É uma causa de irresponsabilidade  para Magalhães Noronha, enquanto que Frederico Marques, a seu turno, leciona se tratar de causa de incapacidade penal por razões políticas.


Prevalece, contudo, que a imunidade parlamentar absoluta apresenta natureza jurídica de CAUSA DE ATIPICIDADE como já decidido pelo STF no Inquérito 26741



Essa imunidade material alcança qualquer tipo de manifestação do pensamento no exercício da função, in officio ou propter officium, dentro ou fora do Congresso. É a freedom of speech que é protegida. Não há aqui nenhuma responsabilidade ou qualquer tipo de infração (nem penal, nem civil). Essa imunidade não abarca os crimes cometidos pelo parlamentar fora do mandato ou das suas opiniões, palavras e votos (corrupção ou ofensas eleitorais durante a campanha, por exemplo). Se a crítica do parlamentar for publicada em órgão da imprensa, do mesmo modo o fato não gera nenhuma responsabilidade para o parlamentar (que goza da liberdade de crítica, no exercício da função)”, afirma  a doutrina de Luis Flávio Gomes2



2- Imunidade formal ou processual ou relativa.

A imunidade formal está prevista no art. Art. 53, § 3.º, da CF, que afirma:




Recebida a denúncia contra Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação”.




“Se o crime tiver acontecido antes da diplomação não permite a suspensão do processo. Susta-se a ação penal e não correrá a prescrição (até o final do mandato respectivo). A suspensão do processo é ato deliberativo interna corporis, unilateral e vinculativo. Nenhum outro Poder pode (formalmente) tentar interferir nessa decisão. Aqui o Judiciário está subordinado à deliberação do Legislativo, que é soberano nesse ato" reza a doutrina de escol3

Já a imunidade relativa à prisão está prevista no art. 53, § 2.º, da C, que reza:




Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão” de crimes inafiançáveis.




Por tal imunidade, não cabe prisão em flagrante ( É a freedom from arrest), salvo em crime inafiançável. O rol de crimes inafiançáveis está no no art. 323 do CPP4Segundo a CF/88, quem delibera sobre a manutenção (ou não) da prisão em flagrante por crime inafiançável é a Casa respectiva (pelo voto da maioria de seus membros).


Foro especial por prerrogativa de função. Os parlamentares têm  foro especial por prerrogativa de função, sendo submetidos a julgamento perante o STF (CF, art. 53, § 1.º), nas infrações comuns 



Após as explanações supra, pergunta-se: os vereadores podem se beneficiar da decisão do STF no rumoroso caso Aécio Neves na qual a suprema corte submeteu o afastamento do senador à deliberação do Senado ? RESPOSTA: Não, não e não!

O Tratamento simétrico que a CF/88, em seu art. 27, §1º, concede entre os deputados federais e estaduais não se estendem aos vereadores como o STF já decidiu.

Isso ocorre porque os edis municipais não possuem, como dito acima, imunidade formal, salvo a imunidade material, esta prevista na CF/88 nos seguintes termos:




"Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(...)

VIII-  inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município;




Sobre tema similar e asseverando que os vereadores não possuem a prerrogativa processual dos parlamentares federais e estaduais, o STF já decidiu que:


“O
Supremo Tribunal Federal manteve a decisão que decretou perda do mandato de um vereador Ada Câmara de Vereadores de Bom Sucesso (PR). A Câmara de Vereadores, porém, colocou a perda do mandato em votação, e deliberou pela sua manutenção no cargo.

O primeiro suplente impetrou mandado de segurança ao TJ-PR alegando que a Câmara deveria ter declarado a perda do mandato e lhe dado posse no cargo eletivo, e obteve a decisão liminar que ora se contesta.

Decisão

Ao indeferir o pedido, o ministro Lewandowski afastou a alegação de afronta ao princípio da separação dos poderes. Na sua análise, a decisão do TJ-PR “atentou estritamente à legalidade do ato”, pois o ordenamento jurídico não prevê tratamento simétrico entre os membros do Poder Legislativo.

A regra da cassação imediata dos mandatos, no entanto, aplica-se, por inteiro e de imediato, aos vereadores, bem como aos prefeitos, governadores e ao próprio presidente da República”, afirmou o ministro naquele voto, citando o artigo 15, inciso III, da Constituição. concluiu.”5 



Para arrematar este artiguete, o STJ, no RHC 88.804, acabou de prolatar a decisão judicial informando que, quando o juiz impuser medidas cautelares do art.319 do CPP contra vereadores, não há necessidade de remessa da decisão à Câmara respectiva para deliberação.

Eis a notícia da decisão:


O entendimento foi firmado pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. O caso concreto analisado pela corte envolve membro da Câmara de Natal (RN) que foi afastado do cargo. Ele é acusado de corrupção passiva e fraude em licitação.

Na prática, o colegiado afirmou a inaplicabilidade aos vereadores da decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada recentemente, de que medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal impostas pela Justiça a parlamentares, caso impeçam direta ou indiretamente o exercício do mandato, devem ser submetidas em até 24 horas à Casa Legislativa.

O relator do caso no STJ foi o ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Para ele, indicando precedentes da corte, os vereadores, ao contrário do que ocorre com os membros do Congresso Nacional e os deputados estaduais não gozam da denominada incoercibilidade pessoal relativa (freedom from arrest), ainda que algumas Constituições estaduais lhes assegurem prerrogativa de foro. 6







Portanto, aos vereadores não podem ser aplicadas as prerrogativas da imunidade processual e, por isso, não podem, sequer, em pensar em aplicação analógica da decisão do Supremo Tribunal Federal que favoreceu o senador Aécio Neves, vez que o Poder Judiciário pode determinar medidas cautelares do art. 319 do CPP a vereadores, eventualmente processados, sem a necessidade de anuência do Legislativo.




** José Brandão Netto é juiz de direito no Estado da Bahia

Professor de Direito na FTC de Feira de Santana/BA

Posgraduado pela Escola baiana de Magistrados -EMAB

Posgraduado em Direito Penal e Processo Penal

Posgraduado em Direito Eleitoral pela Faculdade Baiana de Direito

Ex-Advogado da União- AGU

Ex-delegado de Polícia/BA








  • 1“Não há justa causa para o exercício da ação penal se o fato increpado ao acusado (detentor de foro por prerrogativa de função) está estreitamente ligado ao exercício do mandato parlamentar (...). Torna-se imperioso, portanto, o reconhecimento da manifesta ausência de tipicidade da conduta descrita na inicial acusatória. No caso, as palavras proferidas pelo querelado (senador da República) estão acobertadas pela inviolabilidade parlamentar, descrita no art. 53 da CF de 1988. E passa ao largo de qualquer dúvida a compreensão de que tal inviolabilidade significa insusceptibilidade de cometimento de crime. Noutros termos: os fatos objeto da queixa-crime se encontram imbricados com a função parlamentar do senador da República acionado. Fatos que, de imediata percepção, se enquadram no contexto da disputa política, por ocasião das eleições para o Senado Federal, no Estado do Amapá. Em suma: o quadro fático-probatório demonstrou o deliberado intento do querelado de defender a legitimidade de sua própria investidura no cargo de senador da República, fazendo para os seus eleitores em particular e o público em geral um amplo retrospecto da disputa eleitoral do ano de 2002. Muito mais para o efeito de registro histórico do que propriamente externar propósito violador da honra do querelante. [Inq 2.674, rel. min. Ayres Britto, j. 26-11-2009, P, DJE de 26-2-2010.]”


2 Disponível em: https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/154729331/quais-sao-as-imunidades-dos-parlamentares-podem-ser-presos".

3 Luis Flávio Gomes. Disponível em https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/154729331/quais-sao-as-imunidades-dos-parlamentares-podem-ser-presos.

4 Art. 323.  Não será concedida fiança:  I - nos crimes de racismo; II - nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos;III - nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático".



5https://rmonjardim.jusbrasil.com.br/noticias/190642261/mantida-liminar-que-decretou-perda-de-mandato-de-vereador-por-condenacao-transitada-em-julgado

6https://www.conjur.com.br/2017-nov-08/aval-legislativo-afastamento-nao-aplica-vereadores

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