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PODER JUDICIÁRIO


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA


COMARCA DE ARACI - JURISDIÇÃO PLENA



Processo nº 8002326-07.2018.8.05.0014


Ação: AÇÃO CIVIL PÚBLICA INFÂNCIA E JUVENTUDE (1690)


Autor: XXXX  e MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DA BAHIA


Réu: ESTADO DA BAHIA





  

  

  SENTENÇA


 


 O MINISTÉRIO PÚBLIDO DO ESTADO DA BAHIA ajuizou  a presente ação civil pública, com pedido de antecipação dos efeitos de tutela, contra o ESTADO DA BAHIA, pretendendo, em resumo, que seja o requerido obrigado a fornecer o medicamento de uso continuo por tempo indeterminado URSACOL, para a paciente MARIA XXXX , já qualificada nos autos deste processo, pois é portadora de cirrose biliar primária, CID K 74.3, conforme consta em relatórios médicos, tal requerimento foi instruído em razão de prescrição médica e a ausência do fornecimento do medicamento na rede pública de saúde do Estado.


Foi deferida a tutela antecipada para que o réu passasse a fornecer o medicamento supramencionado no prazo de 05 (cinco) dias a contar da intimação, devendo desta forma, ser disponibilizado o medicamento a autora pelo tempo que perdurar o tratamento medicamentoso.


Citado, o requerido ESTADO DA BAHIA ofereceu contestação conforme ID 21648553, alegando, em resumo, a impossibilidade concessão do medicamento fora do âmbito do SUS, sob a alegação de que o medicamento ora pleiteado não faz parte dos componentes básicos/especializados da assistência farmacêutica, requerendo assim, a improcedência da demanda.



O ESTADO DA BAHIA cumpriu o determinado em decisão liminar, fornecendo a parte autora o medicamento no qual a mesma necessita para a realização de seu tratamento, conforme certidão/declaração da requerente.


É o que se tinha a relatar.


 Passo a fundamentar e decidir.


Estão presentes pressupostos processuais e condições da ação. Julga-se o mérito antecipadamente na forma do art. 355, I, do CPC, porquanto as provas produzidas são suficientes ao convencimento do juízo.


Já decidiu o Supremo Tribunal Federal, a necessidade da produção de prova há de ficar evidenciada para que o julgamento antecipado da lide implique cerceamento de defesa. A antecipação é legítima se os aspectos decisivos estão suficientemente líquidos para embasar o convencimento do Magistrado (STF, RE nº 101.171-8/SP), circunstância efetivamente caracterizada na hipótese dos autos. A propósito, confira-se a lição de Marcus Vinicius Rios Gonçalves: “Tem portanto, o juiz ampla liberdade para determinar, de ofício, as provas que lhe pareçam necessárias para apuração da verdade e para assegurar a igualdade real de tratamento entre as partes” (Novo Curso de Direito Processual Civil, 2ª Edição, Editora Saraiva, página 424).


Inicialmente é de se destacar que o Ministério Público é parte legitima para figurar no polo ativo da presente ação.

Consigne-se que o que o legitima a promover ação na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos não é a natureza desses direitos, mas a circunstância de que a defesa de ambos se faz por meio de ação civil pública, cuja propositura atinge o interesse social.


A atuação do Ministério Público, no presente caso, não tem escopo de defesa e proteção de interesse exclusivo, mas a proteção de interesses difusos, coletivos, individuais e homogêneos, entendidos como de toda a massa de pessoas, principalmente aquelas necessitadas de medicamentos especiais, insumos ou tratamento médico.


A defesa dos interesses individuais indisponíveis vem disciplinada no artigo 127, caput, da Constituição Federal.


Do mesmo modo que a legitimidade, presente o interesse de agir, ainda que de forma superveniente, porquanto, a teor dos documentos que instruem a inicial, conclui-se que o requerido não providenciou espontaneamente o necessário para o tratamento medicamentoso de MARIAXXX , revelando-se necessária, para tanto, a busca de tutela jurisdicional.


 Dito isso, é o caso de procedência do pedido.


 Como é cediço, é direito de qualquer cidadão a manutenção da vida e da saúde, conforme assegurado pelo artigo 5º, caput, da Constituição Federal, com todos os recursos necessários a tanto.


Afinal, o direito à vida e à saúde é inviolável e precede a qualquer outro, conforme preconiza o artigo 6º, caput, da Constituição Federal, bem como, mais especificamente, os artigos196 a 200 do mesmo diploma legal.


E, para cumprimento dos dispositivos constitucionais supramencionados, cabe assistência plena, tanto médica quanto hospitalar, além do fornecimento gratuito da medicação e insumos necessários ao tratamento do doente.


É direito de o cidadão exigir e dever do Poder Público fornecer medicamentos e tratamentos indispensáveis à sobrevivência e ao tratamento da saúde de qualquer cidadão, quando o próprio doente não puder obtê-los, sem prejuízo de seu sustento.


Trata-se de direito de todo cidadão e o Judiciário tem por missão assegurar os direitos consagrados na Constituição Federal, não pretendendo governar, mas, ao contrário, zelar pelo fiel cumprimento dos deveres do Poder Executivo para com a população em geral.


Não se trata, em absoluto, de ofensa ao fundamento constitucional da independência dos Poderes do Estado. Cuida-se, ao contrário, de verdadeira concretização do sistema de freios e contrapesos.


 Dalmo de Abreu Dallari ensina que:


“o sistema de separação dos poderes, consagrado nas Constituições de quase todo o mundo, foi associado à ideia de Estado Democrático e deu origem a uma engenhosa construção doutrinária, conhecida como sistema de freios e contrapesos. Segundo essa teoria os atos que o Estado pratica podem ser de duas espécies: ou são atos gerais ou são especiais. Os atos gerais, que só podem ser praticados pelo poder legislativo, constituem-se a emissão de regras gerais e abstratas, não se sabendo, no momento de serem emitidas, a quem elas irão atingir. Dessa forma, o poder legislativo, que só pratica atos gerais, não atua concretamente na vida social, não tendo meios para cometer abusos de poder nem para beneficiar ou prejudicar a uma pessoa ou a um grupo em particular. Só depois de emitida a norma geral é que se abre a possibilidade de atuação do poder executivo, por meio de atos especiais. O executivo dispõe de meios concretos para agir, mas está igualmente impossibilitado de atuar discricionariamente, porque todos os seus atos estão limitados pelos atos gerais praticados pelo legislativo. E se houver exorbitância de qualquer dos poderes surge a ação fiscalizadora do poder judiciário, obrigando cada um a permanecer nos limites de sua respectiva esfera de competências” ( In “Elementos da Teoria Geral do Estado”, 2ª ed. Editora Saraiva, São Paulo: 1998).


 


             No presente caso, entretanto, trata-se de verdadeiro controle de legalidade, na medida em que patente o descumprimento pela Administração Pública da Constituição Federal, bem como de normas infraconstitucionais sobre a matéria notadamente o Estatuto do Idoso, já que a parte autora necessita de tratamento medicamentoso especifico, não sendo tal pleito atendido pelo requerido antes da tutela judicial.


         Dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 196, que:


 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.


 


E ainda, a Constituição Estadual, em seu artigo 219, dispõe que:


Artigo 219. A saúde é direito de todos e dever do Estado.


Parágrafo único. O poder Público Estadual e Municipal garantirão o direito à saúde mediante:


1 - (...)


2 - acesso universal e igualitário às ações e ao serviço de saúde, em todos os níveis;


3 – (...)


4 - atendimento integral do indivíduo, abrangendo a promoção, preservação e recuperação de sua saúde.




Atendendo a essa finalidade, o artigo 198, II, da Constituição Federal estatui, in verbis:


 Artigo 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:


II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais.




É de se mencionar, também, a Lei do Sistema Único de Saúde - SUS, qual seja, a Lei nº 8.080/90, que em seu artigo 6º, inciso I, d, estabelece:




 Artigo 6º - Estão incluídos ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde -SUS:


 I - A execução de ações;


d) - de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica.


 

Desta forma, verifica-se a existência de inúmeras normas legais a amparar o direito pleiteado pelo autor em favor da sra., MARIA XXXX, não havendo justificativa razoável para seu descumprimento.

Como já dito, O direito à saúde é direito constitucional basilar e de atendimento impostergável, refletido em norma de que a saúde é direito universal e de responsabilidade do Poder Público, em todos os seus níveis, e com vistas não somente na redução da incidência de doenças como na melhora das condições e qualidade de vida dos cidadãos em geral e, sobretudo, do direito à vida e sua preservação. Inteligência do art. 196 da CF/88

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação civil pública para condenar o ESTADO DA BAHIA, na obrigação de fazer consistente no fornecimento do medicamento URSACOL a sra., MARIA XXXX, por tempo indeterminado, por quanto se fizer necessário durante o tratamento da mesma, a contar da intimação da presente sentença, sob pena de responsabilidade pessoal dos gestores e multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), limitada a R$ 100.000,00 (cem mil reais), tornando definitiva a tutela antecipada anteriormente deferida.


Por consequência, julgo extinto o processo, com resolução do mérito, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.


             Tendo em vista que se trata de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público, não se pode falar em pagamento de custas e de honorários advocatícios, com fundamento no art. 128, §5º, inc. II, alínea “a”, da Constituição Federal e art. 18 da lei 7347/85. 


Publique-se. Registre-se. Intime-se. 


Decorrido o prazo recursal, remetam-se os autos ao E. Tribunal  para o reexame obrigatório (art. 496 do CPC, I e §1º, do CPC).


P.R.I.


  


Araci, 1 de fevereiro de 2023. 


    

JOSÉ DE SOUZA BRANDÃO NETTO 

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JUIZ DE DIREITO 

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