S E N T E N Ç A

Dispensado o relatório na forma do art. 38 da LJE
Consta nos autos que o autor, XXXXX, efetuou a compra de passagens aéreas com embarque previsto para dia 21/05/2019 no valor total de R$ 580,69 (quinhentos e oitenta reais e sessenta e nove centavos). A referida compra foi realizada via internet no dia 05/05/2019. Alega, ainda, que no dia seguinte a compra, o requerente se arrependeu entrando em contato com a empresa ré para cancelar a passagem e requerendo a devolução do valor pago.
Aduz que em contato com a requerida no dia 20/05/2019 (protocolo 12228395799), esta requereu mais um prazo de 05 dias para estornar os valores, não chegando a cumprir.
Tais alegações não foram rebatidas pela empresa ré, conquanto, neste ponto, restou incontroverso os fatos alegados pelo autor. Dentro desse quadro, conclui-se que o ponto controvertido reside na verificação da responsabilidade da empresa ré pela restituição dos valores pagos pelas passagens e na reparação dos supostos danos sofridos.
Em sua defesa, aduz a ré que ¿o autor estava ciente das taxas a serem cobradas, tendo concordado sem ressalvas¿, e que a devolução não é devida pois: ¿É evidente e incontroverso que tais atividades geram ônus à empresa aérea, seja pela simples reserva de assento.¿
O caso dos autos retrata relação de consumo, em virtude da perfeita adequação aos conceitos de consumidor (art. 2º), fornecedor (art. 3º, caput) e serviço (art. 3º, § 2º), contidos na Lei 8.078 /90.
Nesse passo, impõe-se analisar a relação jurídica tendo como norte o atendimento às necessidades e à proteção dos interesses econômicos do consumidor, devido ao reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor diante do fornecedor no mercado de consumo.
O contrato de transporte de passageiros é um contrato de adesão, uma vez que suas cláusulas são previamente estipuladas pelo transportador, às quais o passageiro simplesmente adere no momento da celebração. É, ainda, um contrato consensual, bilateral, oneroso e comutativo, uma vez que, para a sua celebração, basta o simples encontro de vontades. Cria direitos e obrigações para ambas as partes, havendo equilíbrio entre as respectivas prestações.
A Lei nº 8.078/90, mudou o fundamento da responsabilidade do transportador, que agora não é mais o simples contrato de transporte, mas sim a relação de consumo, contratual ou não. Mudou, também, o seu fato gerador, deslocando-o do descumprimento da cláusula de incolumidade para o vício ou defeito do serviço. Assim, o fornecedor do serviço terá que indenizar, desde que demonstrada a relação de causa e efeito entre o vício ou defeito do serviço e o acidente de consumo, chamado pelo Código de Defesa do Consumidor de fato do serviço.
Sabe-se que o Código de Defesa do Consumidor consagrou a responsabilidade pelo fato do serviço, trazendo importantes inovações no âmbito da responsabilidade civil, assegurando ao consumidor, independentemente do fornecedor ter agido sem culpa, o direito à reparação pelos acidentes de consumo decorrentes da prestação de serviço defeituoso. A responsabilidade, por conseguinte, enquanto fornecedora de serviços, será objetiva, conforme disposto no artigo 14, da Lei nº 8.078/90.
Nada obstante, deve-se ressaltar que o caso em exame envolve a chamada responsabilidade objetiva, sendo suficiente a prova do liame entre o fato e o resultado para que se estabeleça o dever de indenizar, sendo irrelevante a discussão acerca da culpa.
Acerca do alegado dano moral, há que se concluir que restou evidenciado no caso vertente. A meu juízo, a demora desarrazoada para reembolso do valor pago por bilhetes aéreos não utilizados, em desacordo com as normas contratuais e do Código de Defesa do Consumidor, provoca angústia e aflição ao usuário e caracteriza situação que foge das atribulações comuns da vida em sociedade, gerando danos morais indenizáveis, a dispensar a produção de qualquer outra prova.
Reconhecida a falha na prestação dos serviços, passo à fixação do quantum em relação aos danos morais requeridos pela parte autora.
Danos morais, na definição de Wilson Mello da Silva, que entre nós é o clássico monografista da matéria, são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico.
Então, presentes os requisitos ensejadores da responsabilidade por danos morais em face da empresa ré, deve este ser fixado em R$ 2.000,00 (dois mil reais).
Ressalto ainda que fora arbitrado tal valor, tendo em vista que na fixação dos danos morais devem ser levados em conta o sofrimento da vítima, a condição econômica do causador do dano e o caráter punitivo e educativo da condenação.


Quanto ao prejuízo material, vejamos:
Tratando-se de dano patrimonial, que, em caso algum, se presume, impõe-se a prova real e concreta de todos os elementos necessários à sua reparação, notadamente do dano, porquanto o critério a ser seguido é, de regra, o prejuízo efetivamente sofrido.
Afinal, não seria justo que o consumidor, suportar os prejuízos devido ao não ressarcimentos dos valores pagos, uma vez que se usou o direito ao arrependimento tal qual preconiza o CDC para compras eletrônicas (art. 49, Parágrafo Único do CDC). Assim, entendo ser perfeitamente aplicável ao caso o disposto no art. 49, CDC. Vejamos:
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.
Demais disso, de acordo com o disposto no art. 740 do CC, o passageiro tem direito a rescindir o contrato de transporte antes de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor da passagem.
Assim, tendo em vista que o autor solicitou o cancelamento da compra dentro do prazo de 7 (sete) dias (¿período de reflexão¿), de sua realização (embarque), deve ser restituído o valor total pago, devidamente atualizado.
Não obstante, a ré alegou que o reembolso somente seria possível mediante pagamento de multa, uma vez que se trata de passagem promocional.
O percentual da multa estipulado pela ré é abusivo, fora do permitido, conforme reza o art. 740, § 3º do CC.
Com efeito, a parte autora trouxe aos autos os documentos sob ID 6bd98b8e que traz detalhamento da compra das passagens via boleto eletrônico no valor total de R$ 580,69 (quinhentos e oitenta reais e sessenta e nove centavos).
Vejamos:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CONSUMIDOR. CANCELAMENTO DE PASSAGEM AÉREA. REEMBOLSO DOS VALORES DEVIDO, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO INDEVIDO DA COMPANHIA AÉREA. DESÍDIA PERANTE O CONSUMIDOR. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. MAJORAÇÃO DO QUANTUM.
1º APELO PROVIDO E O 2º APELO DESPROVIDO. 1. De acordo com as normas e princípios do CDC, o consumidor tem direito ao reembolso dos valores pagos à companhia aérea no caso de cancelamento de passagem aérea, sob pena de enriquecimento indevido da companhia aérea, sendo certo que a negativa, indevida, de restituição desses valores , na espécie, causou abalos materiais e imateriais ao autor, os quais devem ser ressarcidos.
2. O valor arbitrado a título de danos morais deve observar, além do caráter reparatório da lesão sofrida, o escopo educativo e punitivo da indenização, de modo que a condenação sirva de desestímulo ao causador do ilícito a reiterar a prática lesiva, sem que haja, por outro lado, enriquecimento sem causa por parte da vítima. Assim, tenho por bem majorar o quantum indenizatório fixado pela sentença para R$ 15.000,00. 3. 1 º apelo conhecido e provido e o 2º recurso desprovido.
(Processo: APL 0217992015 MA 0022526-17.2014.8.10.0001, Órgão Julgador PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Partes Apelado: VRG LINHAS AEREAS S.A(1º Apelado), LUIZ DE FRANCA BELCHIOR SILVA(2º Apelado), Apelante: LUIZ DE FRANCA BELCHIOR SILVA(1º Apelante), VRG LINHAS AEREAS S.A(2º Apelante), Publicação: 06/10/2015, Julgamento: 24 de Setembro de 2015, Relator: ANGELA MARIA MORAES SALAZAR)
CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. PASSAGEM DE AVIÃO. SOLICITAÇÃO ANTECIPADA DE CANCELAMENTO DE BILHETE. MULTA DE 50%. REDUÇÃO PARA 5% DO ART. 740 § 3º DO CC. AUSENCIA DE COMPROVAÇÃO DE RESTITUIÇÃO PARA O AUTOR. SENTENÇA MANTIDA. 1. Na forma do preceituado no artigo parágrafo único, e artigo 25, parágrafo primeiro do CDC, a companhia aérea e a instituição financeira, enquanto integrantes da cadeia de consumo, respondem solidariamente pelos danos causados ao consumidor na hipótese de defeito na prestação de serviços. 2. A recorrente não comprovou nos autos a efetiva restituição de qualquer valor ao consumidor. Eventual compensação financeira entre os réus não representa qualquer satisfação do pedido do autor. 3. A multa por cancelamento, no transporte aéreo de passageiros, não pode ser superior a 5% do valor a ser restituído. (art. 740§ 3º. do Código Civil). (Acórdão n.689436, 20130310070965ACJ, Relator: AISTON HENRIQUE DE SOUSA, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Julgamento: 02/07/2013, Publicado no DJE: 05/07/2013. Pág.: 209, FRANCISCO DE ASSIS ARAÚJO SILVA versus VRG LINHAS AÉREAS S.A. E OUTROS). 4. Recurso CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Condeno o recorrente ao pagamento das custas processuais. Não há condenação em honorários advocatícios por ausência de contrarrazões (Num. 194839 - Pág. 1). Acórdão lavrado em conformidade com o disposto no art. 46 da Lei 9.099/1995. Acordão - CONHECIDO. RECURSO IMPROVIDO. UNÂNIME. (Processo: RI 07082090920148070016, Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA RECURSAL, Publicação Publicado no DJE : 20/10/2015 . Pág.: Sem Página Cadastrada, Julgamento: 6 de Outubro de 2015, Relator: JOAO LUIS FISCHER DIAS)

TJ-RJ - APELAÇÃO APL 00214520520168190001 (TJ-RJ) Jurisprudência•Data de publicação: 12/02/2019 ENTA COMPRA DE PASSAGENS AÉREAS PELA INTERNET. DESISTÊNCIA. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. Sentença de procedência parcial. Irresignação da segunda ré/Gol Pretensão de reembolso da quantia de R$ 374,89 despendidos com a aquisição de 2 passagens aéreas. Pedido de cancelamento da compra realizado pelo consumidor dentro do prazo de reflexão de 24 horas. Incidência do art. 11 da Resolução 400 da ANAC . O usuário poderá desistir da compra da passagem aérea, sem qualquer ônus, desde que o faça no prazo de até 24 horas e com antecedência igual ou superior a 7 dias em relação a data de embarque. Não verificado qualquer prejuízo à companhia aérea a justificar a retenção integral do valor pago pelas passagens, tampouco a cobrança de multa e taxa. Empresa aérea que possuía tempo hábil para efetuar a venda dos assentos cancelados, pois o arrependimento se deu mais de 24 dias antes do embarque. Falha na prestação do serviço configurada. Dever de indenizar a parte autora pelos danos materiais e morais sofridos. Dano Moral configurado. Perda do Tempo Útil. Valor fixado na sentença que se mantém, por atender aos princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade, Precedentes desta corte. No que se refere ao termo inicial da incidência de juros de mora e correção monetária deve-se atentar que nos casos em que há responsabilidade contratual os juros moratórios devem incidir sobre a condenação de dano moral a partir da citação (enunciado sumular 405 do CC ), bem como a correção monetária a partir da data do arbitramento a teor do enunciado sumular n. 362 do STJ. Manutenção da sentença. Majoram-se os honorários sucumbenciais em instância recursal para o patamar de 16% (dezesseis por cento) sobre o valor da condenação, com fundamento no artigo 85 , §§ 2º e 11 do CPC . NEGA-SE PROVIMENTO À APELAÇÃO. 






No caso acima, a sentença recorrida foi mantida nos seguintes termos: (...)  
"JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO para condenar as Rés, solidariamente, a restituírem ao autor a quantia R$374,89 (trezentos e setenta e quatro reais e oitenta e nove centavos), corrigida monetariamente desde o desembolso e acrescida de juros legais a partir da citação, bem como a pagarem à parte autora a quantia de R$2.000,00 (dois mil reais), a título de reparação dos danos morais por esta suportados, corrigida monetariamente a partir da publicação desta sentença e com juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.""
                    
 Nessa ordem de ideias, entendo que o autor deverá ser ressarcido pelo valor desembolsado em materiais no montante de R$ 551,65 (quinhentos e cinquenta e um reais e sessenta e cinco centavos), já realizado o decote da multa de 5% (cinco por cento).

ANTE O EXPOSTO, com fulcro na legislação vigente JULGO PROCEDENTES os pedidos contidos na inicial, declarar a irregularidade na prestação de servições e condenar a empresa ré a pagar o importe de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a título de indenização por danos morais, devendo incidir a correção monetária a partir desta decisão e juros moratórios em 1% ao mês, a partir da data da citação. Condeno, ainda, a empresa ré ao pagamento do montante de R$ 551,65 (quinhentos e cinquenta e um reais e sessenta e cinco centavos) já realizado o decote da multa de 5% (cinco por cento), com juros de 1% a.m. a contar da citação e correção monetária a contar do pedido de desistência do voo.
EXTINGO a fase cognitiva de conhecimento com julgamento de mérito. Sem condenação ao pagamento de custas e de honorários advocatícios, nos termos do art. 55 da Lei n° 9.099/95.
Havendo o cumprimento voluntário da sentença, EXPEÇA-SE o competente alvará para levantamento dos valores depositados judicialmente em favor da parte autora.
P. R. I.
Cícero Dantas (BA), 02 de setembro de 2019.




Juiz de Direito
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