Uma das melhores monografias sobre o "Toque de Acolher" (recolher)
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS – DCHT
BACHARELADO EM DIREITO –10º SEMESTRE – CAMPUS XIX
DIREITOS DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE: ASPECTOS JURÍDICOS DO
TOQUE DE ACOLHER NO BRASIL
MILLAÍ CARNEIRO FERNANDES
CAMAÇARI
2011
MILLAÍ CARNEIRO FERNANDES
DIREITOS DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE: ASPECTOS JURÍDICOS DO
TOQUE DE ACOLHER NO BRASIL
Trabalho monográfico, devidamente requisitado no Curso de Graduação em
Direito, Campus XIX, da Universidade do Estado da Bahia, para obtenção
de créditos na disciplina Monografia III, ministrada pela professora Ainah
Angelini, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito.
Orientadora: Professora Micheline Musser Leal
CAMAÇARI
2011
MILLAÍ CARNEIRO FERNANDES
DIREITOS DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE: ASPECTOS JURÍDICOS DO
TOQUE DE ACOLHER NO BRASIL
Esta monografia foi julgada e adequada à obtenção do título de bacharel em
Direito e aprovada em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade
do Estado da Bahia.
Camaçari, 2011.
_______________________________________________
Professora - Orientadora
_______________________________________________
Professor(a)
_______________________________________________
Professor(a)
Agradecimentos:
À minha família, pela compreensão e apoio.
À Profa. Micheline, pela orientação jurídica.
Ao Dr. José Brandão, pelas informações práticas da matéria.
RESUMO
O presente trabalho tem por escopo analisar o Toque de Acolher à luz do ordenamento
jurídico brasileiro, observando se esta medida judicial de natureza menorista é dotada de
constitucionalidade e legalidade. No que tange aos ramos do Direito, o tema encontra-se
inserido no campo do Direito Constitucional e da Infância e Juventude. O trabalho foi
estruturado em três capítulos: o primeiro demonstra como estão dispostos os direitos infato-
juvenis na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente; o segundo vislumbra a
medida judicial como prática de Ativismo Judicial; e o terceiro expõe os aspectos básicos do
Toque de Acolher e sua aplicabilidade, em especial na Comarca baiana de Santo Estevão. Em
suma, são apresentados de forma simplória o histórico, os fundamentos e as controvérsias
doutrinárias sobre portarias judiciais comumente utilizadas no Brasil, que visam disciplinar
direitos e deveres dos infantes.
Palavras-chave: Direitos da Infância e Juventude, Constituição Federal, Estatuto da Criança e
do Adolescente, Toque de Acolher, Portarias judiciais.
ABSTRACT
The scope of this study is to analyze the Toque de Acolher in light of the Brazilian legal
system, noting that this judicial measure of a lesser nature is endowed with the
constitutionality and legality. Regarding the fields of law, the subject is inserted in the field of
Contitutionality Law and Children and Youth. The work was divided into three chapters: the
first demonstrates how willing infantryand young people‟s rights in the Constitution and the
Statute of Children and Adolescents, the second sees the measure as a judicial practice of
Judicial Activism, and the third sets out the basic of Toque de Acolher and their applicability,
especially in Bahia District of Santo Estevão. In short, are presented in a simplistic history,
the foundations and judicial ruling on doctrinal controversies commonly used in Brazil,wich
seek disciplinary rights and duties of infants.
Keywords: Rights of Children and Youth, the Federal Constitution, the Statute of Children
and Adolescents, Toque de Acolher, judicial decrees.
LISTA DE ABREVITURAS E SIGLAS
Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul
Artigo e Artigos
Constituição Federal
Estatuto da Criança e do Adolescente
Ministério Público
Ordem dos Advogados do Brasil
Organização das Nações Unidas
Paraíba
São Paulo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 9
1 - O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E OS DIREITOS DA INFÂNCIA E DA
JUVENTUDE ........................................................................................................................... 11
1.1 - A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E OS DIREITOS INFANTO-
JUVENIS ................................................................................................................................. 11
1.2 - TEORIA DA PROTEÇÃO INTEGRAL ........................................................................ 16
1.3 - PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA .............................................. 19
1.4 - PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE ............................. 22
1.4.1 - Princípios Fundamentais no Estatuto da Criança e do Adolescente ............................. 22
1.4.2 - O Direito de Liberdade de Locomoção do Menor ........................................................ 24
1.5 - A COMPETÊNCIA DISCIPLINAR DA JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA
JUVENTUDE .......................................................................................................................... 26
1.6 - AS MEDIDAS DE PROTEÇÃO NO ECA E A LEI Nº 12.010/09 ................................ 29
2 – TOQUE DE ACOLHER COMO PRÁTICA DE ATIVISMO JUDICIAL ............... 32
2.1 - CONCEITO DE ATIVISMO JUDICIAL ........................................................................ 33
2.4 - O ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL: A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO. ......... 35
2.4.1 - Aplicações Práticas ...................................................................................................... 36
2.5 - CONTROVÉRSIAS DOUTRINÁRIAS .......................................................................... 38
3 – OS PARÂMETROS PRÁTICOS DO TOQUE DE ACOLHER ................................. 41
3.1 - CONCEITO E NOMENCLATURA ................................................................................ 41
3.2 - NO DIREITO COMPARADO E A ATUAL APLICABILIDADE NO BRASIL. ......... 43
3.3 - NATUREZA JURÍDICA ................................................................................................ 46
3.4 - LEGITIMIDADE DO JUÍZO ......................................................................................... 48
3.5 - APLICAÇÃO DA MEDIDADE NA COMARCA DE SANTO ESTEVÃO/BA ........... 50
3.5.1 - Como Funciona a Medida? ........................................................................................... 53
3.5.2 - Os Resultados na Comarca ............................................................................................ 54
3.6 - O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, ARTIGO 103-B DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E O TOQUE DE ACOLHER ............................................................................... 55
CONCLUSÃO........................................................................................................................ 59
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 62
ANEXO I – Portaria 10/2009 da Comarca de Santo Estevão/BA ...................................... 65
Esta pesquisa pretende analisar os aspectos jurídicos do Toque de Acolher à luz do
ordenamento jurídico pátrio. Tendo por base o Estatuto da Criança e do Adolescente, são
expedidas portarias por Juízes da Infância e Juventude visando regulamentar situações
envolvendo crianças e adolescentes, quando desacompanhadas de seus pais ou responsáveis e
expostas a situação de risco. Consubstanciando-se em medida preventiva, a decisão judicial
envolve direitos menoristas, sendo fomentada na limitação de horários a infantes.
No que tange à relevância social do tema, a escolha foi proporcionada pela sua
repercussão nos últimos anos, por conta dessa medida protetiva, também conhecida como
Toque de Recolher, ter sido comumente expedida em algumas comarcas brasileiras, pelos
respectivos juízos da Infância e Juventude. Mobilizado assim, estudiosos do Direito a
questionar seu conteúdo, justificando-se pela observância dos fundamentos constitucionais e
legais, notadamente os Princípios da Proteção Integral, Liberdade de Locomoção e Reunião, e
Nessa perspectiva, é cabível a análise de: se a instituição do Toque de Acolher vem
burlando fundamentos da Norma Ápice Brasileira; e se é lícito ao Juiz de Direito da Infância e
Juventude limitar direitos das crianças e dos adolescentes, negando-lhes a possibilidade de
exercício pleno da cidadania e da democracia.
Não obstante seja relacionado ao presente tema infanto-juvenil, este trabalho não se
propõe a questionar os limites do magistrado frente ao poder familiar, nem os motivos sociais
de aplicação da medida, ou ainda se muitos pais estariam apoiando a medida judicial como
reflexo de sua comodidade sobre a educação aos filhos.
Sob o aspecto acadêmico, esta pesquisa visa contribuir como um singelo material
teórico, que abrangeu a consulta de livros, artigos científicos e reportagens jornalísticas
disponíveis em fonte imprensa e meio eletrônico, além da legislação pertinente e estudo de
caso da Comarca de Santo Estevão/BA.
O objetivo geral é analisar a constitucionalidade e legalidade de portarias que
estabelecem limites de locomoção aos menores. Para tanto, serão mencionados os dispositivos
da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente que estão na base dos
argumentos daqueles que defendem a referida medida judicial, bem como de seus opositores.
Os juízes que estabelecem o Toque de Acolher vislumbram a portaria como resultado
de apelos da comunidade, bem como da competência disciplinar dos magistrados da infância
e juventude. Atuando o magistrado com o poder supletivo que lhe cabe na finalidade de zelar
pelo saudável desenvolvimento dos infantes, prevenindo-os da exposição a situações de risco,
estando assim em conformidade com o artigo 149 da Lei nº 8.069/90.
Por outro lado, a portaria judicial encontra resistência no meio jurídico, sob o
fundamento de que sua instituição perpassa ao permissivo legal expressamente posto no ECA,
pois o mencionado artigo não acrescenta a situação específica do Acolher, a medida seria
dotada de ilegalidade em face a ausência de previsão, praticando o magistrado o chamado
ativismo judicial, por atuar como se legislador fosse.
Nesse diapasão, o presente trabalho abordará os direitos da infância e juventude à luz
do ordenamento pátrio, vislumbrando os argumentos jurídicos em prol do Toque de Acolher;
passando em seguida à visão da medida judicial como prática de ativismo judicial. E ainda,
apresentará os parâmetros práticos da portaria, informando os fundamentos de uma decisão
dessa natureza, e como essa deliberação vem sendo cumprida em alguns municípios baianos.
1 - O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E OS DIREITOS DA INFÂNCIA E
Este capítulo visa apresentar os aspectos principiológicos, constitucionais e
infraconstitucionais que norteiam os direitos das crianças e dos adolescentes, demonstrando se
tais direitos devem ser vislumbrados como direitos fundamentais. Na observância de que a
medida judicial Toque de Acolher, envolve direitos infanto-juvenis, tendo por inerência
orientar as condutas das crianças e dos adolescentes, enquanto sujeitos passivos diretos.
Será elucidada, ainda, a relevância da Teoria da Proteção Integral, advento da
transição legalista e doutrinária, no Brasil do século XX, que viabilizou a concretização dos
direitos infanto-juvenis no Direito Brasileiro, objetivando, nessa perspectiva, estudar e
relacionar a Constituição Federal de 1988 ao Estatuto da Criança e do Adolescente, previsto
na Lei nº 8.069/90, com ênfase nos aspectos jurídicos que abarcam portarias judiciais de
1.1 – A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E OS DIREITOS INFANTO-
Os direitos da criança e do adolescente serão analisados em sede constitucional, o
legislador originário expressou sua preocupação referente à temática, dedicando um capítulo
específico juntamente com a família e idoso.
Como bem ensina a doutrina pátria de Vidal Serrano Júnior e Luiz Alberto David
Araújo (2003, p. 460), essa preocupação fora oriunda do inegável momento social difícil,
quando da promulgação da Constituição de 1988, em que a criança era colocada a margem no
processo de interação social.
A partir da Revolução de 1789 é que o regime constitucional foi sendo associado à
garantia dos direitos fundamentais. Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em
seu artigo 16, foi condicionada “à proteção dos direitos individuais a própria existência da
Constituição” (FERREIRA FILHO, 2010, p. 314).
Na seqüência, novos direitos foram sendo reconhecidos, mediante as mudanças no que
tange as relações entre o Estado e o indivíduo. Sendo direitos com conteúdo positivo de
vinculação do Estado em sua atuação, os direitos fundamentais.
A declaração de “Direitos do Homem e do Cidadão”, editada em 1789 pela Revolução
Francesa, a mais conhecida e influente do século XVIII, apresenta uma nítida oposição contra
o poder, por considerá-lo um inimigo da liberdade por excelência. Apesar do caráter abstrato,
essa declaração baila sobre o imperativo de hostilizar os abusos da monarquia por meio da
proclamação de princípios eternos e universais, como Igualdade e Liberdade.
Do século XVIII até meados do século XX, quando da Primeira Guerra Mundial, as
declarações possuem como traço fundamental o caráter individualista, configurando uma
proteção ao indivíduo em face do Estado. Esse aspecto perdura na maioria das Constituições
do século XX, havendo nestas um ideal de assegurar ao indivíduo certos direitos por meio do
Estado, a exemplo dos direitos de ordem econômica.
O aspecto meramente “formal” das liberdades consagradas nas declarações
individualistas logo foi criticado pelos socialistas, no entendimento de que faltariam meios de
exercer tais direitos. Essa crítica difundiu-se mediante as trágicas conseqüências do mundo
capitalista daquele período histórico, ganhando opinião pública à proteção aos mais fracos,
Com o alcance do sufrágio universal em grande parte da Europa, fora acordada a
influência das massas, sendo um fator político de transformação para o Estado-polícia em
Estado-providência. Passando, assim, os “direitos econômicos e sociais” a serem
reconhecidos pelo constituinte.
Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2010, p. 318):
Ao mesmo tempo, contra o individualista extremado, se foram reconhecendo
direitos em favor dos grupos sociais, o que não se fazia nas primeiras
declarações. Paralelamente, se reconheceu ao indivíduo o direito de
associação, inclusive como garantia da liberdade individual conforme o
ensinamento de Tocqueville (De La démocratie em Amérique) e de Stuart
Mill (Do governo representativo da liberdade).
Essa nova concepção de direitos fundamentais foi concretizada formalmente nas
primeiras Constituições Republicanas, quais sejam: a Alemã de Weimar de 1919 e a
Espanhola de 1931. Nesse diapasão, é que no Brasil em 1934 foi introduzida uma segunda
concepção de direitos fundamentais, no reconhecimento dos direitos sociais e econômicos; ao
contrário das constituições anteriores de 1824 e 1891, mediante textos arraigados a uma
concepção individualista dos direitos fundamentais.
Por sua vez, a chamada terceira geração dos direitos fundamentais vem sendo
construída hodiernamente, na defesa dos direitos de solidariedade: direito à paz, ao
desenvolvimento, ao meio ambiente, ao respeito ao patrimônio comum da humanidade.
Concepção proveniente do Direito Internacional e que vem sendo consagrada no Direito
Na visão doutrinária de Paulo Bezerra (2010, p. 212), os direitos da criança e do
adolescente pertencem a essa terceira dimensão dos direitos fundamentais, por se tratarem de
direitos coletivos e difusos, tendo por característica intrínseca uma titularidade meta-
individual, com respeito à proteção de um grupo de pessoas.
Os direitos fundamentais possuem peculiaridades individualizadoras, enquanto
categorias jurídicas, pois todos os direitos que recebem a qualidade de fundamental se
configuram em adjetivos comuns entre si. Assim, os direitos fundamentais podem ser
configurados como a categoria jurídica, em que tem por finalidade a proteção da dignidade
humana em todas as suas dimensões: direitos individuais, direitos sociais, econômicos e
culturais, e direitos relacionados à fraternidade e à solidariedade (ARAUJO. NUNES
Nesse mesmo sentido, com sede no princípio da primazia da Constituição Federal, o
constitucionalista José Afonso da Silva (1996, p. 179-180) aponta os seguintes adjetivos
intrínsecos aos direitos fundamentais:
a) Historicidade – como qualquer direito, nascem, modificam-se e desaparecem;
b) Inalienabilidade – porque não possuem conteúdo econômico-patrimonial, sendo
c) Imprescritibilidade – sendo exigíveis a todo tempo;
d) Irrenunciabilidade – não se pode renunciar direitos fundamentais, ainda que não
estejam sendo exercidos.
Como reflexo de seus caracteres, cumpre abordar sobre a “inabolibilidade” dos
direitos fundamentais, significando dizer que outra norma não poderá suprimir ou ferir o
núcleo essencial de tais direitos. Seguindo os termos do artigo 60, § 4º, da Constituição
Federal, quando dispõe: “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir: IV – os direitos e garantias individuais” (FERREIRA FILHO, 2010, p. 324).
No sentido de que a Constituição presume ser um direito fundamental todo aquele
naturalmente ligado ao regime e princípios que adota, como o da dignidade da pessoa
humana. Pois, o dispositivo visa reconhecer limitações de cunho material, em atendimento à
necessidade de preservação de um conteúdo mínimo estabelecido pelo constituinte, em face
da contínua adequação da Constituição à realidade social, denominando as chamadas
Vale lembrar que deve ser lido “direitos e garantias individuais” como direitos e
garantias fundamentais, pois a “inabolibilidade” protege todos os direitos fundamentais, sendo
abrangidos os direitos sociais e as liberdades (FERREIRA FILHO, 2010, p. 324).
Nessa perspectiva, as “cláusulas pétreas” são normas que não são passíveis de emenda,
pois os direitos políticos e sociais devem ser resguardados, na medida em que constituem o
pilar da estrutura e da identidade da própria Carta Magna, a dignidade da pessoa humana.
Sendo constituída a proteção aos direitos fundamentais, sejam eles individuais, políticos,
sociais, econômicos, culturais, ambientais, e os infanto-juvenis.
Desta forma, qualquer emenda que vislumbre abolir quaisquer direitos fundamentais
da criança e do adolescente fere frontalmente a Carta Constitucional.
Nesse diapasão, mediante a constatação de características comuns aos direitos
fundamentais, todos os direitos que contenham tais adjetivos integram tal categoria jurídica,
independentemente de se localizarem na parte reservada aos direitos fundamentais no texto
Lembrando que é devida uma interpretação jurídica pertinente para identificá-los, pois
é a esta interpretação sistemática que faz com que os direitos sejam difundidos no texto
constitucional (ARAUJO. NUNES JÚNIOR, 2003, p. 91-92).
O artigo 227, “caput”, da Constituição Federal é reconhecido como a Declaração de
Direitos Fundamentais da população menorista, pois ao tratar de direitos fundamentais
infanto-juvenis, tal artigo norteia que são garantidos:
à criança e ao adolescente, como dever da família, da sociedade e do
Estado, com prioridade absoluta, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Valendo mencionar que tais direitos dispersos não se restringem ao referido artigo
227, havendo outros direitos fundamentais diversos, sendo:
• Artigo 7º, inciso XXXIII: proibição de trabalho noturno, perigoso e insalubre a
menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de
aprendiz, a partir de 14 anos;
• Artigo 226, § 6º: equiparação de filhos e a vedação de designações discriminatórias
• Artigo 228: inimputabilidade dos menores de 18 anos, sujeitos à legislação especial;
• Artigo 229: assistência e educação por parte dos pais.
A atual Constituição Brasileira não enumera exaustivamente os direitos fundamentais,
admitindo-se haver outros direitos dessa natureza, direitos estes implícitos, decorrentes do
regime e dos princípios. Como se observa na previsão do o artigo 5º, § 2º, em sede
constitucional, quando faz referência aos “Tratados Internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja Parte”.
Sendo também o caso da recepção dos diplomas atinentes aos direitos humanos pelo
ordenamento jurídico. Lembrando que a Emenda Constitucional 45/2004 elucidou que apenas
se formalizam como normas constitucionais os tratados ou convenções sobre direitos
humanos que atendam as formalidades de aprovação do § 3º do artigo 5º da Norma Ápice. Em
que pese haver entendimento do Supremo Tribunal Federal de que todos os tratados sobre
direitos humanos tenham nível constitucional.
E em se tratando dos direitos atinentes à criança e ao adolescente, tem-se em destaque
alguns documentos internacionais: a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança,
aprovada pela ONU em 20 de novembro de 1989, pela qual se consagrou a Teoria da Proteção
Integral; a Declaração de Genebra de 1924, pela qual se declarou a necessidade de proclamar
à criança uma proteção especial; a Declaração Universal de Direitos Humanos aprovada pelas
Nações Unidas em 1948, que no seu artigo XXV reconheceu à infância o direito a cuidados e
assistência especiais, igualando crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio. E ainda, a
Declaração Universal dos Direitos da Criança, em 1959, que normatizou a especial proteção
para a criança, mediante promulgação de leis atendendo ao “interesse superior da criança”.
Pelo ordenamento jurídico pátrio, os direitos fundamentais não são apenas os dispostos
no início da Carta Magna ou os dispersos em seu bojo, há ainda aqueles recepcionados da
legislação internacional. Assim sendo, os direitos de proteção à infância e a juventude,
convencionados nos diplomas internacionais dos quais o Brasil é parte, também pertencem à
Constituição Federal, com inerência de direitos fundamentais.
Do presente estudo, observa-se que os direitos da criança e do adolescente encontram-
se normativizados no Texto Maior, e sua natureza de direitos fundamentais dispersos é
vislumbrada em acordos internacionais celebrados e/ou ratificados pelo Brasil, bem como na
Lei Federal nº 8.069/90. Desta forma, por constituírem direitos duplamente fundamentados no
sistema constitucional, proveniente da Carta Magna de 1988, bem como na legislação
infraconstitucional, mediante o Estatuto da Criança e do Adolescente, são consubstanciados
em um limite mínimo a ser respeitado pelo legislador ordinário.
1.2 – TEORIA DA PROTEÇÃO INTEGRAL
A Teoria da Proteção Integral consagrou-se no âmbito jurídico em 20 de novembro de
1989, mediante a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, promovida pela
Organização das Nações Unidas.
Esta Convenção, nos termos de seu artigo 37, normatizou o imperativo de defesa aos
interesses dos menores de dezoito anos de idade, com repúdio a qualquer resquício de
Tal Convenção foi resultado da atuação de quarenta e três países-membros da
Comissão de Direitos Humanos daquele organismo internacional, para comemoração dos
trinta anos da Declaração Universal dos Direitos da Criança, reconhecendo em um documento
as normas que os países signatários deveriam incorporar a sua ordem interna de forma efetiva,
como garantismo aos direitos infanto-juvenis.
O termo proteção indica uma das condições essenciais do ser humano que é a
necessidade de outros seres humanos. Essa proteção desencadeia uma redução da liberdade
real do protegido, pois este deve seguir os indicativos apresentados pelo protetor, seja na
forma de lei ou de outros instrumentos legais e morais. Consubstanciando uma situação típica
do ser humano, e no caso da criança, esta irá necessitar de um orientador para educá-la,
fornecer-lhe alimento, e por conseqüência haverá instrumentos de disciplina e educação.
Situação válida também na relação do menor com outros adultos que sejam a qualquer título
encarregados de proteção (MESSENDER, 2010, p. 10).
Esta teoria entende a criança e o adolescente como sujeito de direitos fundamentais,
figurando como titulares de interesses subordinantes frente à família, à sociedade e ao Estado.
Tendo como fomento a lógica da liberdade, da vida em sociedade e suas respectivas
transformações, ao enaltecer os direitos relativos à liberdade, ao respeito e à vida digna
Há outros documentos na seara internacional que afirmaram a Teoria da Proteção
Integral, influenciando a legislação menorista pátria, como: Regras Mínimas de Beijing, de 29
de novembro de 1985; Regras das Nações Unidas para a Proteção de Jovens Privados de
Liberdade, de 14 de dezembro de 1990; Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da
Delinquência Juvenil – Diretrizes de Riad, de 14 de dezembro de 1990 (ISHIDA, 2009, p. 06-
Com o advento das normas do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, esta foi
a teoria adotada no ordenamento pátrio, visando-se a proteção dos direitos fundamentais da
criança e do adolescente, coadunando assim com o disposto na Carta Magna de 1988.
Segundo ensina a doutrina pátria:
O Estatuto da Criança e do Adolescente surge a partir da proteção
constitucional integral que ensejou a criação de disciplina científica
destinada a estruturar, através de um microssistema, o direito da
criança e do adolescente (ISHIDA, 2009, p. 09).
Entretanto, é valido acordar que, no Brasil, a Teoria da Proteção Integral fora
antecedida pela Doutrina da Situação Irregular, esta que fomentou a Lei Federal nº 6.697 de
10 de outubro de 1979, conhecida como Código de Menores.
Inaugurada no Congresso de Paris, em 1911, e na Declaração de Genebra de 1924, a
Doutrina da Situação Irregular reconhecia um Direito da Criança, sendo direcionado mais
para um caráter tutelar do sistema judicial, visando à proteção de crianças e adolescentes
O antigo Código de Menores associava uma situação de pobreza à delinqüência, tendo
um caráter discriminatório e segregador, entendia um menor de baixa renda como inferior, e
por isso deveria o Estado tutelá-lo (MESSENDER, 2010, p. 05).
Nos termos do Código de Menores de 1979, considerava-se em situação irregular, o
I- privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução
obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:
a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
II- vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou
responsável;
III- em perigo moral, devido a:
a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;
b) exploração de atividade contrária aos bons costumes;
IV- privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos
pais ou responsável;
V- com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou
comunitária;
VI- autor de infração penal.
O Antigo Código ainda tratava de um permissivo legal aos magistrados da época, a
expedição de portarias sobre os mais variados temas, sendo atos que dispensavam maiores
formalidades. Segundo o artigo 8º da Lei nº 6.697/79, o conteúdo de tais atos poderia ser de
ordem geral, ao prudente arbítrio do juiz, sendo medidas que por vezes restringiam direitos
dos infantes (DIGIÁCOMO, 2011, online).
Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, observa-
se que o Código de 1979 não era mais compatível com os princípios da Carta Magna, nem os
da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, de 1989. Uma vez que houve a adoção
da Teoria da Proteção Integral pela Norma Ápice, quando em seu artigo 227, e no seu
desdobramento, diga-se Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal nº 8.069 de 13 de
julho de 1990, vê-se expressamente o enunciado: “esta lei dispõe sobre a proteção integral à
E como um dos reflexos dessa proteção, a nova legislação, em atendimento a ordem
constitucional de 1988, manteve o instituto da portaria judicial, mas com a caracterização de
medida disciplinar, oriunda do poder jurisdicional da autoridade judiciária competente
(DIGIÁCOMO, 2011, online).
Por conseqüência, a portaria judicial disciplinadora deve respeitar processo especial,
com limites protetivos próprios, mediante reconhecimento do menor como sujeito de direitos,
conforme indica o artigo 149 do Estatuto Menorista de 1990.
Para a doutrina pátria, “essa lei é a semente de transformação do país”, e a sua
efetividade plena proporcionará a vida digna para toda criança e adolescente (MESSENDER,
2010, p. 07). Indicando como objetivo do Estatuto da Criança e do Adolescente o pleno
desenvolvimento do menor, abrangendo aspectos físicos, morais e espirituais.
E seguindo a mencionada legislação de 1990, a doutrina que trata da Proteção Integral
indica quais órgãos compõem o chamado Sistema de Garantia dos Direitos, tendo por objetivo
zelar pelo cumprimento da Lei, sendo: do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente nas esferas municipal, estadual e federal; Conselho Tutelar; Defensoria Pública,
o Ministério Público, as Delegacias e o Poder Judiciário.
Em uma análise simplória, pode-se dizer que o direito da infância e da juventude antes
baseado em meros níveis econômicos, passou a uma perspectiva do menor como sujeito de
direitos, garantidos pela legislação estrangeira, pela Norma Ápice Pátria, e ainda por
legislação infraconstitucional brasileira. Pois a Teoria, então adotada, ressalta a garantia do
pleno desenvolvimento infanto-juvenil, sendo uma vertente dos direitos fundamentais, que
abrange a cooperação entre Estado, família e sociedade, em prol do interesse superior da
1.3 – PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA
Em se tratando dos direitos infanto-juvenis, um dos princípios consagrados pelo
ordenamento jurídico brasileiro é o Princípio do Melhor Interesse da Criança, que por sua
relevância merece a devida atenção.
No que tange à origem do aludido princípio, a professora da PUC/RJ, Tânia da Silva
Pereira (2010, online), em trabalho científico, citando o doutrinador inglês Daniel B. Griffith,
ensina que a fonte de tal mandamento fora o instituto do “parens patriae”, oriundo da
Inglaterra do século XIV, era uma prerrogativa da Coroa para proteger os indivíduos que não
tivessem o discernimento necessário para administrar seus próprios interesses. No período, era
nomeado um “guardião supremo” para proteger as crianças e os deficientes mentais.
Para o autor inglês, o instituto pode ser definido como “a autoridade herdada pelo
Estado para atuar como guardião de um indivíduo com uma limitação jurídica”. A partir do
século XVIII, as Cortes inglesas distinguiram as atribuições do “parens patriae” de proteção
infantil das de proteção dos deficientes mentais. Griffith refere-se também ao caso “Finlay v.
Finlay”, como demonstração de aplicação do referido instituto no caso concreto, datado
daquele período, um julgado do Juiz Cardozo, no qual fora ressalvado o bem estar da criança
como sobreposição à controvérsia das partes adversas, os pais.
Somente no século XX, especificamente em 1989, é que o Princípio do Melhor
Interesse da Criança foi confirmado, quando da Convenção Internacional dos Direitos da
Pelo Decreto nº 99.710/90, o Brasil tornou-se signatário, emanando a tradução oficial
do artigo 3.1: “todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas
ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos,
devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança”.
Assim, observa-se que ao retificar a Convenção, Princípio do Melhor Interesse da
Criança consolida-se no ordenamento pátrio, atendendo ao disposto no § 2º do artigo 5º, da
Constituição Federal, ao ser incluído entre os direitos e garantias decorrentes do regime e dos
princípios adotados pelas bases constitucionais.
Nesse viés o Brasil incorpora em caráter definitivo o referido princípio, sendo
considerado um norteador importante para modificação e aplicação da legislação interna no
que tange à proteção do menor (BRANDÃO NETTO, 2009, online).
Em relação à nomenclatura do aludido princípio, em que pese a versão brasileira
referir-se a “maior” interesse da criança, dando uma caráter quantitativo, a melhor doutrina
pátria acorda para a relevância do caráter qualitativo da matéria, cabendo por este motivo
dizer-se Princípio do “Melhor” Interesse da Criança, ou ainda Princípio do Superior Interesse
Atendendo, assim, ao norte transmitido pela Convenção de 1989, bem como às
orientações da Constituição Pátria de 1988, em especial no seu artigo 227, “caput”, proclama:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
A Convenção de 1989, em seu artigo 1º, direciona como seus destinatários as crianças,
sendo “todo ser humano com menos de 18 anos”. Nos termos do artigo 2º do Estatuto da
Criança e do Adolescente, entretanto, observa-se que o legislador pátrio entendeu ser
fundamental a fixação de duas faixas etárias para esses titulares. Por conseguinte, foram
considerados no Brasil criança “pessoa até 12 anos de idade incompletos”, e adolescente
“aquela entre 12 e 18 anos de idade”. Desta forma, em se tratando de Princípio do Melhor
Interesse da Criança deve ser entendida uma devida extensão aos adolescentes, coadunando
assim com a norma estrangeira.
Lembra Messeder (2010, p. 11) que apesar de a lei apenas proclamar o critério de
idade cronológica para diferir crianças, adolescentes e adultos, é de se observar que o
fundamento para tal distinção é de ser um “meio divisor para aplicação de medidas
sócioeducativas”. Externando ainda o autor que nesse aspecto cabe uma reflexão mínima, no
fomento de que os conceitos de criança e adolescente são subjetivos, e a sua distinção etária
se perfaz meramente em convenções legais.
No que tange à aplicação do Princípio do Melhor Interesse da Criança, no âmbito do
Poder Legislativo vê-se o Estatuto da Criança e do Adolescente como um consolidador de
normas emanadas pela Lei Maior, sendo especificadas as linhas de melhor interesse da
criança. Em relação ao Poder Judiciário e ao procedimento administrativo, é devido a
ocorrência de procedimentos céleres e eficientes a fim de evitar quaisquer prejuízos aos
Lembrando que o Estatuto da Criança e do Adolescente, nos termos de seu artigo 28, §
1º, dando vigência ao disposto no artigo 12 da Convenção de Direitos da Criança e do
Adolescente, assegura aos seus protegidos, enquanto sujeito de direitos, o direito de emitir sua
opinião nos procedimentos sempre que possível, sendo ouvido por equipe profissional,
respeitando obviamente suas limitações cognitivas. Uma vez que a oitiva infanto-juvenil é
considerada pela doutrina como uma relevante contribuição na orientação do magistrado na
concretude ao atendimento do melhor interesse da criança.
No mesmo entendimento segue o artigo 45, § 2º do supracitado Estatuto relativo ao
consentimento do adolescente nos casos de adoção, o qual fora reproduzido no texto do
Ainda no âmbito de aplicação do referido princípio, é válido acrescer que o magistrado
não possui um poder discricionário ilimitado, cabendo-lhe preservar pelo máximo de
otimização do melhor interesse da criança, mediante a observância das regras constitucionais
e infra-constitucionais atinentes a matéria.
Seguindo a melhor doutrina pátria, tem-se que é necessário observar o direcionamento
existente para a interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente. O artigo 6º da
legislação aduz que a hermenêutica jurídica do aludido estatuto é norteada por quatro fatores:
1. Os fins sociais a que ela se dirige; 2.as exigências do bem comum;
3. Os direitos e deveres individuais e coletivos; 4. a condição peculiar
da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento
(MESSENDER, 2010, p. 23).
Nesse sentido, cabe ressaltar que pelo seu caráter normativo, o princípio do melhor
interesse da criança deve ser ponderado em relação aos demais princípios, mediante um caso
concreto. Consubstancia-se em uma proteção especial para a infância e juventude embasada
constitucionalmente, que ratifica Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente. Incorporando, assim, o princípio do melhor interesse da
criança ao ordenamento pátrio.
Por essa ótica de que a defesa ao infanto-juvenil é de responsabilidade de todos e com
prioridade absoluta, asseverada pelo artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente,
alguns juízes decretaram a medida judicial Toque de Acolher, sendo uma portaria com a
finalidade de disciplinar a condição de infante. Seguindo o indicativo do artigo 227 da
Constituição Federal, pelo qual salvaguardar o menor de toda forma de negligência também
se configura em dever do Magistrado.
Observa-se que pela Justiça Brasileira, os pais devem fazer o melhor para seus filhos,
mas tal decisão não possui caráter absoluto, pois se houver exposição do infante a risco, ou
seja, “em situação que atente contra seu desenvolvimento moral ou intelectual”, poderá o
Estado intervir por meio de atividades supletivas, como a intervenção do Judiciário através de
portarias disciplinadoras para os menores (BRANDÃO NETTO, 2009, online).
1.4 – PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE
1.4.1 – Princípios Fundamentais no Estatuto da Criança e do Adolescente
Na observância do Estatuto da Criança e do Adolescente, pode-se afirmar que as
cláusulas pétreas, advento da Norma Ápice de 1988, foram ratificadas no Título II da Lei nº
8.068 de 1990, sendo: o direito à vida e à saúde, direito à liberdade, ao respeito e à dignidade,
direito à convivência familiar e comunitária, direito à educação, à cultura, ao esporte e ao
lazer, direito à profissionalização e à proteção ao trabalho.
Nesse sentido, seguindo a Teoria da Proteção Integral e o Princípio da Prioridade
Absoluta, o Estatuto da Criança e do Adolescente criou um amplo sistema de garantias de
direitos infanto-juvenis, representando uma nova política estatutária nessa seara, pela qual
foram apresentados conceitos para uma melhor orientação ao intérprete, sendo (ALMEIDA,
Princípio da Prevenção Geral – Artigo 54, I a VII, c/c artigo. 70. O Estado deve
assegurar à criança e ao adolescente as necessidades básicas para seu pleno desenvolvimento,
mediante orientação educacional, assim como prevenir a ocorrência de ameaça ou violação
Lembrando que a obrigação do zelo pelos infantes é dos pais, entretanto se estes
falham, por negligência, não impedindo que os menores sofram com a exposição à drogas,
bebidas alcoólicas ou prostituição, não cabe ao Estado se omitir. Tendo, pois, o dever de atuar
em prol de findar tal risco, uma vez que o artigo 5º prevê punição às autoridades no caso de
atentado aos direitos fundamentais dos menores.
Complementando tal entendimento, o Magistrado Evandro Pelarin, Juiz da Comarca
de Fernandópolis, interior do Estado de São Paulo, diz que:
Não conseguindo os pais cumprir, satisfatoriamente, a obrigação de
proteção, o ECA OBRIGA não só que o Estado atue, como o Estatuto
prescreve também, textualmente, que os pais devem obedecer às
ordens judiciais no sentido da prevenção e da proteção. Isso significa
dizer, v.g., que, se os pais não fixam um horário para o filho retornar
para casa, caso o Juiz o faça, os pais devem observar e cumprir essa
ordem judicial, conforme o art. 22 do Estatuto (BRANDÃO NETTO,
2009, online).
Princípio da Prevenção Especial - Artigo 74 indica que o Poder Público deverá
regular, através de órgãos competentes, as diversões e espetáculos públicos, demonstrando o
que se perfaz em inadequado.
Princípio de Atendimento Integral - Artigos 3º, 4º e 7º. O menor tem direito a
atendimento integral em prol de seu pleno desenvolvimento (vida, saúde, educação, esporte,
lazer, profissionalização, etc). A Constituição Federal inicialmente imputa aos pais o dever de
assegurar os direitos das criança e adolescente, e supletivamente ao Estado e à sociedade
(MESSENDER, 2010, p. 14).
Princípio da Garantia Prioritária – Parágrafo único do artigo 4º c/c os artigos 59, 87,
88 e 261, parágrafo único. Tem primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias, bem como precedência de atendimento público, e preferência na formulação e
execução das políticas sociais públicas, mediante destinação privilegiada de recursos públicos
nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Princípio da Proteção Estatal – Artigo 101 c/c artigo 98. Visando a sua formação
biopsíquica, social, familiar e comunitária, através de programas de desenvolvimento, podem
ser aplicadas medidas específicas de proteção.
Valendo acordar que o rol apresentado pelo artigo 101 do ECA é meramente taxativo,
podem assim ser aplicadas outras medidas de proteção, como se lê:
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a
autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes
medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo
de responsabilidade(...); II - orientação, apoio e acompanhamento
temporários(...); III - matrícula e frequência obrigatórias em
estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em
programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao
adolescente ; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou
psiquiátrico, em regime hospitalar o u ambulatorial; VI - inclusão em
programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a
alcoólatras e toxicômanos; VIII - inclusão em programa de
acolhimento familiar;(...).
Princípio da Prevalência dos Interesses do Menor – Artigo 6º. O Estatuto, em sua
interpretação, leva em conta os fins sociais a que se dirige, as exigências do bem comum, os
direitos e deveres individuais e coletivos, e sua condição peculiar de pessoa em
Princípio da Indisponibilidade dos Direitos do Menor – Artigo 27. Sendo o
reconhecimento do estado de filiação um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível.
Princípio da Sigilosidade – Artigo 143 c/c artigo 247. Na qualidade de sujeito de
direitos, o estatuto visa proteger o menor de exposição injusta e prejudicial, considerando ser
pessoas ainda em formação e “cujo deslize de conduta praticado na juventude poderá
machucá-lo por toda vida adulta” (MESSENDER. 2010, p. 223).
Princípio da Gratuidade - Artigo 141, ECA c/c artigo 5º, inciso LXXIV, parágrafos 1º
e 2º da Constituição Federal. Garante o acesso de toda criança ou adolescente à Justiça,
mediante prestação de assistência judiciária gratuita a todos que necessitarem.
Por tais princípios, observa-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente, em
especial seu artigo 4º, proclama a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, tendo os
mesmos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, com a ressalva do respeito à
Proteção Integral que também trata a Lei. Assim, observa-se que o referido artigo relativiza os
direitos infanto-juvenis por entender que são indivíduos em desenvolvimento, em constante
situação de risco devido a sua incapacidade ou capacidade civil limitada.
Por outras palavras, se uma medida de proteção respeitar princípios de brevidade e
excepcionalidade, oriundos da condição peculiar do infante, haverá respeito à Lei Maior.
Sendo tais preceitos que regem o Toque de Acolher, pois em sua prática não há apreensão do
menor, apenas este é encaminhado aos pais ou responsáveis, se identificados em situação de
vulnerabilidade, diga-se risco (BRANDÃO NETTO, 2009, online).
1.4.2 - O Direito de Liberdade de Locomoção do Menor
Pela leitura do artigo 16, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente depreende-
se a abrangência do conceito de liberdade do infante, indicando os aspectos, entre outros, de
“ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições
As referidas restrições podem ser vinculadas a atos infracionais, as chamadas medidas
socioeducativas de contenção de liberdade, bem como indicativos de proteção, a exemplo dos
artigos 80 e 74, respectivamente, a restrição de permanecer em locais que explorem jogos de
azar e proibição de freqüentar locais a eles não recomendados.
Nesse sentido, com base na aplicação do artigo 3º do Estatuto da Criança e do
Adolescente, o direito à liberdade da pessoa em desenvolvimento não é absoluto, pois
“encontra seus limites nos demais direitos igualmente previstos na Constituição Federal
(princípio da relatividade ou conveniência das liberdades públicas)”. Atendendo assim, ao
princípio da Proteção Integral do infanto-juvenil (BRANDÃO NETTO, 2009, online).
Por essa ótica, observa-se que condição jurídica do menor indica limitação à sua
liberdade de ir, vir e permanecer. No sentido de que a criança e o adolescente não podem se
locomover em logradouros públicos de forma absoluta. Devendo o artigo 5º da Norma Ápice,
que trata dos direitos e garantias individuais, ser relativizado em face da Proteção Integral.
Os defensores do Acolher abordam como um pilar de seus argumentos a busca
incessante pela proteção dos menores. Pois, quando expostos a vias públicas em determinados
horários, estes se tornam vulneráveis ao incentivo de práticas ilícitas, como aliciamento de
menores e tráfico de drogas.
Nessa perspectiva, ensina o professor paraibano José de Faria Tavares que a liberdade
A liberdade física de Locomoção não quer dizer, entretanto, que se
tem de deixar a pessoa legalmente considerada hipossuficiente ao
deus-dará, perambulando à toa, vida errante, sem rumo, sem ponto de
destino. A liberdade orientada, protegida, é que a autêntica liberdade
do infante ou jovem inexperiente nos caminhos da vida, a liberdade
alcançada por meio da educação (BRANDÃO NETTO, 2009, online).
É preciso observar que os infantes não possuem capacidade plena, e por esse
pressuposto devem submissão à vontade dos pais ou responsáveis. A limitação de horários de
chegada e saída em casa pode ser considerada uma imposição natural para educação dos
Todavia, mediante realidades em que esta autoridade familiar não se perfaz na eficácia
vislumbrada, o Juízo da Infância e da Juventude vem estabelecendo portarias, em algumas
Comarcas brasileiras, como medida de auxílio aos pais, posto que no conteúdo de tais
portarias se o infante estiver na companhia de seus pais ou de responsáveis não há proibição
de trânsito livre em quaisquer horários (BORGES DA SILVA, 2010, p. 406-407).
Afinal, se a liberdade de locomoção da criança e do adolescente, não for direito
adequadamente regulamentado, pode resultar em violação a outros direitos, do próprio infante
ou da sociedade, eventualmente atingidos por comportamentos inadequados e/ou ilícitos,
como resultado da ausência de orientações educacionais e cívicas de pais ou responsáveis.
Assim sendo, ainda que o infante possua direitos fundamentais, constitucionalmente
garantidos, como o da Liberdade, não se pode olvidar a aplicação da Proteção Integral tão
bem posta no ordenamento jurídico brasileiro, em virtude da relativização dos princípios
perante interesses maiores da própria coletividade.
1.5 - A COMPETÊNCIA DISCIPLINAR DA JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA
Obedecendo a orientação constitucional do Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição,
no artigo 5º, inciso XXXV, pela qual não pode o juiz deixar de apreciar situações que
envolvam lesão ou ameaça a direito, aliado ao direito fundamental de proteção aos infantes, o
Estatuto da Criança e do Adolescente segue um modelo de jurisdição voluntária, também
denominada graciosa ou administrativa, no sentido de evitar a formação de futuros litígios.
Ratificando um dos princípios consagrados internacionalmente, diga-se na Declaração
Universal de Direitos da Criança de 1959, de que a criança, em sentido amplo, goza de
Nessa perspectiva, em se tratando de competência disciplinar do Juízo da Infância e
Juventude, não se aplica o Princípio da Inércia do Juiz, em virtude da tendência de uma
atuação mais ativa no processo. Havendo, por conseguinte, um poder discricionário deste
juízo, conforme demonstra a própria legislação ao manter o instituto da portaria judicial, nos
termos do artigo 149 da Lei nº 8.069/90. Demonstrando, assim, que a autoridade judiciária
tem competência para expedição de portarias disciplinares, de caráter normativo, desde que
atendidas às formalidades especiais e princípios legais.
Nesse diapasão, configura-se um juízo dotado de discricionariedade a ser exercida na
estrita observância dos ditames legais, sob pena de nulidade de determinado ato.
Diferentemente do disposto do artigo 8º do antigo Código de Menores que autorizava
portarias de caráter geral, sem qualquer previsão na legislação.
No que tange à lição do tão mencionado artigo 149 do Estatuto, este reza:
Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de
portaria, ou autorizar, mediante alvará:
I - a entrada e permanência de criança ou adolescente,
desacompanhado dos pais ou responsável, em: a) estádio, ginásio e
campo desportivo; b) bailes ou promoções dançantes; c) boate ou
congêneres; d) casa que explore comercialmente diversões eletrônicas;
e) estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e televisão.
II - a participação de criança e adolescente em: a) espetáculos públicos
e seus ensaios; b) certames de beleza.
Há doutrinadores que consideram a enumeração do artigo supracitado como
absolutamente taxativa, indicando que à margem dos casos restritivamente indicados, não
possui o Juiz da Infância e da Juventude competência para expedição de portarias e alvarás. E,
portanto, qualquer ato judicial que extrapole os referidos parâmetros/limites legais será nulo
Como exemplo, tem-se que as portarias judiciais disciplinadoras fundadas no referido
artigo 149, poderão atingir crianças ou adolescentes, apenas se estiverem desacompanhados
de seus pais ou responsável legal, e nos estritos locais postos no artigo (DIGIÁCOMO, 2011,
Entretanto, por tal discricionariedade peculiar ao magistrado da infância e juventude, o
rol do artigo 149 não é taxativo, sendo ainda autorizado pelo artigo 153 do Estatuto menorista
procedimentos verificatórios de situações não previstas, bem como providencias
diversificadas para atender circunstancias peculiares, sempre fundadas em leis, mediante a
oitiva do Ministério Público (BRANDÃO NETTO, 2009, online).
Sendo este entendimento ratificado pelo recente Acórdão do Egrégio Tribunal do
Estado de São Paulo, na Apelação n° 990.10.094596-3, da Comarca de Fernandópolis, tendo
como partes a Promotoria e o Juízo local, segundo dito:
APELAÇÃO CÍVEL - Portaria do Juízo da Infância e Juventude -
Regulamentação do ingresso e permanência de menores de dezoito
anos, desacompanhados de seus responsáveis legais, em
estabelecimentos comerciais: bares, restaurantes, lanchonetes e
similares, após as vinte e três horas, que comercializem bebidas
alcoólicas - Observância ao artigo 149 do ECA - Rol não taxativo -
Cabimento da interpretação analógica, para equiparação dos
estabelecimentos a boates, quando associados ao horário noturno e
comércio de bebidas alcoólicas - Portaria editada com ampla
fundamentação e respaldo em inquérito administrativo -
Procedimento efetivado com base no artigo 153 do ECA - Oitiva
prévia de todos os seguimentos da sociedade, inclusive do Ministério
Público - Desnecessidade de sua participação em todos os atos
investigativos do Juízo - Inocorrência de restrição aos direitos de
terceiros ou à liberdade de locomoção dos jovens - Direitos a serem
exercidos em harmonia com os demais direitos fundamentais da
criança e do adolescente (...) ( Relatora Desembargadora Maria Olívia
Alves, órgão julgador Câmara Especial. Julgado em 13/12/2010.
Publicado em 30/12/2010) (destaque nosso).
Conforme visto, a elaboração das referidas portarias disciplinares decorre de atuação
de jurisdição voluntária, fundada em legislação específica. Tais decisões não se tratam de
meros atos administrativos, embora a portaria seja instituto com inerência administrativa, as
normas são baixadas por magistrados competentes, havendo neste caso uma equiparação entre
a esfera administrativa e jurisdicional.
Note-se que há configuração da jurisdição voluntária, quando a intervenção estatal na
administração de interesses privados é realizada diretamente pelos próprios magistrados,
Nesse exercício, o juiz “pratica atos subjetivamente judiciais, mas substancialmente
administrativos”. Sendo atos de direito público com vistas a normatizar situações jurídicas
(CARNEIRO, 2004, p. 41-42).
Assim, a jurisdição voluntária é entendida como atividade administrativa, realizada
por meio de procedimento, com a devida citação do Ministério Público e eventuais
interessados, resultando em ato judicial. Lembrando que o juiz pode valer-se de critérios de
discricionariedade, e este ato não produz coisa julgada material, podendo ser modificado em
face de circunstâncias supervenientes, conforme os Artigos 1.111 e 1.109 do Código de
Os procedimentos de jurisdição voluntária na seara do direito da infância e juventude
podem ser classificados como situações de intervenção do Judiciário na integração da
capacidade jurídica ou no status jurídico das pessoas, a exemplo de colocação do menor em
família substituta, mediante guarda, tutela ou adoção, com previsão na Lei nº 8069/90, em
seus artigos 28 a 52 (CARNEIRO, 2004, p. 44- 45). Desta forma, tem-se que até a
competência prevista no artigo 148 do Estatuto da Criança e do Adolescente pode ser exercida
mediante jurisdição voluntária.
No que tange à limitação da discricionariedade do referido Juízo, proclama o § 1º do
artigo 149 que fatores deverão ser observados quando da expedição de portarias ou
autorização de alvará, quais sejam:
a) os princípios desta Lei; b) as peculiaridades locais; c) a existência
de instalações adequadas; d) o tipo de freqüência habitual ao local; e)
a adequação do ambiente a eventual participação ou freqüência de
crianças e adolescentes; f) a natureza do espetáculo.
Sobre o Princípio da Fundamentação da Decisão, o disposto no artigo 93, inciso IX, da
Constituição Federal, aliado ao parágrafo 2º do artigo 149, do Estatuto menorista, aduz que as
decisões judiciais, diga-se as medidas de proteção adotadas, portarias ou alvarás, devem ser
fundamentadas pelo juiz que as expedir. Todavia, lembra o doutrinador Valter Kenji Ishida
que a vedação a disposições gerais se refere somente aos alvarás, pois é inviável a análise
particular em relação às portarias, pelo seu caráter preventivo (BRANDÃO NETTO, 2009,
Por esta ótica, há o dever de obediência aos limites postos no § 1º do artigo
infraconstitucional tanto para alvará como portarias, mas no que tange a estas é permitida
fundamentação genérica. Por exemplo, no caso de magistrado editar portaria com referência a
horário noturno e venda de bebidas alcoólicas, há limitação do ato judicial, não podendo ser
considerada geral, nos termos ressalvados pelo artigo 149, § 2º. Sendo legal inclusive, a
referida Portaria indicar o exame de casos específicos, por meio de pedidos de alvarás, estes
sim com fundamentação “caso a caso”.
Vale mencionar que contra quaisquer irregularidades de uma decisão dessa natureza,
caberá recurso de apelação, conforme reza o artigo 199 do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Observa-se que a legislação posiciona a portaria na esfera judicial, uma vez que
é baixada por magistrado. Em outras palavras, ensina Guaraci de Campos Viana:
A competência administrativa exercida através de portarias e alvarás
de caráter específico (vedadas deliberações genéricas) está definida no
art. 149 da Lei nº 8.069/90, sendo relevante esclarecer que a Lei
equiparou a esfera administrativa à esfera jurisdicional, no que
concerne aos efeitos jurídicos, como se vê, por exemplo, no art. 199
da Lei nº 8.069/90, admitindo o reexame do recurso através da
apelação (...) (In ISHIDA, 2010, p. 316).
Desta forma, a expedição de portarias e alvarás é de competência disciplinar do Juízo
da Infância e Juventude, devendo seguir procedimento especial visando tal finalidade, com
do
Ministério
Público.
estabelecimento ou área de abrangência da medida. Tudo na defesa do Melhor Interesse do
1.6 – AS MEDIDAS DE PROTEÇÃO NO ECA E A LEI Nº 12.010/09
O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu Título II, dispõe sobre as Medidas de
Proteção aplicáveis aos infantes, em atendimento ao Princípio constitucional de Proteção
Integral. No que tange ao Capítulo I, que trata das disposições gerais sobre o tema, o artigo 98
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são
aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem
ameaçados ou violados: I- por ação ou omissão da sociedade ou do
Estado; II- por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III-
em razão de sua conduta.
Pela hermenêutica do artigo supracitado, é aduzida a possibilidade de intervenção
estatal com vistas a sanar a omissão dos pais ou responsáveis com relação aos jovens, em
virtude do dever de guarda que ambos possuem. Assim, a legislação infraconstitucional
normatiza o dever de atuação do Estado para aplicar as referias medidas “sempre que” houver
ameaça ou violação dos referidos direitos, até mesmo quando gerado por ausência de cuidado
Em relação ao Capítulo II, que trata das Medidas Específicas de Proteção é importante
destacar algumas alterações normatizadas pela Lei nº 12010, publicada em 03 de agosto de
2009, que servem de embasamento para a aplicação do Toque de Acolher. A referida Lei,
conhecida como Nova Lei de Adoção, abrange a temática do direito à convivência familiar
aos infantes, aperfeiçoando a sistemática prevista na Lei nº 8069/90.
Nesse diapasão, o artigo 100 do Estatuto da Criança e do Adolescente teve acrescido
seu parágrafo único, princípios que regem a aplicação das medidas protetivas, em especial nos
incisos I ao III, os quais tratam, respectivamente: do infante como sujeito de direitos, da sua
proteção integral e prioritária, e da responsabilidade primária e solidária do poder público
para efetivação dos direitos assegurados.
Coadunando, assim, com as normas previstas constitucionalmente, as alterações
seguem o objetivo de configurar as medidas de proteção como um ensinamento ao menor,
visando o fortalecimento dos vínculos familiares.
Ainda na observância da Nova Lei de Adoção, é dito:
Art. 19.
§ 1º Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de
acolhimento familiar ou institucional (...).
§ 3º A manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família
terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será
esta incluída em programas de orientação e auxílio, nos termos do parágrafo
único do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art. 101 e dos incisos I a IV
do caput do art. 129 desta Lei. (NR).
Os mandamentos jurídicos elucidados normatizam o Princípio do Acolhimento, por
direcionar prioritariamente, como medida de proteção, o convívio familiar, o que para parte
da doutrina positiva o Toque de Acolher (BRANDÃO NETTO, 2009, online).
Desta forma, tem-se na legislação expressa preferência de encaminhamento para a
criança ou adolescente aos seus pais ou responsáveis, como medida de defesa de sua
integridade física e psicossocial. Coadunando com o que reza o Artigo 101, inciso I, do
referido Estatuto, bem como na lição de seu Artigo 92, a saber:
Art. 92. As entidades que desenvolvam programas de acolhimento
familiar ou institucional deverão adotar os seguintes princípios: (NR)
Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009.
I - preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração
familiar; (NR) Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009.
II - integração em família substituta, quando esgotados os recursos de
manutenção na família natural ou extensa; (NR) Redação dada pela
Lei nº 12.010, de 2009.
Na alusão às medidas de proteção, vale acrescentar que para a efetividade da tutela
processual dos direitos fundamentais dos infanto-juvenis, o Estatuto ainda admite, em seu
artigo 212, a aplicação de “todas as ações pertinentes”. No sentido de possibilitar ao
Judiciário, por exemplo, a aplicação de medidas que atendam às finalidades materiais do caso
concreto, desde que com respaldo na harmonização do direito. Em outras palavras:
(...) Para Ada Pelegrini Grinover isto significa que o dispositivo ora
em exame significa, em última analise, que o sistema processual a de
ser interpretado de modo a autorizar a conclusão de que nele existe
sempre uma ação capaz de propiciar, por um provimento adequado, a
tutela efetiva e concreta de todos os direitos materiais (BRANDÃO
NETTO. 2009, online).
Nesse diapasão, se o infante encontra-se sozinho em logradouros públicos no período
noturno, sujeito aos perigos próprios do horário, seja por sua conduta de não atender
orientações familiares, seja pela omissão estatal em não proporcionar a defesa devida, ou
ainda pela ausência de cuidados de seus pais, não poderá o Juízo da Infância e Juventude
olvidar na busca por medidas de proteção. Sobretudo, para encaminhar a criança ou
adolescente à convivência familiar mediante termo de entrega, sem que desta maneira burle
2 – TOQUE DE ACOLHER COMO PRÁTICA DE ATIVISMO JUDICIAL
Na observância do artigo 2º da Constituição Federal, o qual consagrou o Princípio da
Separação de Poderes, alguns doutrinadores consideram o Toque de Acolher como ofensa à
legislação pátria. Nessa perspectiva, o poder disciplinar dos magistrados, na aplicação dessa
medida, perpassa a competência do Poder Judiciário, pois normas gerais e impessoais seriam
de atribuição do Legislativo.
Por essa visão, o artigo 149 da Lei nº 8.096/90 regula a matéria apresentado uma
enumeração absolutamente taxativa, limitando as hipóteses em que a autoridade judiciária é
competente para expedir portarias. Desta maneira, apenas as situações previstas nos seus
incisos I e II são passíveis de tal regulamentação (DIGIÁCOMO, 2011, online).
Assim sendo, vislumbram que o Toque de Acolher é portaria arbitrária, pois a matéria
disciplinada estabelece regras de caráter geral, burlando o disposto da legislação atinente. O
juiz da infância e juventude estaria extrapolando os parâmetros legais de sua atuação, devendo
seu ato ser considerado nulo de pleno direito.
Em outros termos, segue doutrina de Wilson Donizeti Liberati:
(...) a portaria expedida pelo Juiz da Infância e Juventude não poderá
regulamentar medidas de caráter geral não previstas em lei, como
previa o art.8º do Código de Menores revogado. Elas deverão ser
claras e precisas, com determinação singular dos casos que pretendem
regular, não autorizando o juiz a suprir eventuais lacunas existentes na
lei. Tem-se, pois, que a relação apresentada pelo art.149 é exaustiva,
não sendo possível a interpretação ampliativa de outros casos (1995,
p. 127).
No mesmo diapasão, o Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do
Adolescente do Estado do Paraná aduz que o art. 149, § 2º do ECA, combinado ao art. 93,
inciso IX da Constituição Cidadã, veda as determinações de caráter geral, determinando a
obrigatoriedade da fundamentação da medida caso a caso. Entendendo que não cabe ao
Acolher disciplinar a conduta dos menores em locais indeterminados, pois na adoção da
medida o magistrado estaria indo além da competência estabelecida na legislação
(DIGIÁCOMO, 2011, online).
Por esse entendimento, de que seria o Toque de Acolher uma prática ativista dos
magistrados, é que se faz pertinente abordar o tema Ativismo Judicial no Brasil. Para tanto
será vislumbrado o conceito doutrinário de ativismo judicial, sua aplicação na seara brasileira
e as controvérsias doutrinárias sobre o tema, especialmente no que tange às portarias judiciais
que delimitam horários a crianças e adolescentes.
2.1 - CONCEITO DE ATIVISMO JUDICIAL
A origem do vocábulo ativismo remota o início do século XX, meados de 1916, na
imprensa belga. Todavia, sua consagração se perfez nos Estados Unidos da América,
mediante a postura então adotada pela Suprema Corte, no julgamento de determinado casos
de maior abrangência. Passando a doutrina a conceituar o ativismo judicial como uma postura
a ser adotada pelos exercentes da função jurisdicional que recusa a chamada “moderação
judicial” (CARVALHO, 2009, online). No sentido de que o ativismo judicial expressa uma
postura do intérprete que vai além do legislador ordinário, por atuar de modo expansivo ao
interpretar a Constituição, potencializando o alcance de suas normas.
Para a caracterização do Ativismo Judicial, é necessária a observância do modo de
atuação dos sistemas jurisdicionais, quais sejam “civil Law” e “common Law”, pois o
exercício da função jurisdicional seguirá o papel institucional atribuído em cada sistema ao
Poder Judiciário. Havendo, pois, uma diferenciação quando da avaliação do Ativismo judicial
Elival da Silva Ramos (2010, p. 105) ensina que nos sistemas de “civil Law”, a
jurisprudência segue normas jurídicas previamente estabelecidas pelo legislador, e a este cabe
precisamente estabelecer tais normas. Ao passo que nos sistemas de “common Law”, como é
o caso do direito da Inglaterra e dos Estados Unidos, uma decisão judicial desempenha dupla
função a de definir a controvérsia, e uma função axiológica por ter valor de precedente.
Nessa perspectiva, tem-se que nos sistema anglo-saxônico é adotada uma conceituação
ampla de ativismo judicial, pela qual o desvio de função por parte do órgão jurisdicional, não
possui um sentido negativo enquanto prática de jurisdição. Para os Estados em que adotam
esse sistema, o ativismo é elogiável, na medida em que possibilita uma adaptação do direito
diante novas temáticas axiológicas e pautas sociais.
Ao passo que nos Estados Democráticos é onde geralmente a identificação do
fenômeno ativismo judicial como depreciador da atividade legislativa é mais acentuada, por
conta dos limites impostos à criatividade da jurisprudência, mediante a independência dos
Poderes. Pois, a atividade jurisdicional visa resultados práticos de aplicação do direito
material previamente posto, mediante a pacificação de conflitos interindividuais, através do
Abrangendo os grandes sistemas jurídicos, embora com maior proximidade da família
romano-germânica, em que os sistemas constitucionais têm como um de seus fundamentos a
organização estatal amparada no Princípio da Separação de Poderes, Elival da Silva Ramos
conceitua amplamente o ativismo judicial, como sendo:
o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos
pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder
Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas
(conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva
(conflitos normativos) (2010, p. 129).
Nesse entendimento, o ativismo judicial consubstancia-se em uma atuação de audácia
interpretativa dos juízes, mediante os princípios constitucionais abstratos, a competência
institucional do Judiciário é ampliada, pela qual os conceitos em abstrato ganham significado
preciso, e atos de outros poderes são apreciados quando tratam de tais princípios, como
igualdade, liberdade e a dignidade da pessoa humana. Em outras palavras:
O ativismo judicial é a aplicação de métodos tendentes a prever e
solucionar problemas jurídicos. O juiz pode impor práticas e condutas,
independentemente de provocação expressa por parte dos indivíduos,
entidades ou corporações, na perspectiva de que a sua atuação direta e
discricionária provoca a realização concreta da sentença judicial e
determina modificações na sociedade e nas relações políticas.
Ativismo judicial designa a atividade positiva do juiz para criar,
modificar ou extinguir determinada situação de fato, visando impedir
lesão a direitos fundamentais individuais ou coletivos.
O magistrado deve estar comprometido com a presteza e eficácia das
medidas jurisdicionais, zelando para que o processo seja instrumento
de realização do direito (LOPES, 2011, online).
Grande parte dos Estados democráticos ocidentais organizaram-se nesse modelo de
Separação de Poderes, pelo qual as funções estatais de legislar, julgar e administrar são
atribuídas a órgãos distintos, com sua especialidade e independência. Assim, cada Poder
exerce um controle recíproco sobre atividades de outro, de modo a impedir o surgimento de
instâncias hegemônicas que possam burlar a democracia e os direitos fundamentais
Nesse sentido, seguindo a base de organização de governos na democracia ocidental,
foi que o legislador originário de 1988, no artigo 2º da Constituição Federal do Brasil, adotou
o Princípio da Separação do Poderes, mediante uma divisão funcional do poder, a qual
prenuncia a adoção de um regime em que se atribui funções típicas e atípicas a cada poder,
visando à manutenção de sua independência harmônica.
Leciona Luiz Roberto Barroso que até o advento da Norma Ápice de 1988, a atuação
do Judiciário brasileiro era visando reduzir a interferência na atuação de outros poderes, tendo
uma conduta oposta ao ativismo, a chamada “auto-contenção judicial”. Pela qual:
juízes e tribunais (i) evitam aplicar diretamente a Constituição a
situações que não estejam no seu âmbito de incidência expressa,
aguardando o pronunciamento do legislador ordinário; (ii) utilizam
critérios rígidos e conservadores para a declaração de
inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (iii) abstêm-se de
interferir na definição das políticas públicas (2008, online).
A doutrina pátria entende que posição do judiciário ativismo x auto-contenção,
depende do prestígio nacional que cada poder possua, para então ser delineada a posição do
judiciário. Atualmente, no Brasil, pode-se observar que em face da volúpia popularidade do
Executivo, o Judiciário tem atuado sem maiores interferências. Ao passo que, e se tratando de
um Legislativo configurado em crise de representatividade e de funcionalidade, tem o
Judiciário expandido sua atuação, interferindo em nome da Constituição, para suprir omissões
e/ou até mesmo inovar na ordem jurídica, com decisões de caráter normativo geral.
2.2 - O ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL: A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO
A prática ativista envolve uma transferência de poder aos órgãos do Judiciário, para
decisões que envolvam temas de grande repercussão política ou social. O fenômeno envolve
múltiplas causas, de âmbito externo ou interno, no caso brasileiro pode-se apontar a
redemocratização do país, com o advento da Carta Magna de 1988, e a constitucionalização
abrangente (BARROSO, 2008, online).
Com a amplitude democrática do final da década de 80, houve um maior nível de
informação e consciência de direitos a vários segmentos da população, o que resultou na
busca pela proteção de tais interesses, aumentando e diversificando a demanda na seara da
justiça brasileira. Aliado ao fato de que a magistratura recupera suas garantias, configurando
um Poder Judiciário dotado de vislumbre político, defensor da Constituição e das leis, até
mesmo diante dos Poderes Legislativo e Executivo.
No que diz respeito à constitucionalização abrangente, refere-se ao fato de que
inúmeras matérias foram acrescidas ao texto constitucional, temas antes abordados na seara
do Executivo e do Legislativo, que passaram a ser disciplinados como norma constitucional.
Houve uma transformação de questões políticas em Direito, potencializando pretensões
jurídicas, que podem ser demandadas em ações judiciais.
Alerta Luis Flávio Gomes que a judicialização do Direito pode ser exercida de modo
equivocado e autoritário, pois são os juízes que elucidam a interpretação final da Constituição
e das leis. O referido autor lembra que interpretar a lei é atividade distinta da criação de regra
geral obrigatória, a partir da interpretação exclusiva da Constituição (2008, online).
Assim, observa-se que na seara brasileira, a judicialização decorre do modelo
constitucional que se adotou, e não meramente uma deliberação de vontade política. Prática
que difere do Ativismo Judicial em sentido estrito, por ser este um modo específico de
interpretar a Constituição que expande seu alcance e sentido.
doutrinador
Luiz
Roberto
exemplificativa, algumas condutas enquanto manifestações da postura ativista, sendo:
(i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente
contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do
legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos
normativos emanados do legislador, com base em critérios menos
rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a
imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público,
notadamente em matéria de políticas públicas” (2008, online).
Pelo exposto, cabe a ressalva de que o ativismo, em especial, a judicialização podem
representar alguns entraves democráticos e de funcionalidade, pois abordam questões que
envolvem a legitimidade de seus atores enquanto representantes democráticos, a justiça
debatida como tema político e a capacidade, ou sua falta, institucional do Judiciário para
elucidar determinadas matérias.
Para aqueles que não reconhecem a competência disciplinar dos juízes para editar
portarias que delimitem horários a crianças e adolescentes, há o entendimento de que a
aplicação da medida se perfaz em demonstrativo de judicialização do direito, por ser esta a
expressão de ativismo judicial no modelo de sistema constitucional adotado no Brasil.
Seguindo uma tendência de alargamento da interpretação constitucional, o Judiciário
brasileiro vem abrindo espaço para o ativismo judicial, mediante interpretações extensivas, e
A doutrina pátria apresenta alguns fatores de impulsão para o ativismo no Judiciário
brasileiro, sendo: o modelo de Estado intervencionista adotado, a expansão do controle
abstrato de normas, a fragilidade teórica do neoconstitucionalismo, questões institucionais do
próprio constitucionalismo brasileiro, pela dificuldade de concretizar adequadamente a
Constituição, e ainda a atividade normativa atípica do STF, como a Súmula Vinculante
O próprio Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, então Presidente da
Corte em meados de 2008, ao debater sobre o tema ativismo judicial, reconheceu, naquela
ocasião, que a finalidade da prática não é usurpar a competência do Legislativo, mas
direcionar ao que a Constituição preconiza. Sendo, o ativismo judicial “não uma manifestação
de desapreço com o Congresso Nacional, mas uma tentativa de concretizar a Constituição”
(matéria publicada no site “Consultor Jurídico”, em data de 26-11-2008, sobre o ciclo de
debates: O Poder Legislativo no Mundo Contemporâneo).
E em se tratando de jurisprudência da Suprema Corte Brasileira, há várias decisões em
que se pode detectar o fenômeno do ativismo judicial. Cite-se a questão da fidelidade
partidária, que em nome do princípio democrático, o Supremo Tribunal declarou que a vaga
no Congresso pertence ao partido político, criando assim uma inovadora hipótese de perda de
mandato parlamentar, indo além da manifestação do legislador ordinário.
No que tange à imposição ou abstenção ao Poder Público, um exemplo de ativismo
seria o da intervenção do Judiciário na Administração Pública, notadamente em matéria de
políticas públicas, ao tratar da distribuição de medicamentos e determinação de terapias,
mediante decisões judiciais. Em todo o país, nas Justiças estadual e federal, são inúmeras as
decisões que condenam a União, o Estado e/ou o Município a custear medicamentos e terapias
que não se encontram na lista do Ministério da Saúde ou das Secretarias pertinentes, estaduais
Em que pese os esforços midiáticos para alarmar a notória atuação da Suprema Corte
na prática ativista, é nítido que as instâncias inferiores estejam buscando concretizar direitos
fundamentais, ainda que para tanto necessitem expandir os limites interpretativos das normas
constitucionais e legais. Assim, o que se observa é que juízes de 1ª instância também vêm
atuando de forma ativista, chegando a emanar normas que inovam os ditames jurídicos.
Como exemplo de práticas ativistas nas instâncias inferiores do Judiciário brasileiro,
parcela doutrinária considera a determinação do Toque de Acolher, portaria que determina
horários limites para a permanência de crianças e adolescentes na rua, mediante decisões de
juízes de primeira instância que instituíram em suas comarcas, a exemplo de Taperoão/PB,
Fernandópolis/SP e Santo Estevão/BA. Entendendo que as normas consideradas de caráter
geral, perpassam os limites da competência estabelecida em lei, ainda que a portaria seja
baixada na justificativa da proteção dos interesses infanto-juvenis, enquanto direitos
fundamentais de terceira geração (SILVA, 2009, AMAMSUL).
Assim, restam demonstradas algumas aplicações do Ativismo Judicial no Brasil,
entretanto, o tema ainda gera controvérsias doutrinárias, pois apesar de ser uma prática
comum, vista de forma benéfica por parte da comunidade jurídica, outra parcela de juristas
considera que não cabe ao Judiciário suprir inércias legislativa e administrativa, ainda que na
2.5 – CONTROVÉRSIAS DOUTRINÁRIAS
Ainda na visão dos juristas que não reconhecem a competência disciplinar do juiz da
infância e juventude para decretar as medidas protetivas, Toque de Acolher, entendendo como
caso de ativismo judicial. É notável as divergências doutrinárias sobre o tema.
Parte da comunidade jurídica defende a empregabilidade do ativismo judicial, desde
que de maneira adequada, por considerar importante que o Judiciário supra a inércia
legislativa do Congresso e administrativa do Executivo, visando um aprimoramento da
democracia. Ao passo que outro segmento doutrinário entende que não cabe aos juízes
emanar normas, ainda que almejem garantir direitos.
A civilista Maria Berenice Dias, desembargadora aposentada, é uma das defensoras do
ativismo. Pelo seu entendimento, ao juiz não cabe apenas aplicar a letra da Constituição, mas
avançar para uma Justiça que atenda as necessidades dos cidadãos. Considera que o julgador
deve buscar uma solução justa, suprindo a lacuna do legislativo, para atender as necessidades
sociais. Coaduna com tal entendimento, o doutrinador Edmundo Lima de Arruda Júnior,
diretor do Instituto de Direito Alternativo de Santa Catarina, o qual observa o ativismo como
um “modernizador jurídico” (MILÍCIO, 2009, online).
Os defensores do ativismo compreendem que os membros do judiciário, enquanto
guardiões da Constituição, devem suprir as omissões do legislativo, tendo esse poder de
legislar obediência aos princípios constitucionais. Vislumbram ainda que, desta forma,
imporiam ao legislativo uma ação de estabelecer normas sobre determinado assunto. Tudo na
defesa dos direitos e garantias fundamentais elencadas na Constituição Pátria.
De outro entendimento, seguindo o inciso II do Artigo 5º, da Constituição Federal
Brasileira, tem-se “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em
virtude de lei”. E partindo desse ditame pátrio, uma parcela da comunidade jurídica passa a
questionar o Ativismo Judicial, tão usualmente concretizado nos últimos anos.
Nessa perspectiva, a doutrina pátria de Luiz Roberto Barroso apresenta três objeções
opostas ao ativismo judicial, quais sejam: riscos para legitimidade democrática, a politização
indevida da justiça e os limites da capacidade institucional do Judiciário. Tal visão segue a
lógica da Separação de Poderes, no sentido de que os membros do Judiciário devem aplicar a
Constituição e as leis, seguindo os ditames do legislador ordinário, pois este que detém a
legitimidade democrática, por ser este o representante eleito pelo povo (2008, online).
Alguns constitucionalistas, como Elival da Silva Ramos que fez uma tese sobre
ativismo judicial, também se posicionam contra a prática. Entendendo que, no chamado
ativismo, o juiz ultrapassa os limites permitidos pelo texto normativo, analisando a prática
como uma disfunção do Poder Judiciário, pois apenas o Poder legislativo tem adequação para
criar normas dessa natureza. Para o autor, a interpretação da Constituição deve ser feita de
maneira criativa, solucionando o caso concreto, mas esta atuação difere do ativismo que inova
no direito, expandindo ou criando normas. Pois, quando o Judiciário sobrevaloriza os
princípios constitucionais, resulta em um burlamento de competência, depreciando o
Coaduna dessa visão, o professor Luis Flávio Gomes, explicando que o juiz não tem
legitimidade para inventar regras, ainda que seja o ativismo praticado pelas instâncias
inferiores, em aparo aos desfavorecidos. O jurista entende ainda que o Ativismo Judicial
como a ocorrência da criação de uma nova norma pelo juiz, usurpa a tarefa do legislador, ou
seja, quando o juiz inventa uma norma não contemplada nem na lei, nem dos tratados, nem na
Constituição. O que pela sua visão poderia gerar uma “aristocratização do Direito”, por serem
os parlamentares os legítimos e diretos representantes do povo (2008, online).
Entretanto, em se tratando da especificidade do Toque de Acolher, o referido penalista
não faz referência a ser uma prática ativista, declarou apenas que a medida é compatível “com
o sistema de medidas protetivas que integram a política de atendimento dos direitos da criança
e do adolescente, previstas pelo ECA”, no sentido de que podem diminuir, em sua concretude,
os índices de envolvimento de menores na prática de infrações penais no país (GOMES, 2010,
Pelo exposto, foram apresentados os principais nortes teóricos para elucidação do tema
proposto, ao seguir a orientação interpretativa daqueles que entendem o Toque de Acolher
como um exemplo de ativismo judicial, por impor normas que abarcam direitos
Todavia, independentemente da hermenêutica a ser seguida, renomados juristas, como
Dalmo Dallari, Rogério Greco, Rogério Sanches e Fred Didier, externaram apoio às portarias,
no entendimento de que sua aplicação coaduna com o que rezam os artigos 70, 153, 212 do
Estatuto da Criança e do Adolescente. Ratificando, assim, os Princípios constitucionais da
Proteção Integral e do Melhor Interesse dos Infantes (BRANDÃO NETTO, 2010, online).
3 – OS PARÂMETROS PRÁTICOS DO TOQUE DE ACOLHER
Seguindo a doutrina pátria que considera o Toque de Acolher como uma medida de
proteção, resultado de aplicação constitucional e da legislação, em atendimento a defesa de
crianças e adolescentes, será elucidada a conceituação atinente a referida portaria judicial,
bem como o sentido de sua denominação.
Na sequência, para um melhor demonstrativo de sua aplicação no Brasil, é pertinente
entender a visão mundial sobre a limitação de horários para os infantes. E então, elucidar a
natureza jurídica da medida, bem como da legitimidade do juízo para baixar a referida
Para melhor visibilidade do tema, será avaliado o caso da Comarca de Santo Estevão,
enquanto medida pioneira no Estado da Bahia, objetivando avaliar a implantação do Toque de
Acolher, aliada a sua aplicabilidade frente a comunidade local.
3.1 – CONCEITO E NOMENCLATURA
Comumente no Brasil, tendo por base o Estatuto da Criança e do Adolescente, são
expedidas portarias por Juízes da Infância e Juventude visando regulamentar situações
envolvendo crianças e adolescentes. Quando uma portaria dessa natureza é fomentada na
limitação de horários a infantes, consubstanciando-se em medida preventiva, denomina-se
A doutrina de Ana Carolina Farah conceitua a medida da seguinte maneira:
(...)Trata-se, na verdade, de medida disciplinada em portarias baixadas por
alguns Juízos da Infância e Juventude, estabelecendo horários limites para a
permanência de crianças e adolescentes sozinhos nas ruas (SILVA, In
D‟ANGELO, 2010, p. 403).
Em outros termos, são medidas disciplinares expedidas sob a forma de portarias
judiciais, na finalidade de atender ao Melhor Interesse de Criança e de sua Proteção Integral,
nortes principiológicos indicados pela Constituição Federal, bem como postos na legislação
Tais portarias visam regulamentar, em sua generalidade, o acesso de crianças e
adolescentes em logradouros públicos, espaços comunitários, bailes, festas, promoções
dançantes, shows, boates, congêneres, bares, restaurantes. Para tanto, devem seguir regular
procedimento especial, por vias de jurisdição voluntária, conforme indica o artigo 153 do
No que tange a nomenclatura da medida, observa-se uma variação conforme o
vislumbre sobre a constitucionalidade e legalidade da matéria. Os esforços midiáticos pugnam
pela denominação “Toque de Recolher”, como forma de demonstrar uma reação contrária a
portaria, uma vez que essa expressão possui conotação ideológica, por ser comum em regimes
autoritários e ditatoriais e de uso excepcional em nos Estados Democráticos de Direito.
A origem do nome “Toque de Recolher” remonta basicamente uma prática européia
durante guerras, pela qual, após determinada hora, geralmente a noite, soava uma sirene para
que a população de certa localidade não permanecesse em logradouros públicos, sinalizando a
necessidade de recolhimento dos cidadãos, mediante a ocorrência de bombardeios (ISHIDA,
Desta forma, parte da comunidade civil e jurídica que se contrapõe a medida, resta por
associá-la ao nome “recolher”, como um indicativo de repressão política, de violação aos
princípios da liberdade e da dignidade da pessoa humana. Comparando as portarias judiciais
em questão, com aquelas expedidas de forma aleatória e genérica no período de vigência do
revogado Código de Menores (DIGIÁCOMO, 2011, online).
Vale lembrar que, na época do antigo Código, práticas arbitrárias sem qualquer
cominação legal ou fundamentação constitucional, sem manifestação do Ministério Público,
eram usualmente publicadas. E atualmente, se portarias assim forem expedidas padecerão de
vício insanável, qual seja o da nulidade absoluta.
Nessa seara, é pertinente a distinção do termo “recolher”, conotando nessa seara uma
privação de liberdade, e a designação “acolher”, adotada pioneiramente na Comarca de Santo
Estevão/BA, em 2009, pela qual se vislumbra a portaria judicial como medida adequada ao
Princípio da Proteção Integral, visando o atendimento especial ao menor.
Outro termo que indicaria a real finalidade da medida é o “proteger”. Visando também
contrapor a denominação pejorativa da medida, a juíza Jaqueline Machado chamou a portaria
baixada na Comarca de Nova Andradina, no Estado de Mato Grosso do Sul, de “Toque de
Proteger”, em alusão ao norte consagrado no artigo 1º do Estatuto menorista, bem como no
artigo 227 da Norma Ápice Pátria.
Por essa ótica de enaltecimento ao melhor interesse da criança, entendendo a medida
judicial como benéfica aos menores, escreveu a magistrada Ana Carolina Farah Borges:
Certamente por isso o colega da Comarca de Santo Estevão/BA, Dr.
José Brandão Netto, chamou a medida, em sua portaria de “Toque de
Acolher”, e em Nova Andradina/MS a Dra. Jaqueline Machado a
chamou de “Toque de Proteger”, em contraponto à denominação de
certa forma pejorativa popularizada pela mídia, que leva a
comparações com medidas autoritárias adotadas por regimes
ditatoriais (SILVA, In D‟ANGELO, 2010, p. 408).
Ademais, a nomenclatura da medida para seus defensores resta posta, no geral, como
“Toque de Acolher”, seguindo o entendimento do artigo 70 de ECA que trata da
obrigatoriedade de todos na prevenção de ameaça ou violação dos direitos infanto-juvenis,
pugnando pelo acolhimento e proteção dos infantes.
3.2 - NO DIREITO COMPARADO E A ATUAL APLICABILIDADE NO BRASIL
Nos termos do ordenamento jurídico brasileiro, o infante se dispõe aos cuidados de
seus pais ou responsáveis, bem como da sociedade e da autoridade judiciária. Por
conseguinte, em virtude dessa proteção integral, a liberdade destes assistidos necessita de
orientações, não sendo plena como de um adulto. No geral, observa-se que esse entendimento
jurídico é o adotado em vários países democráticos, como Dinamarca e Reino Unido, onde
medidas semelhantes ao Toque de Acolher foram implementadas, por leis ou por atos
administrativos, obtendo bons resultados (SILVA, In D‟ANGELO, 2010, p. 409).
Por exemplo, na Dinamarca, nas cidades de Silkeborg e Slagelse, a polícia possui
autorização para deter crianças e jovens que estiverem em logradouros públicos entre meia
noite e 5 horas da manhã, com posterior comunicação aos pais ou responsáveis, no fito de que
No Reino Unido, o artigo 30, alínea 6, da Lei de Comportamento Anti-Social de 2003,
impõe restrições a circulações de menores de 16 anos desacompanhados de seus pais ou
responsáveis, de 21 horas as 6 horas. Esta previsão inglesa atribui à polícia certa
discricionariedade para avaliar no caso concreto a situação do menor, e no caso de observar
algum prejuízo ao infante, poderá não encaminhá-lo à sua residência. O governo local
considera a medida legal por preservar a integridade física, social e moral dos infantes
Outro notável exemplo é o da Alemanha, a lei de proteção da juventude desse país é
uma das mais rigorosas da Europa. A imposição de horários aos jovens é tão severa que
ocasionou o fechamento de um dos clubes mais famosos da cidade de Munique, o Maxsuite
perdeu a licença de funcionamento por ter permitido a entrada de adolescentes menores de 16
anos (O GLOBO, 2009, online).
A Islândia também adotou medida similar por meio de uma lei de proteção a criança nº
80/2002, que no geral delimita horários para circulação dos jovens, salvo se na companhia de
seus pais ou responsáveis, ou no caso de estarem a caminho de casa vindo de evento realizado
pela escola, esportivo ou clube juvenil.
A legislação norte americana sobre o tema, por sua vez, é de competência estadual.
Nos Estados Unidos, as medidas protetivas aos infantes são denominadas de “curfew”, e
muitos estados como Georgia, Minnesota, Ohio e Texas incentivam suas cidades na
expedição de restrições para circulação de crianças e adolescentes. Nos anos 80, mediante
altos índices de criminalidade envolvendo menores, houve até limitação de circulação no
horário escolar para os menores. Os Tribunais do país entendem que a medida do “curfew”
possui validade jurídica, dotada de constitucionalidade mesmo que haja restrição a direito
fundamental, mediante o vislumbre de que atende a três objetivos:
(1) proteger as crianças e adolescentes de tornarem-se vítimas ou
praticantes de delitos; (2) assistência aos pais no exercício de suas
responsabilidades sobre os menores; e (3) prevenir todas as pessoas de
perigos que possam vir a ser causados ou sofridos por menores
desacompanhados que estejam tarde da noite ou de manhã bem cedo
nas ruas (ARAGÃO, 2011, online).
Na seara asiática, a Rússia foi o país a adotar, em 2009, uma medida similar ao
Acolher. Por incentivo do então presidente Dmitri Medvedev, o parlamento russo aprovou
uma lei que impõe, no período das 22 horas às 6 horas, proibição de circulação de jovens
desacompanhados de maiores de idade. As restrições, todavia, seguem a realidade de cada
cidade, a implementação da lei deve seguir a necessidade pública apresenta em face das
mazelas locais (O GLOBO, 2009, online).
Pelos exemplos demonstrados, observa-se como finalidade precípua das medidas, o
afastamento do menor a prática de atos infracionais e de suas consequências. É claro que o
demonstrativo se perfaz apenas em uma tendência com fins a empregabilidade da proteção do
infante, como uma elucidação à razoabilidade implementada nos seus direitos e garantias.
No âmbito brasileiro, a constitucionalidade e legalidade das portarias judiciais devem
obviamente ter por norte o ordenamento pátrio. Por exemplo, se na Dinamarca a polícia é
autorizada a deter um jovem por circular em horário indevido, nas medidas preventivas
pátrias não há que se falar em apreensão, em virtude do artigo 230 da Lei nº 8069/90 que só
permite privação de liberdade de criança ou adolescente em flagrante conflito com a lei ou
mediante ordem legal expressa e fundamentada.
Nessa perspectiva, deve-se falar apenas em encaminhamento das crianças ou
adolescentes, quando desacompanhados e encontrados em situação de risco, para o convívio
familiar. Lembrando do dever que os pais possuem do cumprimento às determinações
judiciais, conforme reza o artigo 22 de Estatuto da Criança e do Adolescente. Reconhecendo,
desta forma, a autoridade do juízo competente sobre seus filhos.
Pela atuação do Judiciário brasileiro, após a vigência da Lei Federal nº 8.069 de 13 de
julho de 1990, diversas portarias preventivas foram baixadas para disciplinar o horário de
circulação de crianças e adolescente em vias públicas. Pioneiramente, foram expedidas as
Portarias nº 01 e nº 02, publicadas em 1996, pelo Juízo da Infância e Juventude da Comarca
de Imperatriz, Estado do Maranhão. Seguida pela Portaria nº 01/1999 (em anexo), oriunda de
Porto Velho, Estado de Rondônia.
Entretanto, somente em 2005 uma portaria judicial brasileira teve dimensão midiática,
então chamada Toque de Recolher, sendo baixada pelo Doutor Evandro Pelarin, juiz de
direito da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fernandópolis, Estado de São Paulo.
Tal medida produziu efeitos largamente satisfatórios de curto e longo prazos, conforme
estatísticas locais (SILVA, In D‟ANGELO, 2010, p. 405).
Esta medida sofreu impugnação de um particular perante o Conselho Nacional de
Justiça, no Procedimento de Controle Administrativo nº 200910000037367, mas por
unanimidade dos ministros foi mantida a referida decisão judicial de primeira instância. Pelo
voto do Conselheiro Ministro Ives Gandra Martins Filho, segue ementa do julgado:
A natureza jurisdicional da portaria expedida por juiz da Vara da
Infância e da Adolescência regulamentando o direito de ir e vir do
menor (ECA, art. 149) foi reconhecida pelo STJ (cfr. RMS 8563-MA,
Rel. Min. Carlos Alberto Direito, DJ de 06/11/00). No mencionado
precedente, o ilustre e saudoso relator reconhece, obter dictum, a não
abusividade do „toque de recolher‟, que prevê, em cidades pequenas, a
não permanência nas ruas, após as 23 horas, de menores
desacompanhados ou sem autorização escrita dos pais ou responsáveis
(Decisão CNJ – Publicada no Diário da Justiça nº 203/2009, em
27/11/09, p. 2-4).
Em 2009, outros Juízos da Infância e Juventude em diversas Comarcas brasileiras
também expediram portarias semelhantes, como Ilha Soteira/SP, Santo Estevão/BA, Nova
Andradina/MS e Cambará/PR (SILVA, In D‟ANGELO, 2010, p. 405).
3.3 NATUREZA JURÍDICA
Na observância dos aspectos constitucionais e legais, o “Toque de Acolher” cuida-se
de decisão resultante de processo judicial, público, transparente, com participação obrigatória
do Ministério Público e da OAB. Tendo, pois, natureza jurisdicional voluntária que respeita
os princípios do Devido Processo Legal e do Contraditório, conforme artigo 5º, incisos LIV e
LV, da Constituição Federal (BRANDÃO NETTO, 2010, online).
Trata-se de portaria judicial oriunda de jurisdição voluntária, pela qual a tutela
jurisdicional é atendida mediante manifestação do juízo. Há uma decisão com base no
Princípio da Ponderação de Interesses, entre os direitos fundamentais dos infantes e as
medidas de proteção dessas garantias constitucionais.
Salutar é entender que a chamada jurisdição voluntária segue o princípio do
inquisitivo, pelo qual cabe ao juiz investigar as questões fáticas e as normas jurídicas atinentes
a matéria, ainda que não suscitadas pelos interessados. Cabendo, por conseguinte, a oitiva de
pessoas que podem elucidar situações, bem como daquelas que podem ser afetadas pela
Ensina a doutrina pátria que o Estatuto da Criança e do Adolescente cabe ser
vislumbrado e interpretado de forma integrada com outros dispositivos legais. Desta maneira,
tem-se que o Código de Processo Civil é aplicável subsidiariamente ao referido Estatuto
As normas gerais previstas na legislação processual pátria estabelecem o regramento
da jurisdição voluntária, quando não houver indicativo de procedimento especial, conforme
lê-se no artigo 1.103 do referido Código, tal mandamento ratifica o entendimento de que as
portarias Toque de Acolher devem seguir o processo de jurisdição voluntária.
Nessa perspectiva, a leitura do artigo 153 indica que o Estatuto conferiu ao magistrado
significativa liberdade de ação, na medida em que concede ao juiz poderes para investigar
fatos e determinar providências que julgue necessárias, sempre em atendimento ao que reza o
artigo 6º da norma estatutária, qual seja à proteção integral do infante. Leia-se:
Art. 153. Se a medida judicial a ser adotada não corresponder a
procedimento previsto nesta ou em outra lei, a autoridade judiciária
poderá investigar os fatos e ordenar de ofício as providências
necessárias, ouvido o Ministério Público
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica para o fim de
afastamento da criança ou do adolescente de sua família de origem e
em outros procedimentos necessariamente contenciosos.
Na área da infância e juventude, a jurisdição voluntária é exercida visando impedir a
formação de futuros litígios, sempre no intento da proteção especial que é devida aos infantes.
Não havendo, por conseguinte, a obrigatoriedade de ser seguido critérios de estrita legalidade
nos procedimentos, visto que pode o magistrado adotar em cada caso a solução que entender
mais oportuna, consoante rege a parte final do artigo 1.109 da legislação processual pátria.
Por esse viés, a atuação dos magistrados nessa temática deve atender as generalidades,
e por que não dizer informalismos, da jurisdição voluntária, mediante uma maior atuação do
Segundo uma das maiores doutrinadoras sobre o ECA e que nós
Juízes e demais integrantes da Justiça devemos respeitar, o "Estatuto
da Criança e do Adolescente estabeleceu um novo entendimento sobre
a atuação do Juiz da Infância e Juventude. Explica Kazuo Watanabe:
“o Estatuto perfilhou a tendência doutrinária que procura conferir ao
juiz, cada vez mais, um papel ativo no processo. Isso conduz, por
outro lado, à atenuação do formalismo processual”. Não se aplica
modernamente, sobretudo no âmbito da Justiça da Infância e
Juventude o princípio da inércia do Juiz" (BRANDÃO NETTO, 2011,
online).
Vale mencionar que as portarias judiciais com base no artigo 149 do ECA são decisões
judiciais sujeitas a recurso de apelação, como reza o artigo 199 do referido Estatuto, pois
houve uma equiparação, pela legislação, do ato administrativo a provimento jurisdicional. Em
outros termos, segue palavras de Guaraci de Campos Viana:
(...) Com essa equiparação do ato administrativo a provimento
jurisdicional não tem mais cabimento, concessia venia, a remessa de
portarias dos Juízes da Infância e da Juventude aos órgãos da superior
administração do tribunal (Presidência, Corregedoria, Conselho da
Magistratura) nem, tampouco, o reexame de ofício, por quaisquer
desses órgãos. Vale dizer, se não houver recurso de apelação, não
pode a segunda instância impor, por exemplo, a cassação ou alteração
de uma Portaria específica. Opera-se a denominada „coisa julgada
administrativa‟ (In ISHIDA, 2010, p. 316).
A jurisprudência pátria também entende que o Toque de Acolher, por ser portaria
judicial, está sujeito a recurso de apelação, conforme entendimento majoritário, exposto no
Procedimento de Controle Administrativo nº 200910000027933, que teve por relator o
Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, segue ementa do processo:
Procedimento de Controle Administrativo. Criança e Adolescente.
Regulamentação do direito de ir e vir (ECA, art. 149). Portaria
expedida em sede de jurisdição voluntária. Incompetência do CNJ
para exercício de Controle de Legalidade, dada a natureza não
administrativa da portaria. 1) A natureza jurisdicional (jurisdição
voluntária) da portaria expedida por juiz da Vara da Infância e da
Adolescência regulamentando o direito de ir e vir do menor (ECA, art.
149) foi reconhecida pelo STJ, em face de comportar recurso de
apelação, nos termos do art. 199 do ECA (cfr. RMS 8563-MA), Rel.
Min. Carlos Alberto Direito, DJ de 06/11/00). 2) No mencionado
precedente, o ilustre e saudoso relator reconhece, obter dictum, a não
abusividade do "toque de recolher", que prevê, em cidades pequenas, a
não permanência nas ruas, após as 23 horas, de menores
desacompanhados ou sem autorização escrita dos pais ou
responsáveis. No entanto, por comportar a portaria recurso judicial
próprio, não desafiaria a impetração de mandado de segurança. 3)
Nesses termos, reconhecida a natureza jurisdicional do ato
impugnado, refoge a este Conselho a competência para exercer o
controle de legalidade da portaria, por não se tratar de ato de natureza
administrativa. Procedimento de Controle Administrativo de que não
se conhece. (CNJ – PCA 200910000027933 – Rel. Min. Ives Gandra
da Silva Martins Filho – 94ª Sessão – julgado em 10/11/2009 – DJ- e
nº 193/2009 em 12/11/2009 p. 05).
Lembrando que por se tratar de interesse dos infantes, a interposição da apelação cabe
ser efetuada somente pelo Ministério Público ou por quem tenha legítimo interesse, diga-se:
os pais ou responsáveis dos menores atingidos.
3.4 – LEGITIMIDADE DO JUÍZO
Para saber qual a autoridade judiciária legítima para disciplinar as questões
menoristas, faz-se necessário observar as chamadas regras de competência impostas pelos
ditames jurídicos, quais sejam, e termos gerais: em razão da matéria e do território. Pois, para
Eduardo Arruda Alvim, seria a competência justamente a ideia de legitimidade do exercício
de determinado poder, mediante certas circunstâncias (CARNEIRO, 2004, p. 62).
Dito isto, não se pode olvidar que o direito da infância e juventude é ramo do direito
público, sendo de competência do Estado-Juiz julgar e fazer valer os direitos dos infantes, por
meio de Varas especializadas que se utilizam de medidas para tutelar seu público alvo, por
meio de sentenças, resoluções e portarias.
Desta maneira, em virtude do caráter disciplinador da medida, a portaria judicial deve
ser baixada pelo Juízo da Infância e Juventude, por ter este a competência para zelar pelas
matérias infanto-juvenis, nos termos dos artigos 146 e 149 do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Sendo que o conteúdo da portaria deve seguir os ditames constitucionais e as
normas da legislação pertinente.
E em respeito as regras de competência territorial, seguindo o que se extrai do artigo
147 do referido Estatuto, os pais ou responsáveis que tenham domicílio ou aqueles que
tenham sua criança ou adolescente em certa Comarca, devem seguir o regramento indicado
naquela localidade (MESSENDER, 2010, p. 225-226).
Nesse mesmo sentido, competente para baixar a portaria é o magistrado que atua na
Comarca determinada, pois os efeitos do Toque de Acolher não devem perpassar os limites
daquela jurisdição. Todavia, todos aqueles infantes que se encontrem domiciliando ou sob
guarda de certo juízo, devem ser guiados pelas regras impostas na localidade.
Indicado assim, o Juízo da Infância e Juventude como legítimo a baixar portarias a fim
de disciplinar situação dos infantes, quais seriam as circunstâncias a ratificar sua legitimidade
na determinação do Toque de Acolher?
Observando o disposto na Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 5º: “Na
aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem
comum”. Neste caminhar, há realidades sociais e culturais vivenciadas pelas Comarcas que
abrangem pequenos municípios, diferente de condições próprias de grandes capitais e regiões
metropolitanas, pois naquelas os magistrados se encontram mais próximos da população,
alcançando o reconhecimento de mazelas sociais, e até mesmo familiares, em face de maior
presença na vivência da própria comunidade.
Assim, pela discricionariedade mediante o enfrentar em diversas realidades, prevê o
artigo 153 do Estatuto menorista, procedimentos verificatórios para situações adversas, em
atendimento à utilidade social que as medidas judiciais devem ter. Autorizando, desta forma,
os magistrados tomarem providências fundadas em leis, mediante manifestação do Ministério
O Estado-Juiz deve exercitar a cautela que lhe é atribuída, bem como impor as
medidas pertinentes aos pais ou responsáveis que se portarem pela ausência ou abuso de sua
autoridade parental, pois o que devem ser visado é a segurança dos menores de dezoito anos.
É pelo fim social de proteção ao infante que reza o Estatuto da Criança e do
Adolescente, em seu artigo 6º, sendo um guia interpretativo para os juízes na aplicação da Lei,
seja para sentenciar, baixar portarias ou determinar alvarás.
Por esse viés, se os responsáveis pelo infante atuam negligenciando a sua proteção,
não conseguem impor limites temporais a sua permanência em vias públicas, expondo-o a
uma situação de risco, cabe ao Estado, por meio do juiz da infância e juventude, aplicar
medidas protetivas, a exemplo do que rege o artigo 101, inciso I do Estatuto menorista,
encaminhar o menor à convivência familiar, principal norte do Toque de Acolher.
Não se pode negar a autoridade da justiça sobre os menores de idade, bem como é
dever dos pais ou responsáveis zelar pelo cumprimento de determinações judiciais. Sendo o
entendimento que se extrai do artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente
(BRANDÃO NETTO, 2010, online).
Por esse imperativo, é que o magistrado competente possui a devida legitimidade para
aplicar as medidas cabíveis aos pais ou responsáveis ante a sua negligência ou imprudência na
guarda dos menores, medidas estas que podem utilizadas também em face do descumprimento
de portarias judiciais, como Toque de Acolher.
Conforme leitura da legislação infraconstitucional, há uma definição nas formas de
ensinar responsabilidade aos pais ou responsáveis nos termos do artigo 129 do Estatuto
Menorista (MESSENDER, 2010, p. 210). Sendo medidas caracterizadas por comandos
assistenciais e por determinações, impostas pelo Conselho Tutelar ou pela autoridade
judiciária (BRANDÃO NETTO, 2010, online).
Importante ressaltar que as cominações pertinentes aos que descumprirem as portarias
judiciais, quando perpassam o norte do citado artigo 129, tem sido motivo de controvérsias
jurídicas. Entretanto, alguns Tribunais têm admitido multas pecuniárias mediante tal
descumprimento, nos termos do artigo 249 do Estatuto menorista, que trata de infrações
Art. 249. Descumprir dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao
dever familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim
determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:
Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se em
dobro em caso de reincidência.
É o caso do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que no processo de Apelação
nº 990.10.186227-1, da Comarca de Fernandópolis, julgado em 22 de novembro de 2010, fora
acordada a confirmação da multa aplicada pelo Juiz da Infância e Juventude. O Tribunal
negou seguimento ao recurso de uma mãe que permitiu ao seu filho violar o horário limite da
Portaria judicial, Toque de Acolher, mantendo a multa de três salários-mínimos.
Observa-se assim, que a legitimidade conferida ao Juízo da Infância e Juventude
advém de sua competência para zelar pelos direitos dos infantes, atuando mediante a realidade
de cada Comarca. Sendo-lhe facultado, por conseguinte, baixar portarias em seu âmbito de
labor, se aferida a devida necessidade e viabilidade que as circunstâncias locais apresentarem.
3.5 – APLICAÇÃO DA MEDIDADE NA COMARCA DE SANTO ESTEVÃO/BA
Segundo a Lei nº 10.845, publicada em 28 de novembro de 2007, que dispõe sobre a
Organização e Divisão Judiciária do Estado da Bahia, em seu anexo II, a Comarca de Santo
Estevão abrange os municípios baianos de Antonio Cardoso, Ipecaetá e Santo Estevão. Sendo
municípios localizados aproximadamente a 150 km da capital do Estado, com uma população
de 11.543, 15.318 e 47.444 habitantes, respectivamente (IBGE, Censo 2010, online).
Fomentando-se em denúncia de crianças e adolescentes envolvidos em tráfico drogas
em perímetro escolar, em prostituição infantil as margens da Rodovia Federal, BR 116, e
ainda consumindo bebidas alcoólicas, a comunidade entendeu ser pertinente um debate sobre
essa realidade. Pedido esse que ocasionou em uma audiência pública, realizada em 29 de maio
de 2009, onde se fizeram presentes os três Prefeitos das cidades envolvidas, Conselheiros
Tutelares, autoridades policiais, representantes da sociedade civil. Na oportunidade apenas o
Ministério Público não se fez presente, pois a representante titular encontrava-se em gozo de
licença maternidade (BRANDÃO NETTO, 2009, online).
Mediante provocação da Justiça local, outros encontros e reuniões ocorreram,
resultando na solicitação de uma Portaria a ser publicada disciplinando o assunto, na
finalidade de proteger os infantes, com a maior brevidade possível, dos problemas sociais, ou
porque não dizer, criminais da região.
Nesse viés, seguindo o entendimento da legislação pátria de que apenas o juiz da
Infância e Juventude possui a devida legitimidade para baixar um seguimento disciplinador
dessa natureza, foi elaborada a Portaria Judicial nº 09/2009, em 02 de junho do referido ano.
Nos termos do que determina o artigo 153 do Estatuto menorista, houve um
procedimento investigativo de averiguação da realidade local, com debates públicos, contando
com ativa participação de representante do Ministério Público Estadual, de todos os prefeitos
das cidades abrangidas pela Comarca, bem como da sociedade civil.
A Portaria de proteção ao menor, pioneira no Estado da Bahia, foi decretada pelo
magistrado José Brandão Netto, responsável pela Vara da Infância e Juventude, sendo
conhecida por “Toque de Acolher”.
Posteriormente, alterada pela Portaria 10/2009, em 11 de julho do mesmo ano, nos
autos no Processo nº 2646506-4/2009, com fins de aperfeiçoamento, a medida preventiva
restou por regulamentar o acesso de crianças e adolescentes em logradouros públicos, espaços
comunitários, bailes, festas, promoções dançantes, shows, boates, congêneres, bares,
Desta forma, por ordem da Justiça da Comarca de Santo Estevão a portaria vigora com
base em ações periódicas de rondas noturnas realizadas por agentes de proteção a infância e
Em termos gerais, a Medida Judicial de proteção aos jovens se consubstancia em uma
determinação de que crianças e adolescentes possuem limite de horários para estar nas ruas ou
logradouros públicos, quando desacompanhados de seus pais ou responsáveis, apresentando-
se em situação de risco. A limitação dos horários segue um padrão de idade dos infantes, qual
Art. 4º. As crianças e adolescentes, desacompanhadas de seus
respectivos responsáveis legais ou acompanhantes, nos termos do art.
2º desta Portaria, são proibidas de permanecer nas ruas ou em locais
públicos, espaços comunitários, bailes, festas, promoções dançantes,
shows e boates, inclusive em Lan Houses e congêneres, nos seguintes
horários:
I – até de 12 anos não podem permanecer depois das 20:30 horas,
salvo em evidente atividade escolar, religiosa, esportiva ou similar;
II- entre os 13 e os 15 anos devem retornar para casa até até às 22:00
horas, salvo em evidente atividade escolar, religiosa, esportiva ou
similar;
III – Para adolescentes entre 16 anos e os 18 anos, só haverá
limitações de horários caso estejam em situações de risco;(...)(Portaria
judicial 10/2009, em anexo).
Observa-se que a Portaria segue o padrão disciplinador estabelecido pelo artigo 149 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, obedecendo ao Princípio de Proteção Integral, tudo em
atendimento a realidade da Comarca, a qual atingida pelas mais variadas condutas criminosas
envolvendo infantes. Conforme é elucidado nas considerações iniciais:
CONSIDERANDO as taxas de violências infanto-juvenis, como
crimes de roubo, homicídio qualificado e o tráfico de entorpecentes,
inclusive venda drogas em escola pública nesta cidade, ameaça a
professor em plena sala de aula, ao tempo em que também são vítimas
de exploração e prostituição sexuais agravadas pelo fato de a Comarca
se localizar rente à BR 116 (Rio-Bahia), inclusive com interligação e
notícias de grandes índices de Prostituição pueril no Povoado
“Paraguaçu” e cidade de Itatim-BA, ambos os locais de Comarcas
vizinhas;(...)(Portaria 10/2009 da Comarca de Santo Estevão/BA, em
anexo)
A caracterização da medida se perfaz em genérica, pois limites são estabelecidos na
aplicação da medida, quais sejam: delimitação de horário noturno, condição de infante
desacompanhado de responsável e exposto em situação de risco.
Tanto a generalidade é burlada que há outras ressalvas no bojo da própria portaria,
indicando, por exemplo, que a medida preventiva não se aplica para aqueles que estiverem em
atividade escolar, práticas esportivas, voltando de congregações religiosas, dentre outras
A portaria ainda é flexibilizada em períodos festivos da comunidade, como no natal,
micareta, ano novo e festas juninas. Período em que há relativa suspensão da medida, pois
embora a limitação de horário não seja objeto de fiscalização, o trabalho de proteção continua
nos espaços em que acontecem as festas, visando evitar possíveis situações de
3.5.1 - Como funciona a medida?
Na Comarca de Santo Estevão, a medida disciplinar segue o disposto no artigo 101,
inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, mediante a observância de que o
infante se encontre com seus direitos ameaçados ou violados, o jovem deverá ser protegido
por meio de seu encaminhamento aos pais ou responsáveis.
Nessa perspectiva, em período noturno, saem veículos da prefeitura ou do juizado para
fiscalizar as ruas e logradouros públicos, e caso seja encontrado menor de idade circulando
fora dos horários permitidos, seguindo sua faixa etária, este será retirado da situação de risco
real ou iminente, sob orientação dos Comissários da Infância e Guarda Municipal.
Valendo reiterar que o menor não é conduzido em viaturas, bem como não será
abordado por policiais por mero descumprimento de horário da Portaria, ressalvados,
conforme legislação pátria, os casos de flagrante delito ou cumprimento de mandado de
apreensão (BRANDÃO NETTO, 2010, online).
O infante sob proteção será encaminhado para o Juizado da Infância local, de onde
serão informados seus pais ou responsáveis para que, mediante termo de responsabilidade,
levem seu filho de volta ao convívio familiar.
É o que se observa nos termos da Portaria 10/2009:
Artigo 6º. (....) § 3º. Em observância ao princípio da proteção integral,
os Comissários de Menores, quando em ronda, ao deparar com menor
que esteja em desacordo com a portaria, em situação de risco, quando
não caracterizar a prática de ato infracional, encaminhará o menor ao
Juizado da Infância e Juventude, fazendo-se a entrega do menor aos
pais ou responsável legal, mediante assinatura destes em termos
próprio (art. 98 e 101, I, do ECA).
A Comarca possui sede própria para o Juizado da Infância e Juventude, e conta com
setenta comissários da infância nos três municípios. O apoio do Poder Público Municipal tem
sido fundamental na efetivação da medida, por ceder servidores e auxiliar na estrutura física
necessária. (BRANDÃO NETTO, 2009, online).
O município de Santo Estevão chegou até a elaborar a primeira lei municipal do Brasil
de auxílio à medida protetiva, aprovada, à unanimidade, pela Câmara de Vereadores, em 03
de dezembro de 2009. Nas demais Câmaras, tramitam o anteprojeto de lei, mas não foi
Vale lembrar que não se pode confundir o conteúdo da referida portaria judicial com o
disposto na norma municipal. Pois, limitar horários de menores de 18 anos somente é possível
mediante decisão judicial, por força do artigo 149 do ECA, ou por lei federal. É o que
preconiza o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, ao determinar a competência da
União para legislar sobre matéria civil, como a Lei nº 8069/90. Entretanto, não se pode negar
que a lei municipal auxilia a portaria judicial, uma vez que obriga a prefeitura a abastecer
carros para rondas, pondo também guarda municipal e conselho tutelar a disposição da
Em relação aos casos de inobservância ao disposto na Portaria, quando da reincidência
dos pais que negligenciarem seu dever de guarda, caracterizando descumprimento de
determinação judicial, haverá infração dos artigos 22 e 249 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, sujeitando-se, desta maneira, a cominação de multa que variará entre três e vinte
salários-mínimos, sem prejuízo das demais responsabilidades, a exemplo do constante no
artigo 129 do Estatuto menorista.
É salutar, todavia, a ressalva feita pelo Juiz José Brandão de que a aplicação das
multas cabe seguir a realidade econômica da comunidade, cominando, por exemplo, no
máximo na metade do salário, de acordo com as condições das pessoas. Dados da justiça local
apontam que nos dez primeiros meses de vigência da portaria nenhuma multa foi aplicada
3.5.2 – Os resultados na Comarca
Entre as mazelas sociais de maior incidência envolvendo menores, a Delegacia de
Polícia de Santo Estevão indicam lesões corporais, furtos, prostituição infantil, roubos, porte
de armas e tráfico de drogas. Com a implantação da Portaria judicial em junho de 2009, as
estatísticas apresentam uma significativa redução nas ocorrências policiais envolvendo
menores, em torno de 35% (BRANDÃO NETTO, 2011, online).
Período
De janeiro até novembro de 2009
De janeiro até novembro de 2010
Número de ocorrências policiais
371
240
Em relação ao tráfico de drogas, constata-se apenas 09 casos no ano de 2010
envolvendo menores. E desde junho de 2009, não se observa casos de drogas nas escolas de
Santo Estevão e Ipecaetá, sendo que no período de 2009, anterior ao Toque de Acolher, há
sete registros de ocorrências dessa natureza.
As Secretarias de Saúde das cidades abrangidas pelo Acolher informam que após a
medida não se observam jovens fazendo uso de entorpecentes em praças públicas de Ipecaetá,
bem como houve redução de adolescentes grávidas em Santo Estevão.
O balanço geral, em um ano e meio de aplicação, da medida de proteção, e que foram
encaminhados ao Juizado da Infância e Juventude, até dezembro de 2010, 684(seiscentos e
oitenta e quatro) jovens, mediante a infringência da limitação de horários da portaria judicial e
o vislumbre de situação de risco. Sendo que foram 568(quinhentos e sessenta e oito) em Santo
Estevão e 116(cento e dezesseis) no Juizado de Ipecaetá (BRANDÃO NETTO, 2011, online).
Nesse diapasão, os trabalhos do Poder Judiciário em parceria com as Polícias Militar e
Civil, cada um no âmbito de sua legitimidade, apoiados pela comunidade da Comarca, vem
observando resultado satisfatório na proteção aos infantes, com a redução da prática de todos
os tipos penais envolvendo os menores, seja enquanto adolescente em conflito com a lei, ou
quando vítimas dos mais variados abusos.
3.6 – O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, ARTIGO 103-B DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E O TOQUE DE ACOLHER
O Conselho Nacional de Justiça foi criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004,
sendo um órgão integrante da estrutura do Poder Judiciário. Na finalidade de ser realizado o
controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como do
cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (ALEXANDRINO. PAULO, 2008, p. 624-
Estabelece o artigo 103-B da Constituição Federal as atribuições do Conselho, ditando
que cabe a este órgão o exame de atos administrativos, não dispondo de funções
jurisdicionais, nem de competência para fiscalizar a atuação jurisdicional dos juízes
(FERREIRA FILHO, 2010, p. 296-297).
Sendo vislumbrada a lição constitucional, em 2009, a adoção de medidas protetivas
em alguns municípios brasileiros foi questionada no referido Conselho, tendo por único
requerente Luiz Eduardo Bottura.
Nesse diapasão, o Procedimento de Controle Administrativo nº 200910000036170
teve como objeto a Portaria judicial 10/2009, pelo qual o requerente pleiteou a desconstituição
da medida judicial emanada do Juízo da Vara única da Comarca de Santo Estevão.
Tendo em vista a existência de processo análogos anteriormente distribuídos, os autos
do referido procedimento foram encaminhados para análise do Ilustre Conselheiro Ives
Gandra da Silva Martins Filho, seguindo os ditames do Enunciado nº 09/2007 do Conselho
Nacional de Justiça. Ficando, então, sob sua observância medidas protetivas oriundas das
Comarcas de: Fernandópolis e Ilha Solteira, em São Paulo; Nova Andradina e Anaurilândia,
em Mato Grosso do Sul; Itajá e Patos de Minas, em Minas Gerais; e Santo Estevão, na Bahia.
O requerente buscou liminarmente a suspensão da Portaria 10/2009, indicando apenas
que o magistrado local teria instituído “toque de recolher”. Todavia, o Conselheiro entendeu
pelo indeferimento do pleito, por não vislumbrar controvérsia sobre a matéria, entendendo
que não há perigo na demora, uma vez que a medida almeja a proteção de direitos da criança e
do adolescente, conforme se lê na decisão nº11 do referido procedimento.
Desta forma, a suspensão da Portaria foi indeferida no sentido de que as medidas
adotadas na Comarca baiana têm caráter protetivo aos jovens, sendo contestadas naquele
Conselho exclusivamente em relação à sua legalidade.
O Juízo, então requerido, prestou informações na defesa da legalidade da medida, por
quanto atendido o clamor da sociedade local. Sendo ainda elaborada a tese de incompetência
do Conselho Nacional de Justiça frente a matéria “toque de recolher”, pelo magistrado José
Brandão Netto, na época titular da Comarca de Santo Estevão.
A tese de incompetência foi apresentada como preliminar do mérito, sendo aduzido no
processo, em termos gerais os seguintes argumentos:
• As atribuições do Conselho Nacional de Justiça são restritas ao controle da atuação
administrativa, financeira e disciplinar dos Órgãos do Poder Judiciário a ele sujeitos.
Desta forma, seguindo o quanto disposto no Artigo 103-B da Constituição Federal,
não compete ao referido Conselho rever decisão judicial, pois houve processo civil
instaurado, com participação do Ministério Público, para ser baixada a Portaria
• A Portaria fomenta-se no Artigo 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual
indica procedimento de jurisdição voluntária, afastando a atribuição do Conselho para
• A matéria envolve decisão jurisdicional e não ato administrativo, assim não cabe
decisões judiciais serem revistas por recurso no CNJ, sob pena de supressão de
instância. Pois cabe ao Tribunal de Justiça do Estado, respectivo, no caso Bahia, a
revisão da decisão por meio de recurso de apelação.
• Em relação à legalidade da Portaria judicial, trata-se de competência disciplinar da
Justiça da Infância e Juventude, nos termos da legislação infraconstitucional.
• Houve decisão de natureza jurisdicional voluntária mediante ponderação de
interesses, frente a realidade local da Comarca.
A tese de defesa foi apresenta pelo juiz da Comarca de Santo Estevão/BA e pelo
magistrado Evandro Pelarin, oriundo da Comarca de Fernandópolis/SP.
O Conselho chegou a admitir o toque de recolher, entendendo que o direito de ir e vir
do menor não seria absoluto. Apenas no Procedimento de Controle Administrativo nº
200910000023514, julgado em setembro de 2009, suspendeu o toque de recolher em Patos de
Minas, Estado de Minas Gerais, sob o fundamento de que a medida não poderia ter caráter
geral (ISHIDA, 2010, p. 318).
Em novembro de 2009, a tese de defesa tornou-se vencedora, quando o Conselho
Nacional de Justiça declarou-se incompetente para julgar as portarias de diversas Comarcas
brasileiras, as quais limitam o horário de permanência de crianças e adolescentes nas vias
públicas, conforme se observa na ementa do Procedimento de Controle Administrativo nº
200910000036170, julgada em 10 de novembro de 2009.
Nessa perspectiva, os conselheiros encaminharam a análise do assunto para a
Comissão de Acesso à Justiça e Cidadania do Conselho Nacional de Justiça, na finalidade de
serem estabelecidas regras para que as Corregedorias dos Tribunais de Justiça, em cada
Estado da Federação, acompanhem a adoção da medida protetiva, então conhecida como
O requerente chegou a interpor embargos de declaração contra a decisão do Plenário
do Conselho, todavia o recurso não foi conhecido por força do Artigo 115, §6º, do Regimento
Interno do CNJ, haja vista não cabe recurso das decisões do Plenário.
Nesse âmbito, em relação ao controle de legalidade da medida protetiva, observa-se
que eventuais questionamentos jurídicos sobre o Toque de Acolher, cabem ser interpostos por
meio de recurso de apelação no Tribunal de Justiça do Estado correspondente, restando
patente que a Portaria se trata de ato jurisdicional. Refugindo, desta maneira, à competência
do Conselho Nacional de Justiça, consoante lição do Artigo 103-B da Constituição Federal.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, crianças e adolescentes passaram a
ser vislumbrados como sujeitos de direitos, tendo os mesmos direitos fundamentais inerentes
à pessoa humana. Através da Lei nº 8.069/90, adotou-se o Princípio da Proteção Integral,
enaltecendo o interesse superior do infante, por entender que são indivíduos em
desenvolvimento, em constante situação de risco devido a sua incapacidade ou capacidade
Observa-se que o ordenamento jurídico pátrio admite uma relativização de outros
direitos em prol dos infanto-juvenis. A liberdade do menor, por exemplo, há de ser ordenada,
em virtude do respeito ao seu direito de proteção integral, para evitar eventuais situações de
ameaça ou risco que atentem contra sua integridade e dignidade.
Nesse sentido de resguardar os direitos dos menores estabelecidos pelo ECA, os
magistrados baixam a portaria Toque de Acolher, de maneira a preservar a condição dos
infantes. Além das restrições legais ao direito de ir e vir dos menores estabelecidas pela lei, é
permitido ao juiz da infância e juventude estabelecer outras obrigações.
Em que pese os argumentos da ausência de permissivo legal para a concretude da
portaria em estudo, a doutrina majoritária entende que o art. 149 não se perfaz em taxativo,
admitindo-se a aplicação das restrições aos infantes, quando negligenciados pelos seus
responsáveis, sendo expostos a riscos.
Não se configura como prática de ativismo judicial, pois o juiz apenas aplica o que a
legislação recomenda com base na realidade local da comarca, no cumprimento de sua função
social. Sendo compatível com o sistema de direitos menoristas, enquanto medida protetiva de
A instituição desta medida preventiva que inicialmente parece ser arbitrária e
totalmente discricionária, não pode ter formada uma opinião generalizada, uma vez que cabe
análise de cada caso concreto. A aplicabilidade provém de normas estatutárias, mas se perfaz
perante a realidade da respectiva Comarca.
Para ter aferida a devida legalidade, a portaria deve ser clara e precisa, com
determinação singular dos casos que pretende regular, não há suprimento de lacunas deixadas
A portaria editada pelo magistrado da infância e juventude dotada de caráter geral e
abstrato é flagrantemente ilegal, ao contrário do antigo Código de Menores, hodiernamente a
competência disciplinar do magistrado possui uma discricionariedade limitada.
A medida judicial preventiva não se consubstancia em ato de mera liberalidade do
juízo competente, deve ter sua expedição fundamentada em elementos suficientes a permitir o
controle de legalidade pelas instâncias superiores, mediante recurso de apelação.
Há de seguir procedimento judicial específico, instaurado de ofício ou a requerimento
do Ministério Público, Conselho Tutelar ou outro órgão ou pessoa interessada, embora a Lei
nº 8.069/90 não tenha previsto de maneira expressa um procedimento próprio para a
expedição de portarias judiciais, é perfeitamente possível enquadrá-lo na disposição genérica
contida no artigo 153 do citado Diploma Legal, pelo qual a autoridade judiciária poderá
investigar os fatos e ordenar de ofício as providências necessárias, desde que ouvido o
A cada Portaria emanada deve-se observar a legalidade do procedimento, enquanto
jurisdição voluntária, tem de haver participação dos interessados, sociedade local, MP, OAB
local, e seguir a competência territorial do Juízo, sendo legítimo o magistrado da infância e
juventude. Sob o aspecto material, deve coadunar com as normas menoristas vigentes.
Entretanto, para que seus objetivos sejam cumpridos, não basta a mera expedição,
publicação e divulgação da portaria disciplinadora, é fundamental a permanente fiscalização
de seu cumprimento, mediante um atuar fomentado nos procedimentos dos arts. 194 à 197, da
Lei nº 8.069/90, bem como a aplicação de sanções administrativas, disciplinadas no art. 258
da referida lei, sempre que forem violados seus regramentos.
Para a aplicação da medida atingir os efeitos esperados, tem de haver a estrutura
necessária na localidade, pelo poder público municipal, aliada ao acompanhamento de
respectivo órgão de proteção aos infantes, Conselho tutelar. Pois, todos os poderes estatais
tem o compromisso de honrar com o respeito aos direitos e garantias infanto-juvenis.
Pelo presente, na observância específica da Portaria 10/2009, emanada pelo juízo
competente na Comarca de Santo Estevão/BA, conclui-se que o Toque de Acolher atende a
todos os princípios constitucionais e legais atinente aos infantes, bem como as especificidades
As determinações adotadas pela medida preventiva nos referidos municípios baianos,
não possuem caráter totalmente discricionário, a generalidade é limitada por indicar
encaminhamento aos pais, apenas dos menores desacompanhados e em potencial situação de
risco, quando estiverem circulando em vias públicas em horário disforme para sua idade.
Pelo exposto, seguindo o ordenamento jurídico brasileiro, há possibilidade da criação
do Toque de Acolher, enquanto instrumento eficaz para concretude da proteção integral a
crianças e adolescentes. Pois este é o objetivo maior da Justiça da Infância e Juventude, lutar
pela plena efetivação da Lei nº 8.069/90, adequando uma medida jurídica aos fins sociais a
que a lei se direciona, assim como a bem comum de toda sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS – DCHT
BACHARELADO EM DIREITO –10º SEMESTRE – CAMPUS XIX
DIREITOS DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE: ASPECTOS JURÍDICOS DO
TOQUE DE ACOLHER NO BRASIL
MILLAÍ CARNEIRO FERNANDES
CAMAÇARI
2011
MILLAÍ CARNEIRO FERNANDES
DIREITOS DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE: ASPECTOS JURÍDICOS DO
TOQUE DE ACOLHER NO BRASIL
Trabalho monográfico, devidamente requisitado no Curso de Graduação em
Direito, Campus XIX, da Universidade do Estado da Bahia, para obtenção
de créditos na disciplina Monografia III, ministrada pela professora Ainah
Angelini, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito.
Orientadora: Professora Micheline Musser Leal
CAMAÇARI
2011
MILLAÍ CARNEIRO FERNANDES
DIREITOS DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE: ASPECTOS JURÍDICOS DO
TOQUE DE ACOLHER NO BRASIL
Esta monografia foi julgada e adequada à obtenção do título de bacharel em
Direito e aprovada em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade
do Estado da Bahia.
Camaçari, 2011.
_______________________________________________
Professora - Orientadora
_______________________________________________
Professor(a)
_______________________________________________
Professor(a)
Agradecimentos:
À minha família, pela compreensão e apoio.
À Profa. Micheline, pela orientação jurídica.
Ao Dr. José Brandão, pelas informações práticas da matéria.
RESUMO
O presente trabalho tem por escopo analisar o Toque de Acolher à luz do ordenamento
jurídico brasileiro, observando se esta medida judicial de natureza menorista é dotada de
constitucionalidade e legalidade. No que tange aos ramos do Direito, o tema encontra-se
inserido no campo do Direito Constitucional e da Infância e Juventude. O trabalho foi
estruturado em três capítulos: o primeiro demonstra como estão dispostos os direitos infato-
juvenis na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente; o segundo vislumbra a
medida judicial como prática de Ativismo Judicial; e o terceiro expõe os aspectos básicos do
Toque de Acolher e sua aplicabilidade, em especial na Comarca baiana de Santo Estevão. Em
suma, são apresentados de forma simplória o histórico, os fundamentos e as controvérsias
doutrinárias sobre portarias judiciais comumente utilizadas no Brasil, que visam disciplinar
direitos e deveres dos infantes.
Palavras-chave: Direitos da Infância e Juventude, Constituição Federal, Estatuto da Criança e
do Adolescente, Toque de Acolher, Portarias judiciais.
ABSTRACT
The scope of this study is to analyze the Toque de Acolher in light of the Brazilian legal
system, noting that this judicial measure of a lesser nature is endowed with the
constitutionality and legality. Regarding the fields of law, the subject is inserted in the field of
Contitutionality Law and Children and Youth. The work was divided into three chapters: the
first demonstrates how willing infantryand young people‟s rights in the Constitution and the
Statute of Children and Adolescents, the second sees the measure as a judicial practice of
Judicial Activism, and the third sets out the basic of Toque de Acolher and their applicability,
especially in Bahia District of Santo Estevão. In short, are presented in a simplistic history,
the foundations and judicial ruling on doctrinal controversies commonly used in Brazil,wich
seek disciplinary rights and duties of infants.
Keywords: Rights of Children and Youth, the Federal Constitution, the Statute of Children
and Adolescents, Toque de Acolher, judicial decrees.
LISTA DE ABREVITURAS E SIGLAS
Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul
Artigo e Artigos
Constituição Federal
Estatuto da Criança e do Adolescente
Ministério Público
Ordem dos Advogados do Brasil
Organização das Nações Unidas
Paraíba
São Paulo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 9
1 - O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E OS DIREITOS DA INFÂNCIA E DA
JUVENTUDE ........................................................................................................................... 11
1.1 - A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E OS DIREITOS INFANTO-
JUVENIS ................................................................................................................................. 11
1.2 - TEORIA DA PROTEÇÃO INTEGRAL ........................................................................ 16
1.3 - PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA .............................................. 19
1.4 - PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE ............................. 22
1.4.1 - Princípios Fundamentais no Estatuto da Criança e do Adolescente ............................. 22
1.4.2 - O Direito de Liberdade de Locomoção do Menor ........................................................ 24
1.5 - A COMPETÊNCIA DISCIPLINAR DA JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA
JUVENTUDE .......................................................................................................................... 26
1.6 - AS MEDIDAS DE PROTEÇÃO NO ECA E A LEI Nº 12.010/09 ................................ 29
2 – TOQUE DE ACOLHER COMO PRÁTICA DE ATIVISMO JUDICIAL ............... 32
2.1 - CONCEITO DE ATIVISMO JUDICIAL ........................................................................ 33
2.4 - O ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL: A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO. ......... 35
2.4.1 - Aplicações Práticas ...................................................................................................... 36
2.5 - CONTROVÉRSIAS DOUTRINÁRIAS .......................................................................... 38
3 – OS PARÂMETROS PRÁTICOS DO TOQUE DE ACOLHER ................................. 41
3.1 - CONCEITO E NOMENCLATURA ................................................................................ 41
3.2 - NO DIREITO COMPARADO E A ATUAL APLICABILIDADE NO BRASIL. ......... 43
3.3 - NATUREZA JURÍDICA ................................................................................................ 46
3.4 - LEGITIMIDADE DO JUÍZO ......................................................................................... 48
3.5 - APLICAÇÃO DA MEDIDADE NA COMARCA DE SANTO ESTEVÃO/BA ........... 50
3.5.1 - Como Funciona a Medida? ........................................................................................... 53
3.5.2 - Os Resultados na Comarca ............................................................................................ 54
3.6 - O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, ARTIGO 103-B DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E O TOQUE DE ACOLHER ............................................................................... 55
CONCLUSÃO........................................................................................................................ 59
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 62
ANEXO I – Portaria 10/2009 da Comarca de Santo Estevão/BA ...................................... 65
Esta pesquisa pretende analisar os aspectos jurídicos do Toque de Acolher à luz do
ordenamento jurídico pátrio. Tendo por base o Estatuto da Criança e do Adolescente, são
expedidas portarias por Juízes da Infância e Juventude visando regulamentar situações
envolvendo crianças e adolescentes, quando desacompanhadas de seus pais ou responsáveis e
expostas a situação de risco. Consubstanciando-se em medida preventiva, a decisão judicial
envolve direitos menoristas, sendo fomentada na limitação de horários a infantes.
No que tange à relevância social do tema, a escolha foi proporcionada pela sua
repercussão nos últimos anos, por conta dessa medida protetiva, também conhecida como
Toque de Recolher, ter sido comumente expedida em algumas comarcas brasileiras, pelos
respectivos juízos da Infância e Juventude. Mobilizado assim, estudiosos do Direito a
questionar seu conteúdo, justificando-se pela observância dos fundamentos constitucionais e
legais, notadamente os Princípios da Proteção Integral, Liberdade de Locomoção e Reunião, e
Nessa perspectiva, é cabível a análise de: se a instituição do Toque de Acolher vem
burlando fundamentos da Norma Ápice Brasileira; e se é lícito ao Juiz de Direito da Infância e
Juventude limitar direitos das crianças e dos adolescentes, negando-lhes a possibilidade de
exercício pleno da cidadania e da democracia.
Não obstante seja relacionado ao presente tema infanto-juvenil, este trabalho não se
propõe a questionar os limites do magistrado frente ao poder familiar, nem os motivos sociais
de aplicação da medida, ou ainda se muitos pais estariam apoiando a medida judicial como
reflexo de sua comodidade sobre a educação aos filhos.
Sob o aspecto acadêmico, esta pesquisa visa contribuir como um singelo material
teórico, que abrangeu a consulta de livros, artigos científicos e reportagens jornalísticas
disponíveis em fonte imprensa e meio eletrônico, além da legislação pertinente e estudo de
caso da Comarca de Santo Estevão/BA.
O objetivo geral é analisar a constitucionalidade e legalidade de portarias que
estabelecem limites de locomoção aos menores. Para tanto, serão mencionados os dispositivos
da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente que estão na base dos
argumentos daqueles que defendem a referida medida judicial, bem como de seus opositores.
Os juízes que estabelecem o Toque de Acolher vislumbram a portaria como resultado
de apelos da comunidade, bem como da competência disciplinar dos magistrados da infância
e juventude. Atuando o magistrado com o poder supletivo que lhe cabe na finalidade de zelar
pelo saudável desenvolvimento dos infantes, prevenindo-os da exposição a situações de risco,
estando assim em conformidade com o artigo 149 da Lei nº 8.069/90.
Por outro lado, a portaria judicial encontra resistência no meio jurídico, sob o
fundamento de que sua instituição perpassa ao permissivo legal expressamente posto no ECA,
pois o mencionado artigo não acrescenta a situação específica do Acolher, a medida seria
dotada de ilegalidade em face a ausência de previsão, praticando o magistrado o chamado
ativismo judicial, por atuar como se legislador fosse.
Nesse diapasão, o presente trabalho abordará os direitos da infância e juventude à luz
do ordenamento pátrio, vislumbrando os argumentos jurídicos em prol do Toque de Acolher;
passando em seguida à visão da medida judicial como prática de ativismo judicial. E ainda,
apresentará os parâmetros práticos da portaria, informando os fundamentos de uma decisão
dessa natureza, e como essa deliberação vem sendo cumprida em alguns municípios baianos.
1 - O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E OS DIREITOS DA INFÂNCIA E
Este capítulo visa apresentar os aspectos principiológicos, constitucionais e
infraconstitucionais que norteiam os direitos das crianças e dos adolescentes, demonstrando se
tais direitos devem ser vislumbrados como direitos fundamentais. Na observância de que a
medida judicial Toque de Acolher, envolve direitos infanto-juvenis, tendo por inerência
orientar as condutas das crianças e dos adolescentes, enquanto sujeitos passivos diretos.
Será elucidada, ainda, a relevância da Teoria da Proteção Integral, advento da
transição legalista e doutrinária, no Brasil do século XX, que viabilizou a concretização dos
direitos infanto-juvenis no Direito Brasileiro, objetivando, nessa perspectiva, estudar e
relacionar a Constituição Federal de 1988 ao Estatuto da Criança e do Adolescente, previsto
na Lei nº 8.069/90, com ênfase nos aspectos jurídicos que abarcam portarias judiciais de
1.1 – A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E OS DIREITOS INFANTO-
Os direitos da criança e do adolescente serão analisados em sede constitucional, o
legislador originário expressou sua preocupação referente à temática, dedicando um capítulo
específico juntamente com a família e idoso.
Como bem ensina a doutrina pátria de Vidal Serrano Júnior e Luiz Alberto David
Araújo (2003, p. 460), essa preocupação fora oriunda do inegável momento social difícil,
quando da promulgação da Constituição de 1988, em que a criança era colocada a margem no
processo de interação social.
A partir da Revolução de 1789 é que o regime constitucional foi sendo associado à
garantia dos direitos fundamentais. Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em
seu artigo 16, foi condicionada “à proteção dos direitos individuais a própria existência da
Constituição” (FERREIRA FILHO, 2010, p. 314).
Na seqüência, novos direitos foram sendo reconhecidos, mediante as mudanças no que
tange as relações entre o Estado e o indivíduo. Sendo direitos com conteúdo positivo de
vinculação do Estado em sua atuação, os direitos fundamentais.
A declaração de “Direitos do Homem e do Cidadão”, editada em 1789 pela Revolução
Francesa, a mais conhecida e influente do século XVIII, apresenta uma nítida oposição contra
o poder, por considerá-lo um inimigo da liberdade por excelência. Apesar do caráter abstrato,
essa declaração baila sobre o imperativo de hostilizar os abusos da monarquia por meio da
proclamação de princípios eternos e universais, como Igualdade e Liberdade.
Do século XVIII até meados do século XX, quando da Primeira Guerra Mundial, as
declarações possuem como traço fundamental o caráter individualista, configurando uma
proteção ao indivíduo em face do Estado. Esse aspecto perdura na maioria das Constituições
do século XX, havendo nestas um ideal de assegurar ao indivíduo certos direitos por meio do
Estado, a exemplo dos direitos de ordem econômica.
O aspecto meramente “formal” das liberdades consagradas nas declarações
individualistas logo foi criticado pelos socialistas, no entendimento de que faltariam meios de
exercer tais direitos. Essa crítica difundiu-se mediante as trágicas conseqüências do mundo
capitalista daquele período histórico, ganhando opinião pública à proteção aos mais fracos,
Com o alcance do sufrágio universal em grande parte da Europa, fora acordada a
influência das massas, sendo um fator político de transformação para o Estado-polícia em
Estado-providência. Passando, assim, os “direitos econômicos e sociais” a serem
reconhecidos pelo constituinte.
Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2010, p. 318):
Ao mesmo tempo, contra o individualista extremado, se foram reconhecendo
direitos em favor dos grupos sociais, o que não se fazia nas primeiras
declarações. Paralelamente, se reconheceu ao indivíduo o direito de
associação, inclusive como garantia da liberdade individual conforme o
ensinamento de Tocqueville (De La démocratie em Amérique) e de Stuart
Mill (Do governo representativo da liberdade).
Essa nova concepção de direitos fundamentais foi concretizada formalmente nas
primeiras Constituições Republicanas, quais sejam: a Alemã de Weimar de 1919 e a
Espanhola de 1931. Nesse diapasão, é que no Brasil em 1934 foi introduzida uma segunda
concepção de direitos fundamentais, no reconhecimento dos direitos sociais e econômicos; ao
contrário das constituições anteriores de 1824 e 1891, mediante textos arraigados a uma
concepção individualista dos direitos fundamentais.
Por sua vez, a chamada terceira geração dos direitos fundamentais vem sendo
construída hodiernamente, na defesa dos direitos de solidariedade: direito à paz, ao
desenvolvimento, ao meio ambiente, ao respeito ao patrimônio comum da humanidade.
Concepção proveniente do Direito Internacional e que vem sendo consagrada no Direito
Na visão doutrinária de Paulo Bezerra (2010, p. 212), os direitos da criança e do
adolescente pertencem a essa terceira dimensão dos direitos fundamentais, por se tratarem de
direitos coletivos e difusos, tendo por característica intrínseca uma titularidade meta-
individual, com respeito à proteção de um grupo de pessoas.
Os direitos fundamentais possuem peculiaridades individualizadoras, enquanto
categorias jurídicas, pois todos os direitos que recebem a qualidade de fundamental se
configuram em adjetivos comuns entre si. Assim, os direitos fundamentais podem ser
configurados como a categoria jurídica, em que tem por finalidade a proteção da dignidade
humana em todas as suas dimensões: direitos individuais, direitos sociais, econômicos e
culturais, e direitos relacionados à fraternidade e à solidariedade (ARAUJO. NUNES
Nesse mesmo sentido, com sede no princípio da primazia da Constituição Federal, o
constitucionalista José Afonso da Silva (1996, p. 179-180) aponta os seguintes adjetivos
intrínsecos aos direitos fundamentais:
a) Historicidade – como qualquer direito, nascem, modificam-se e desaparecem;
b) Inalienabilidade – porque não possuem conteúdo econômico-patrimonial, sendo
c) Imprescritibilidade – sendo exigíveis a todo tempo;
d) Irrenunciabilidade – não se pode renunciar direitos fundamentais, ainda que não
estejam sendo exercidos.
Como reflexo de seus caracteres, cumpre abordar sobre a “inabolibilidade” dos
direitos fundamentais, significando dizer que outra norma não poderá suprimir ou ferir o
núcleo essencial de tais direitos. Seguindo os termos do artigo 60, § 4º, da Constituição
Federal, quando dispõe: “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir: IV – os direitos e garantias individuais” (FERREIRA FILHO, 2010, p. 324).
No sentido de que a Constituição presume ser um direito fundamental todo aquele
naturalmente ligado ao regime e princípios que adota, como o da dignidade da pessoa
humana. Pois, o dispositivo visa reconhecer limitações de cunho material, em atendimento à
necessidade de preservação de um conteúdo mínimo estabelecido pelo constituinte, em face
da contínua adequação da Constituição à realidade social, denominando as chamadas
Vale lembrar que deve ser lido “direitos e garantias individuais” como direitos e
garantias fundamentais, pois a “inabolibilidade” protege todos os direitos fundamentais, sendo
abrangidos os direitos sociais e as liberdades (FERREIRA FILHO, 2010, p. 324).
Nessa perspectiva, as “cláusulas pétreas” são normas que não são passíveis de emenda,
pois os direitos políticos e sociais devem ser resguardados, na medida em que constituem o
pilar da estrutura e da identidade da própria Carta Magna, a dignidade da pessoa humana.
Sendo constituída a proteção aos direitos fundamentais, sejam eles individuais, políticos,
sociais, econômicos, culturais, ambientais, e os infanto-juvenis.
Desta forma, qualquer emenda que vislumbre abolir quaisquer direitos fundamentais
da criança e do adolescente fere frontalmente a Carta Constitucional.
Nesse diapasão, mediante a constatação de características comuns aos direitos
fundamentais, todos os direitos que contenham tais adjetivos integram tal categoria jurídica,
independentemente de se localizarem na parte reservada aos direitos fundamentais no texto
Lembrando que é devida uma interpretação jurídica pertinente para identificá-los, pois
é a esta interpretação sistemática que faz com que os direitos sejam difundidos no texto
constitucional (ARAUJO. NUNES JÚNIOR, 2003, p. 91-92).
O artigo 227, “caput”, da Constituição Federal é reconhecido como a Declaração de
Direitos Fundamentais da população menorista, pois ao tratar de direitos fundamentais
infanto-juvenis, tal artigo norteia que são garantidos:
à criança e ao adolescente, como dever da família, da sociedade e do
Estado, com prioridade absoluta, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Valendo mencionar que tais direitos dispersos não se restringem ao referido artigo
227, havendo outros direitos fundamentais diversos, sendo:
• Artigo 7º, inciso XXXIII: proibição de trabalho noturno, perigoso e insalubre a
menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de
aprendiz, a partir de 14 anos;
• Artigo 226, § 6º: equiparação de filhos e a vedação de designações discriminatórias
• Artigo 228: inimputabilidade dos menores de 18 anos, sujeitos à legislação especial;
• Artigo 229: assistência e educação por parte dos pais.
A atual Constituição Brasileira não enumera exaustivamente os direitos fundamentais,
admitindo-se haver outros direitos dessa natureza, direitos estes implícitos, decorrentes do
regime e dos princípios. Como se observa na previsão do o artigo 5º, § 2º, em sede
constitucional, quando faz referência aos “Tratados Internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja Parte”.
Sendo também o caso da recepção dos diplomas atinentes aos direitos humanos pelo
ordenamento jurídico. Lembrando que a Emenda Constitucional 45/2004 elucidou que apenas
se formalizam como normas constitucionais os tratados ou convenções sobre direitos
humanos que atendam as formalidades de aprovação do § 3º do artigo 5º da Norma Ápice. Em
que pese haver entendimento do Supremo Tribunal Federal de que todos os tratados sobre
direitos humanos tenham nível constitucional.
E em se tratando dos direitos atinentes à criança e ao adolescente, tem-se em destaque
alguns documentos internacionais: a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança,
aprovada pela ONU em 20 de novembro de 1989, pela qual se consagrou a Teoria da Proteção
Integral; a Declaração de Genebra de 1924, pela qual se declarou a necessidade de proclamar
à criança uma proteção especial; a Declaração Universal de Direitos Humanos aprovada pelas
Nações Unidas em 1948, que no seu artigo XXV reconheceu à infância o direito a cuidados e
assistência especiais, igualando crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio. E ainda, a
Declaração Universal dos Direitos da Criança, em 1959, que normatizou a especial proteção
para a criança, mediante promulgação de leis atendendo ao “interesse superior da criança”.
Pelo ordenamento jurídico pátrio, os direitos fundamentais não são apenas os dispostos
no início da Carta Magna ou os dispersos em seu bojo, há ainda aqueles recepcionados da
legislação internacional. Assim sendo, os direitos de proteção à infância e a juventude,
convencionados nos diplomas internacionais dos quais o Brasil é parte, também pertencem à
Constituição Federal, com inerência de direitos fundamentais.
Do presente estudo, observa-se que os direitos da criança e do adolescente encontram-
se normativizados no Texto Maior, e sua natureza de direitos fundamentais dispersos é
vislumbrada em acordos internacionais celebrados e/ou ratificados pelo Brasil, bem como na
Lei Federal nº 8.069/90. Desta forma, por constituírem direitos duplamente fundamentados no
sistema constitucional, proveniente da Carta Magna de 1988, bem como na legislação
infraconstitucional, mediante o Estatuto da Criança e do Adolescente, são consubstanciados
em um limite mínimo a ser respeitado pelo legislador ordinário.
1.2 – TEORIA DA PROTEÇÃO INTEGRAL
A Teoria da Proteção Integral consagrou-se no âmbito jurídico em 20 de novembro de
1989, mediante a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, promovida pela
Organização das Nações Unidas.
Esta Convenção, nos termos de seu artigo 37, normatizou o imperativo de defesa aos
interesses dos menores de dezoito anos de idade, com repúdio a qualquer resquício de
Tal Convenção foi resultado da atuação de quarenta e três países-membros da
Comissão de Direitos Humanos daquele organismo internacional, para comemoração dos
trinta anos da Declaração Universal dos Direitos da Criança, reconhecendo em um documento
as normas que os países signatários deveriam incorporar a sua ordem interna de forma efetiva,
como garantismo aos direitos infanto-juvenis.
O termo proteção indica uma das condições essenciais do ser humano que é a
necessidade de outros seres humanos. Essa proteção desencadeia uma redução da liberdade
real do protegido, pois este deve seguir os indicativos apresentados pelo protetor, seja na
forma de lei ou de outros instrumentos legais e morais. Consubstanciando uma situação típica
do ser humano, e no caso da criança, esta irá necessitar de um orientador para educá-la,
fornecer-lhe alimento, e por conseqüência haverá instrumentos de disciplina e educação.
Situação válida também na relação do menor com outros adultos que sejam a qualquer título
encarregados de proteção (MESSENDER, 2010, p. 10).
Esta teoria entende a criança e o adolescente como sujeito de direitos fundamentais,
figurando como titulares de interesses subordinantes frente à família, à sociedade e ao Estado.
Tendo como fomento a lógica da liberdade, da vida em sociedade e suas respectivas
transformações, ao enaltecer os direitos relativos à liberdade, ao respeito e à vida digna
Há outros documentos na seara internacional que afirmaram a Teoria da Proteção
Integral, influenciando a legislação menorista pátria, como: Regras Mínimas de Beijing, de 29
de novembro de 1985; Regras das Nações Unidas para a Proteção de Jovens Privados de
Liberdade, de 14 de dezembro de 1990; Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da
Delinquência Juvenil – Diretrizes de Riad, de 14 de dezembro de 1990 (ISHIDA, 2009, p. 06-
Com o advento das normas do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, esta foi
a teoria adotada no ordenamento pátrio, visando-se a proteção dos direitos fundamentais da
criança e do adolescente, coadunando assim com o disposto na Carta Magna de 1988.
Segundo ensina a doutrina pátria:
O Estatuto da Criança e do Adolescente surge a partir da proteção
constitucional integral que ensejou a criação de disciplina científica
destinada a estruturar, através de um microssistema, o direito da
criança e do adolescente (ISHIDA, 2009, p. 09).
Entretanto, é valido acordar que, no Brasil, a Teoria da Proteção Integral fora
antecedida pela Doutrina da Situação Irregular, esta que fomentou a Lei Federal nº 6.697 de
10 de outubro de 1979, conhecida como Código de Menores.
Inaugurada no Congresso de Paris, em 1911, e na Declaração de Genebra de 1924, a
Doutrina da Situação Irregular reconhecia um Direito da Criança, sendo direcionado mais
para um caráter tutelar do sistema judicial, visando à proteção de crianças e adolescentes
O antigo Código de Menores associava uma situação de pobreza à delinqüência, tendo
um caráter discriminatório e segregador, entendia um menor de baixa renda como inferior, e
por isso deveria o Estado tutelá-lo (MESSENDER, 2010, p. 05).
Nos termos do Código de Menores de 1979, considerava-se em situação irregular, o
I- privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução
obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:
a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
II- vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou
responsável;
III- em perigo moral, devido a:
a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;
b) exploração de atividade contrária aos bons costumes;
IV- privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos
pais ou responsável;
V- com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou
comunitária;
VI- autor de infração penal.
O Antigo Código ainda tratava de um permissivo legal aos magistrados da época, a
expedição de portarias sobre os mais variados temas, sendo atos que dispensavam maiores
formalidades. Segundo o artigo 8º da Lei nº 6.697/79, o conteúdo de tais atos poderia ser de
ordem geral, ao prudente arbítrio do juiz, sendo medidas que por vezes restringiam direitos
dos infantes (DIGIÁCOMO, 2011, online).
Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, observa-
se que o Código de 1979 não era mais compatível com os princípios da Carta Magna, nem os
da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, de 1989. Uma vez que houve a adoção
da Teoria da Proteção Integral pela Norma Ápice, quando em seu artigo 227, e no seu
desdobramento, diga-se Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal nº 8.069 de 13 de
julho de 1990, vê-se expressamente o enunciado: “esta lei dispõe sobre a proteção integral à
E como um dos reflexos dessa proteção, a nova legislação, em atendimento a ordem
constitucional de 1988, manteve o instituto da portaria judicial, mas com a caracterização de
medida disciplinar, oriunda do poder jurisdicional da autoridade judiciária competente
(DIGIÁCOMO, 2011, online).
Por conseqüência, a portaria judicial disciplinadora deve respeitar processo especial,
com limites protetivos próprios, mediante reconhecimento do menor como sujeito de direitos,
conforme indica o artigo 149 do Estatuto Menorista de 1990.
Para a doutrina pátria, “essa lei é a semente de transformação do país”, e a sua
efetividade plena proporcionará a vida digna para toda criança e adolescente (MESSENDER,
2010, p. 07). Indicando como objetivo do Estatuto da Criança e do Adolescente o pleno
desenvolvimento do menor, abrangendo aspectos físicos, morais e espirituais.
E seguindo a mencionada legislação de 1990, a doutrina que trata da Proteção Integral
indica quais órgãos compõem o chamado Sistema de Garantia dos Direitos, tendo por objetivo
zelar pelo cumprimento da Lei, sendo: do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente nas esferas municipal, estadual e federal; Conselho Tutelar; Defensoria Pública,
o Ministério Público, as Delegacias e o Poder Judiciário.
Em uma análise simplória, pode-se dizer que o direito da infância e da juventude antes
baseado em meros níveis econômicos, passou a uma perspectiva do menor como sujeito de
direitos, garantidos pela legislação estrangeira, pela Norma Ápice Pátria, e ainda por
legislação infraconstitucional brasileira. Pois a Teoria, então adotada, ressalta a garantia do
pleno desenvolvimento infanto-juvenil, sendo uma vertente dos direitos fundamentais, que
abrange a cooperação entre Estado, família e sociedade, em prol do interesse superior da
1.3 – PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA
Em se tratando dos direitos infanto-juvenis, um dos princípios consagrados pelo
ordenamento jurídico brasileiro é o Princípio do Melhor Interesse da Criança, que por sua
relevância merece a devida atenção.
No que tange à origem do aludido princípio, a professora da PUC/RJ, Tânia da Silva
Pereira (2010, online), em trabalho científico, citando o doutrinador inglês Daniel B. Griffith,
ensina que a fonte de tal mandamento fora o instituto do “parens patriae”, oriundo da
Inglaterra do século XIV, era uma prerrogativa da Coroa para proteger os indivíduos que não
tivessem o discernimento necessário para administrar seus próprios interesses. No período, era
nomeado um “guardião supremo” para proteger as crianças e os deficientes mentais.
Para o autor inglês, o instituto pode ser definido como “a autoridade herdada pelo
Estado para atuar como guardião de um indivíduo com uma limitação jurídica”. A partir do
século XVIII, as Cortes inglesas distinguiram as atribuições do “parens patriae” de proteção
infantil das de proteção dos deficientes mentais. Griffith refere-se também ao caso “Finlay v.
Finlay”, como demonstração de aplicação do referido instituto no caso concreto, datado
daquele período, um julgado do Juiz Cardozo, no qual fora ressalvado o bem estar da criança
como sobreposição à controvérsia das partes adversas, os pais.
Somente no século XX, especificamente em 1989, é que o Princípio do Melhor
Interesse da Criança foi confirmado, quando da Convenção Internacional dos Direitos da
Pelo Decreto nº 99.710/90, o Brasil tornou-se signatário, emanando a tradução oficial
do artigo 3.1: “todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas
ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos,
devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança”.
Assim, observa-se que ao retificar a Convenção, Princípio do Melhor Interesse da
Criança consolida-se no ordenamento pátrio, atendendo ao disposto no § 2º do artigo 5º, da
Constituição Federal, ao ser incluído entre os direitos e garantias decorrentes do regime e dos
princípios adotados pelas bases constitucionais.
Nesse viés o Brasil incorpora em caráter definitivo o referido princípio, sendo
considerado um norteador importante para modificação e aplicação da legislação interna no
que tange à proteção do menor (BRANDÃO NETTO, 2009, online).
Em relação à nomenclatura do aludido princípio, em que pese a versão brasileira
referir-se a “maior” interesse da criança, dando uma caráter quantitativo, a melhor doutrina
pátria acorda para a relevância do caráter qualitativo da matéria, cabendo por este motivo
dizer-se Princípio do “Melhor” Interesse da Criança, ou ainda Princípio do Superior Interesse
Atendendo, assim, ao norte transmitido pela Convenção de 1989, bem como às
orientações da Constituição Pátria de 1988, em especial no seu artigo 227, “caput”, proclama:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
A Convenção de 1989, em seu artigo 1º, direciona como seus destinatários as crianças,
sendo “todo ser humano com menos de 18 anos”. Nos termos do artigo 2º do Estatuto da
Criança e do Adolescente, entretanto, observa-se que o legislador pátrio entendeu ser
fundamental a fixação de duas faixas etárias para esses titulares. Por conseguinte, foram
considerados no Brasil criança “pessoa até 12 anos de idade incompletos”, e adolescente
“aquela entre 12 e 18 anos de idade”. Desta forma, em se tratando de Princípio do Melhor
Interesse da Criança deve ser entendida uma devida extensão aos adolescentes, coadunando
assim com a norma estrangeira.
Lembra Messeder (2010, p. 11) que apesar de a lei apenas proclamar o critério de
idade cronológica para diferir crianças, adolescentes e adultos, é de se observar que o
fundamento para tal distinção é de ser um “meio divisor para aplicação de medidas
sócioeducativas”. Externando ainda o autor que nesse aspecto cabe uma reflexão mínima, no
fomento de que os conceitos de criança e adolescente são subjetivos, e a sua distinção etária
se perfaz meramente em convenções legais.
No que tange à aplicação do Princípio do Melhor Interesse da Criança, no âmbito do
Poder Legislativo vê-se o Estatuto da Criança e do Adolescente como um consolidador de
normas emanadas pela Lei Maior, sendo especificadas as linhas de melhor interesse da
criança. Em relação ao Poder Judiciário e ao procedimento administrativo, é devido a
ocorrência de procedimentos céleres e eficientes a fim de evitar quaisquer prejuízos aos
Lembrando que o Estatuto da Criança e do Adolescente, nos termos de seu artigo 28, §
1º, dando vigência ao disposto no artigo 12 da Convenção de Direitos da Criança e do
Adolescente, assegura aos seus protegidos, enquanto sujeito de direitos, o direito de emitir sua
opinião nos procedimentos sempre que possível, sendo ouvido por equipe profissional,
respeitando obviamente suas limitações cognitivas. Uma vez que a oitiva infanto-juvenil é
considerada pela doutrina como uma relevante contribuição na orientação do magistrado na
concretude ao atendimento do melhor interesse da criança.
No mesmo entendimento segue o artigo 45, § 2º do supracitado Estatuto relativo ao
consentimento do adolescente nos casos de adoção, o qual fora reproduzido no texto do
Ainda no âmbito de aplicação do referido princípio, é válido acrescer que o magistrado
não possui um poder discricionário ilimitado, cabendo-lhe preservar pelo máximo de
otimização do melhor interesse da criança, mediante a observância das regras constitucionais
e infra-constitucionais atinentes a matéria.
Seguindo a melhor doutrina pátria, tem-se que é necessário observar o direcionamento
existente para a interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente. O artigo 6º da
legislação aduz que a hermenêutica jurídica do aludido estatuto é norteada por quatro fatores:
1. Os fins sociais a que ela se dirige; 2.as exigências do bem comum;
3. Os direitos e deveres individuais e coletivos; 4. a condição peculiar
da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento
(MESSENDER, 2010, p. 23).
Nesse sentido, cabe ressaltar que pelo seu caráter normativo, o princípio do melhor
interesse da criança deve ser ponderado em relação aos demais princípios, mediante um caso
concreto. Consubstancia-se em uma proteção especial para a infância e juventude embasada
constitucionalmente, que ratifica Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente. Incorporando, assim, o princípio do melhor interesse da
criança ao ordenamento pátrio.
Por essa ótica de que a defesa ao infanto-juvenil é de responsabilidade de todos e com
prioridade absoluta, asseverada pelo artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente,
alguns juízes decretaram a medida judicial Toque de Acolher, sendo uma portaria com a
finalidade de disciplinar a condição de infante. Seguindo o indicativo do artigo 227 da
Constituição Federal, pelo qual salvaguardar o menor de toda forma de negligência também
se configura em dever do Magistrado.
Observa-se que pela Justiça Brasileira, os pais devem fazer o melhor para seus filhos,
mas tal decisão não possui caráter absoluto, pois se houver exposição do infante a risco, ou
seja, “em situação que atente contra seu desenvolvimento moral ou intelectual”, poderá o
Estado intervir por meio de atividades supletivas, como a intervenção do Judiciário através de
portarias disciplinadoras para os menores (BRANDÃO NETTO, 2009, online).
1.4 – PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE
1.4.1 – Princípios Fundamentais no Estatuto da Criança e do Adolescente
Na observância do Estatuto da Criança e do Adolescente, pode-se afirmar que as
cláusulas pétreas, advento da Norma Ápice de 1988, foram ratificadas no Título II da Lei nº
8.068 de 1990, sendo: o direito à vida e à saúde, direito à liberdade, ao respeito e à dignidade,
direito à convivência familiar e comunitária, direito à educação, à cultura, ao esporte e ao
lazer, direito à profissionalização e à proteção ao trabalho.
Nesse sentido, seguindo a Teoria da Proteção Integral e o Princípio da Prioridade
Absoluta, o Estatuto da Criança e do Adolescente criou um amplo sistema de garantias de
direitos infanto-juvenis, representando uma nova política estatutária nessa seara, pela qual
foram apresentados conceitos para uma melhor orientação ao intérprete, sendo (ALMEIDA,
Princípio da Prevenção Geral – Artigo 54, I a VII, c/c artigo. 70. O Estado deve
assegurar à criança e ao adolescente as necessidades básicas para seu pleno desenvolvimento,
mediante orientação educacional, assim como prevenir a ocorrência de ameaça ou violação
Lembrando que a obrigação do zelo pelos infantes é dos pais, entretanto se estes
falham, por negligência, não impedindo que os menores sofram com a exposição à drogas,
bebidas alcoólicas ou prostituição, não cabe ao Estado se omitir. Tendo, pois, o dever de atuar
em prol de findar tal risco, uma vez que o artigo 5º prevê punição às autoridades no caso de
atentado aos direitos fundamentais dos menores.
Complementando tal entendimento, o Magistrado Evandro Pelarin, Juiz da Comarca
de Fernandópolis, interior do Estado de São Paulo, diz que:
Não conseguindo os pais cumprir, satisfatoriamente, a obrigação de
proteção, o ECA OBRIGA não só que o Estado atue, como o Estatuto
prescreve também, textualmente, que os pais devem obedecer às
ordens judiciais no sentido da prevenção e da proteção. Isso significa
dizer, v.g., que, se os pais não fixam um horário para o filho retornar
para casa, caso o Juiz o faça, os pais devem observar e cumprir essa
ordem judicial, conforme o art. 22 do Estatuto (BRANDÃO NETTO,
2009, online).
Princípio da Prevenção Especial - Artigo 74 indica que o Poder Público deverá
regular, através de órgãos competentes, as diversões e espetáculos públicos, demonstrando o
que se perfaz em inadequado.
Princípio de Atendimento Integral - Artigos 3º, 4º e 7º. O menor tem direito a
atendimento integral em prol de seu pleno desenvolvimento (vida, saúde, educação, esporte,
lazer, profissionalização, etc). A Constituição Federal inicialmente imputa aos pais o dever de
assegurar os direitos das criança e adolescente, e supletivamente ao Estado e à sociedade
(MESSENDER, 2010, p. 14).
Princípio da Garantia Prioritária – Parágrafo único do artigo 4º c/c os artigos 59, 87,
88 e 261, parágrafo único. Tem primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias, bem como precedência de atendimento público, e preferência na formulação e
execução das políticas sociais públicas, mediante destinação privilegiada de recursos públicos
nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Princípio da Proteção Estatal – Artigo 101 c/c artigo 98. Visando a sua formação
biopsíquica, social, familiar e comunitária, através de programas de desenvolvimento, podem
ser aplicadas medidas específicas de proteção.
Valendo acordar que o rol apresentado pelo artigo 101 do ECA é meramente taxativo,
podem assim ser aplicadas outras medidas de proteção, como se lê:
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a
autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes
medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo
de responsabilidade(...); II - orientação, apoio e acompanhamento
temporários(...); III - matrícula e frequência obrigatórias em
estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em
programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao
adolescente ; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou
psiquiátrico, em regime hospitalar o u ambulatorial; VI - inclusão em
programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a
alcoólatras e toxicômanos; VIII - inclusão em programa de
acolhimento familiar;(...).
Princípio da Prevalência dos Interesses do Menor – Artigo 6º. O Estatuto, em sua
interpretação, leva em conta os fins sociais a que se dirige, as exigências do bem comum, os
direitos e deveres individuais e coletivos, e sua condição peculiar de pessoa em
Princípio da Indisponibilidade dos Direitos do Menor – Artigo 27. Sendo o
reconhecimento do estado de filiação um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível.
Princípio da Sigilosidade – Artigo 143 c/c artigo 247. Na qualidade de sujeito de
direitos, o estatuto visa proteger o menor de exposição injusta e prejudicial, considerando ser
pessoas ainda em formação e “cujo deslize de conduta praticado na juventude poderá
machucá-lo por toda vida adulta” (MESSENDER. 2010, p. 223).
Princípio da Gratuidade - Artigo 141, ECA c/c artigo 5º, inciso LXXIV, parágrafos 1º
e 2º da Constituição Federal. Garante o acesso de toda criança ou adolescente à Justiça,
mediante prestação de assistência judiciária gratuita a todos que necessitarem.
Por tais princípios, observa-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente, em
especial seu artigo 4º, proclama a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, tendo os
mesmos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, com a ressalva do respeito à
Proteção Integral que também trata a Lei. Assim, observa-se que o referido artigo relativiza os
direitos infanto-juvenis por entender que são indivíduos em desenvolvimento, em constante
situação de risco devido a sua incapacidade ou capacidade civil limitada.
Por outras palavras, se uma medida de proteção respeitar princípios de brevidade e
excepcionalidade, oriundos da condição peculiar do infante, haverá respeito à Lei Maior.
Sendo tais preceitos que regem o Toque de Acolher, pois em sua prática não há apreensão do
menor, apenas este é encaminhado aos pais ou responsáveis, se identificados em situação de
vulnerabilidade, diga-se risco (BRANDÃO NETTO, 2009, online).
1.4.2 - O Direito de Liberdade de Locomoção do Menor
Pela leitura do artigo 16, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente depreende-
se a abrangência do conceito de liberdade do infante, indicando os aspectos, entre outros, de
“ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições
As referidas restrições podem ser vinculadas a atos infracionais, as chamadas medidas
socioeducativas de contenção de liberdade, bem como indicativos de proteção, a exemplo dos
artigos 80 e 74, respectivamente, a restrição de permanecer em locais que explorem jogos de
azar e proibição de freqüentar locais a eles não recomendados.
Nesse sentido, com base na aplicação do artigo 3º do Estatuto da Criança e do
Adolescente, o direito à liberdade da pessoa em desenvolvimento não é absoluto, pois
“encontra seus limites nos demais direitos igualmente previstos na Constituição Federal
(princípio da relatividade ou conveniência das liberdades públicas)”. Atendendo assim, ao
princípio da Proteção Integral do infanto-juvenil (BRANDÃO NETTO, 2009, online).
Por essa ótica, observa-se que condição jurídica do menor indica limitação à sua
liberdade de ir, vir e permanecer. No sentido de que a criança e o adolescente não podem se
locomover em logradouros públicos de forma absoluta. Devendo o artigo 5º da Norma Ápice,
que trata dos direitos e garantias individuais, ser relativizado em face da Proteção Integral.
Os defensores do Acolher abordam como um pilar de seus argumentos a busca
incessante pela proteção dos menores. Pois, quando expostos a vias públicas em determinados
horários, estes se tornam vulneráveis ao incentivo de práticas ilícitas, como aliciamento de
menores e tráfico de drogas.
Nessa perspectiva, ensina o professor paraibano José de Faria Tavares que a liberdade
A liberdade física de Locomoção não quer dizer, entretanto, que se
tem de deixar a pessoa legalmente considerada hipossuficiente ao
deus-dará, perambulando à toa, vida errante, sem rumo, sem ponto de
destino. A liberdade orientada, protegida, é que a autêntica liberdade
do infante ou jovem inexperiente nos caminhos da vida, a liberdade
alcançada por meio da educação (BRANDÃO NETTO, 2009, online).
É preciso observar que os infantes não possuem capacidade plena, e por esse
pressuposto devem submissão à vontade dos pais ou responsáveis. A limitação de horários de
chegada e saída em casa pode ser considerada uma imposição natural para educação dos
Todavia, mediante realidades em que esta autoridade familiar não se perfaz na eficácia
vislumbrada, o Juízo da Infância e da Juventude vem estabelecendo portarias, em algumas
Comarcas brasileiras, como medida de auxílio aos pais, posto que no conteúdo de tais
portarias se o infante estiver na companhia de seus pais ou de responsáveis não há proibição
de trânsito livre em quaisquer horários (BORGES DA SILVA, 2010, p. 406-407).
Afinal, se a liberdade de locomoção da criança e do adolescente, não for direito
adequadamente regulamentado, pode resultar em violação a outros direitos, do próprio infante
ou da sociedade, eventualmente atingidos por comportamentos inadequados e/ou ilícitos,
como resultado da ausência de orientações educacionais e cívicas de pais ou responsáveis.
Assim sendo, ainda que o infante possua direitos fundamentais, constitucionalmente
garantidos, como o da Liberdade, não se pode olvidar a aplicação da Proteção Integral tão
bem posta no ordenamento jurídico brasileiro, em virtude da relativização dos princípios
perante interesses maiores da própria coletividade.
1.5 - A COMPETÊNCIA DISCIPLINAR DA JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA
Obedecendo a orientação constitucional do Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição,
no artigo 5º, inciso XXXV, pela qual não pode o juiz deixar de apreciar situações que
envolvam lesão ou ameaça a direito, aliado ao direito fundamental de proteção aos infantes, o
Estatuto da Criança e do Adolescente segue um modelo de jurisdição voluntária, também
denominada graciosa ou administrativa, no sentido de evitar a formação de futuros litígios.
Ratificando um dos princípios consagrados internacionalmente, diga-se na Declaração
Universal de Direitos da Criança de 1959, de que a criança, em sentido amplo, goza de
Nessa perspectiva, em se tratando de competência disciplinar do Juízo da Infância e
Juventude, não se aplica o Princípio da Inércia do Juiz, em virtude da tendência de uma
atuação mais ativa no processo. Havendo, por conseguinte, um poder discricionário deste
juízo, conforme demonstra a própria legislação ao manter o instituto da portaria judicial, nos
termos do artigo 149 da Lei nº 8.069/90. Demonstrando, assim, que a autoridade judiciária
tem competência para expedição de portarias disciplinares, de caráter normativo, desde que
atendidas às formalidades especiais e princípios legais.
Nesse diapasão, configura-se um juízo dotado de discricionariedade a ser exercida na
estrita observância dos ditames legais, sob pena de nulidade de determinado ato.
Diferentemente do disposto do artigo 8º do antigo Código de Menores que autorizava
portarias de caráter geral, sem qualquer previsão na legislação.
No que tange à lição do tão mencionado artigo 149 do Estatuto, este reza:
Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de
portaria, ou autorizar, mediante alvará:
I - a entrada e permanência de criança ou adolescente,
desacompanhado dos pais ou responsável, em: a) estádio, ginásio e
campo desportivo; b) bailes ou promoções dançantes; c) boate ou
congêneres; d) casa que explore comercialmente diversões eletrônicas;
e) estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e televisão.
II - a participação de criança e adolescente em: a) espetáculos públicos
e seus ensaios; b) certames de beleza.
Há doutrinadores que consideram a enumeração do artigo supracitado como
absolutamente taxativa, indicando que à margem dos casos restritivamente indicados, não
possui o Juiz da Infância e da Juventude competência para expedição de portarias e alvarás. E,
portanto, qualquer ato judicial que extrapole os referidos parâmetros/limites legais será nulo
Como exemplo, tem-se que as portarias judiciais disciplinadoras fundadas no referido
artigo 149, poderão atingir crianças ou adolescentes, apenas se estiverem desacompanhados
de seus pais ou responsável legal, e nos estritos locais postos no artigo (DIGIÁCOMO, 2011,
Entretanto, por tal discricionariedade peculiar ao magistrado da infância e juventude, o
rol do artigo 149 não é taxativo, sendo ainda autorizado pelo artigo 153 do Estatuto menorista
procedimentos verificatórios de situações não previstas, bem como providencias
diversificadas para atender circunstancias peculiares, sempre fundadas em leis, mediante a
oitiva do Ministério Público (BRANDÃO NETTO, 2009, online).
Sendo este entendimento ratificado pelo recente Acórdão do Egrégio Tribunal do
Estado de São Paulo, na Apelação n° 990.10.094596-3, da Comarca de Fernandópolis, tendo
como partes a Promotoria e o Juízo local, segundo dito:
APELAÇÃO CÍVEL - Portaria do Juízo da Infância e Juventude -
Regulamentação do ingresso e permanência de menores de dezoito
anos, desacompanhados de seus responsáveis legais, em
estabelecimentos comerciais: bares, restaurantes, lanchonetes e
similares, após as vinte e três horas, que comercializem bebidas
alcoólicas - Observância ao artigo 149 do ECA - Rol não taxativo -
Cabimento da interpretação analógica, para equiparação dos
estabelecimentos a boates, quando associados ao horário noturno e
comércio de bebidas alcoólicas - Portaria editada com ampla
fundamentação e respaldo em inquérito administrativo -
Procedimento efetivado com base no artigo 153 do ECA - Oitiva
prévia de todos os seguimentos da sociedade, inclusive do Ministério
Público - Desnecessidade de sua participação em todos os atos
investigativos do Juízo - Inocorrência de restrição aos direitos de
terceiros ou à liberdade de locomoção dos jovens - Direitos a serem
exercidos em harmonia com os demais direitos fundamentais da
criança e do adolescente (...) ( Relatora Desembargadora Maria Olívia
Alves, órgão julgador Câmara Especial. Julgado em 13/12/2010.
Publicado em 30/12/2010) (destaque nosso).
Conforme visto, a elaboração das referidas portarias disciplinares decorre de atuação
de jurisdição voluntária, fundada em legislação específica. Tais decisões não se tratam de
meros atos administrativos, embora a portaria seja instituto com inerência administrativa, as
normas são baixadas por magistrados competentes, havendo neste caso uma equiparação entre
a esfera administrativa e jurisdicional.
Note-se que há configuração da jurisdição voluntária, quando a intervenção estatal na
administração de interesses privados é realizada diretamente pelos próprios magistrados,
Nesse exercício, o juiz “pratica atos subjetivamente judiciais, mas substancialmente
administrativos”. Sendo atos de direito público com vistas a normatizar situações jurídicas
(CARNEIRO, 2004, p. 41-42).
Assim, a jurisdição voluntária é entendida como atividade administrativa, realizada
por meio de procedimento, com a devida citação do Ministério Público e eventuais
interessados, resultando em ato judicial. Lembrando que o juiz pode valer-se de critérios de
discricionariedade, e este ato não produz coisa julgada material, podendo ser modificado em
face de circunstâncias supervenientes, conforme os Artigos 1.111 e 1.109 do Código de
Os procedimentos de jurisdição voluntária na seara do direito da infância e juventude
podem ser classificados como situações de intervenção do Judiciário na integração da
capacidade jurídica ou no status jurídico das pessoas, a exemplo de colocação do menor em
família substituta, mediante guarda, tutela ou adoção, com previsão na Lei nº 8069/90, em
seus artigos 28 a 52 (CARNEIRO, 2004, p. 44- 45). Desta forma, tem-se que até a
competência prevista no artigo 148 do Estatuto da Criança e do Adolescente pode ser exercida
mediante jurisdição voluntária.
No que tange à limitação da discricionariedade do referido Juízo, proclama o § 1º do
artigo 149 que fatores deverão ser observados quando da expedição de portarias ou
autorização de alvará, quais sejam:
a) os princípios desta Lei; b) as peculiaridades locais; c) a existência
de instalações adequadas; d) o tipo de freqüência habitual ao local; e)
a adequação do ambiente a eventual participação ou freqüência de
crianças e adolescentes; f) a natureza do espetáculo.
Sobre o Princípio da Fundamentação da Decisão, o disposto no artigo 93, inciso IX, da
Constituição Federal, aliado ao parágrafo 2º do artigo 149, do Estatuto menorista, aduz que as
decisões judiciais, diga-se as medidas de proteção adotadas, portarias ou alvarás, devem ser
fundamentadas pelo juiz que as expedir. Todavia, lembra o doutrinador Valter Kenji Ishida
que a vedação a disposições gerais se refere somente aos alvarás, pois é inviável a análise
particular em relação às portarias, pelo seu caráter preventivo (BRANDÃO NETTO, 2009,
Por esta ótica, há o dever de obediência aos limites postos no § 1º do artigo
infraconstitucional tanto para alvará como portarias, mas no que tange a estas é permitida
fundamentação genérica. Por exemplo, no caso de magistrado editar portaria com referência a
horário noturno e venda de bebidas alcoólicas, há limitação do ato judicial, não podendo ser
considerada geral, nos termos ressalvados pelo artigo 149, § 2º. Sendo legal inclusive, a
referida Portaria indicar o exame de casos específicos, por meio de pedidos de alvarás, estes
sim com fundamentação “caso a caso”.
Vale mencionar que contra quaisquer irregularidades de uma decisão dessa natureza,
caberá recurso de apelação, conforme reza o artigo 199 do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Observa-se que a legislação posiciona a portaria na esfera judicial, uma vez que
é baixada por magistrado. Em outras palavras, ensina Guaraci de Campos Viana:
A competência administrativa exercida através de portarias e alvarás
de caráter específico (vedadas deliberações genéricas) está definida no
art. 149 da Lei nº 8.069/90, sendo relevante esclarecer que a Lei
equiparou a esfera administrativa à esfera jurisdicional, no que
concerne aos efeitos jurídicos, como se vê, por exemplo, no art. 199
da Lei nº 8.069/90, admitindo o reexame do recurso através da
apelação (...) (In ISHIDA, 2010, p. 316).
Desta forma, a expedição de portarias e alvarás é de competência disciplinar do Juízo
da Infância e Juventude, devendo seguir procedimento especial visando tal finalidade, com
do
Ministério
Público.
estabelecimento ou área de abrangência da medida. Tudo na defesa do Melhor Interesse do
1.6 – AS MEDIDAS DE PROTEÇÃO NO ECA E A LEI Nº 12.010/09
O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu Título II, dispõe sobre as Medidas de
Proteção aplicáveis aos infantes, em atendimento ao Princípio constitucional de Proteção
Integral. No que tange ao Capítulo I, que trata das disposições gerais sobre o tema, o artigo 98
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são
aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem
ameaçados ou violados: I- por ação ou omissão da sociedade ou do
Estado; II- por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III-
em razão de sua conduta.
Pela hermenêutica do artigo supracitado, é aduzida a possibilidade de intervenção
estatal com vistas a sanar a omissão dos pais ou responsáveis com relação aos jovens, em
virtude do dever de guarda que ambos possuem. Assim, a legislação infraconstitucional
normatiza o dever de atuação do Estado para aplicar as referias medidas “sempre que” houver
ameaça ou violação dos referidos direitos, até mesmo quando gerado por ausência de cuidado
Em relação ao Capítulo II, que trata das Medidas Específicas de Proteção é importante
destacar algumas alterações normatizadas pela Lei nº 12010, publicada em 03 de agosto de
2009, que servem de embasamento para a aplicação do Toque de Acolher. A referida Lei,
conhecida como Nova Lei de Adoção, abrange a temática do direito à convivência familiar
aos infantes, aperfeiçoando a sistemática prevista na Lei nº 8069/90.
Nesse diapasão, o artigo 100 do Estatuto da Criança e do Adolescente teve acrescido
seu parágrafo único, princípios que regem a aplicação das medidas protetivas, em especial nos
incisos I ao III, os quais tratam, respectivamente: do infante como sujeito de direitos, da sua
proteção integral e prioritária, e da responsabilidade primária e solidária do poder público
para efetivação dos direitos assegurados.
Coadunando, assim, com as normas previstas constitucionalmente, as alterações
seguem o objetivo de configurar as medidas de proteção como um ensinamento ao menor,
visando o fortalecimento dos vínculos familiares.
Ainda na observância da Nova Lei de Adoção, é dito:
Art. 19.
§ 1º Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de
acolhimento familiar ou institucional (...).
§ 3º A manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família
terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será
esta incluída em programas de orientação e auxílio, nos termos do parágrafo
único do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art. 101 e dos incisos I a IV
do caput do art. 129 desta Lei. (NR).
Os mandamentos jurídicos elucidados normatizam o Princípio do Acolhimento, por
direcionar prioritariamente, como medida de proteção, o convívio familiar, o que para parte
da doutrina positiva o Toque de Acolher (BRANDÃO NETTO, 2009, online).
Desta forma, tem-se na legislação expressa preferência de encaminhamento para a
criança ou adolescente aos seus pais ou responsáveis, como medida de defesa de sua
integridade física e psicossocial. Coadunando com o que reza o Artigo 101, inciso I, do
referido Estatuto, bem como na lição de seu Artigo 92, a saber:
Art. 92. As entidades que desenvolvam programas de acolhimento
familiar ou institucional deverão adotar os seguintes princípios: (NR)
Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009.
I - preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração
familiar; (NR) Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009.
II - integração em família substituta, quando esgotados os recursos de
manutenção na família natural ou extensa; (NR) Redação dada pela
Lei nº 12.010, de 2009.
Na alusão às medidas de proteção, vale acrescentar que para a efetividade da tutela
processual dos direitos fundamentais dos infanto-juvenis, o Estatuto ainda admite, em seu
artigo 212, a aplicação de “todas as ações pertinentes”. No sentido de possibilitar ao
Judiciário, por exemplo, a aplicação de medidas que atendam às finalidades materiais do caso
concreto, desde que com respaldo na harmonização do direito. Em outras palavras:
(...) Para Ada Pelegrini Grinover isto significa que o dispositivo ora
em exame significa, em última analise, que o sistema processual a de
ser interpretado de modo a autorizar a conclusão de que nele existe
sempre uma ação capaz de propiciar, por um provimento adequado, a
tutela efetiva e concreta de todos os direitos materiais (BRANDÃO
NETTO. 2009, online).
Nesse diapasão, se o infante encontra-se sozinho em logradouros públicos no período
noturno, sujeito aos perigos próprios do horário, seja por sua conduta de não atender
orientações familiares, seja pela omissão estatal em não proporcionar a defesa devida, ou
ainda pela ausência de cuidados de seus pais, não poderá o Juízo da Infância e Juventude
olvidar na busca por medidas de proteção. Sobretudo, para encaminhar a criança ou
adolescente à convivência familiar mediante termo de entrega, sem que desta maneira burle
2 – TOQUE DE ACOLHER COMO PRÁTICA DE ATIVISMO JUDICIAL
Na observância do artigo 2º da Constituição Federal, o qual consagrou o Princípio da
Separação de Poderes, alguns doutrinadores consideram o Toque de Acolher como ofensa à
legislação pátria. Nessa perspectiva, o poder disciplinar dos magistrados, na aplicação dessa
medida, perpassa a competência do Poder Judiciário, pois normas gerais e impessoais seriam
de atribuição do Legislativo.
Por essa visão, o artigo 149 da Lei nº 8.096/90 regula a matéria apresentado uma
enumeração absolutamente taxativa, limitando as hipóteses em que a autoridade judiciária é
competente para expedir portarias. Desta maneira, apenas as situações previstas nos seus
incisos I e II são passíveis de tal regulamentação (DIGIÁCOMO, 2011, online).
Assim sendo, vislumbram que o Toque de Acolher é portaria arbitrária, pois a matéria
disciplinada estabelece regras de caráter geral, burlando o disposto da legislação atinente. O
juiz da infância e juventude estaria extrapolando os parâmetros legais de sua atuação, devendo
seu ato ser considerado nulo de pleno direito.
Em outros termos, segue doutrina de Wilson Donizeti Liberati:
(...) a portaria expedida pelo Juiz da Infância e Juventude não poderá
regulamentar medidas de caráter geral não previstas em lei, como
previa o art.8º do Código de Menores revogado. Elas deverão ser
claras e precisas, com determinação singular dos casos que pretendem
regular, não autorizando o juiz a suprir eventuais lacunas existentes na
lei. Tem-se, pois, que a relação apresentada pelo art.149 é exaustiva,
não sendo possível a interpretação ampliativa de outros casos (1995,
p. 127).
No mesmo diapasão, o Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do
Adolescente do Estado do Paraná aduz que o art. 149, § 2º do ECA, combinado ao art. 93,
inciso IX da Constituição Cidadã, veda as determinações de caráter geral, determinando a
obrigatoriedade da fundamentação da medida caso a caso. Entendendo que não cabe ao
Acolher disciplinar a conduta dos menores em locais indeterminados, pois na adoção da
medida o magistrado estaria indo além da competência estabelecida na legislação
(DIGIÁCOMO, 2011, online).
Por esse entendimento, de que seria o Toque de Acolher uma prática ativista dos
magistrados, é que se faz pertinente abordar o tema Ativismo Judicial no Brasil. Para tanto
será vislumbrado o conceito doutrinário de ativismo judicial, sua aplicação na seara brasileira
e as controvérsias doutrinárias sobre o tema, especialmente no que tange às portarias judiciais
que delimitam horários a crianças e adolescentes.
2.1 - CONCEITO DE ATIVISMO JUDICIAL
A origem do vocábulo ativismo remota o início do século XX, meados de 1916, na
imprensa belga. Todavia, sua consagração se perfez nos Estados Unidos da América,
mediante a postura então adotada pela Suprema Corte, no julgamento de determinado casos
de maior abrangência. Passando a doutrina a conceituar o ativismo judicial como uma postura
a ser adotada pelos exercentes da função jurisdicional que recusa a chamada “moderação
judicial” (CARVALHO, 2009, online). No sentido de que o ativismo judicial expressa uma
postura do intérprete que vai além do legislador ordinário, por atuar de modo expansivo ao
interpretar a Constituição, potencializando o alcance de suas normas.
Para a caracterização do Ativismo Judicial, é necessária a observância do modo de
atuação dos sistemas jurisdicionais, quais sejam “civil Law” e “common Law”, pois o
exercício da função jurisdicional seguirá o papel institucional atribuído em cada sistema ao
Poder Judiciário. Havendo, pois, uma diferenciação quando da avaliação do Ativismo judicial
Elival da Silva Ramos (2010, p. 105) ensina que nos sistemas de “civil Law”, a
jurisprudência segue normas jurídicas previamente estabelecidas pelo legislador, e a este cabe
precisamente estabelecer tais normas. Ao passo que nos sistemas de “common Law”, como é
o caso do direito da Inglaterra e dos Estados Unidos, uma decisão judicial desempenha dupla
função a de definir a controvérsia, e uma função axiológica por ter valor de precedente.
Nessa perspectiva, tem-se que nos sistema anglo-saxônico é adotada uma conceituação
ampla de ativismo judicial, pela qual o desvio de função por parte do órgão jurisdicional, não
possui um sentido negativo enquanto prática de jurisdição. Para os Estados em que adotam
esse sistema, o ativismo é elogiável, na medida em que possibilita uma adaptação do direito
diante novas temáticas axiológicas e pautas sociais.
Ao passo que nos Estados Democráticos é onde geralmente a identificação do
fenômeno ativismo judicial como depreciador da atividade legislativa é mais acentuada, por
conta dos limites impostos à criatividade da jurisprudência, mediante a independência dos
Poderes. Pois, a atividade jurisdicional visa resultados práticos de aplicação do direito
material previamente posto, mediante a pacificação de conflitos interindividuais, através do
Abrangendo os grandes sistemas jurídicos, embora com maior proximidade da família
romano-germânica, em que os sistemas constitucionais têm como um de seus fundamentos a
organização estatal amparada no Princípio da Separação de Poderes, Elival da Silva Ramos
conceitua amplamente o ativismo judicial, como sendo:
o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos
pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder
Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas
(conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva
(conflitos normativos) (2010, p. 129).
Nesse entendimento, o ativismo judicial consubstancia-se em uma atuação de audácia
interpretativa dos juízes, mediante os princípios constitucionais abstratos, a competência
institucional do Judiciário é ampliada, pela qual os conceitos em abstrato ganham significado
preciso, e atos de outros poderes são apreciados quando tratam de tais princípios, como
igualdade, liberdade e a dignidade da pessoa humana. Em outras palavras:
O ativismo judicial é a aplicação de métodos tendentes a prever e
solucionar problemas jurídicos. O juiz pode impor práticas e condutas,
independentemente de provocação expressa por parte dos indivíduos,
entidades ou corporações, na perspectiva de que a sua atuação direta e
discricionária provoca a realização concreta da sentença judicial e
determina modificações na sociedade e nas relações políticas.
Ativismo judicial designa a atividade positiva do juiz para criar,
modificar ou extinguir determinada situação de fato, visando impedir
lesão a direitos fundamentais individuais ou coletivos.
O magistrado deve estar comprometido com a presteza e eficácia das
medidas jurisdicionais, zelando para que o processo seja instrumento
de realização do direito (LOPES, 2011, online).
Grande parte dos Estados democráticos ocidentais organizaram-se nesse modelo de
Separação de Poderes, pelo qual as funções estatais de legislar, julgar e administrar são
atribuídas a órgãos distintos, com sua especialidade e independência. Assim, cada Poder
exerce um controle recíproco sobre atividades de outro, de modo a impedir o surgimento de
instâncias hegemônicas que possam burlar a democracia e os direitos fundamentais
Nesse sentido, seguindo a base de organização de governos na democracia ocidental,
foi que o legislador originário de 1988, no artigo 2º da Constituição Federal do Brasil, adotou
o Princípio da Separação do Poderes, mediante uma divisão funcional do poder, a qual
prenuncia a adoção de um regime em que se atribui funções típicas e atípicas a cada poder,
visando à manutenção de sua independência harmônica.
Leciona Luiz Roberto Barroso que até o advento da Norma Ápice de 1988, a atuação
do Judiciário brasileiro era visando reduzir a interferência na atuação de outros poderes, tendo
uma conduta oposta ao ativismo, a chamada “auto-contenção judicial”. Pela qual:
juízes e tribunais (i) evitam aplicar diretamente a Constituição a
situações que não estejam no seu âmbito de incidência expressa,
aguardando o pronunciamento do legislador ordinário; (ii) utilizam
critérios rígidos e conservadores para a declaração de
inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (iii) abstêm-se de
interferir na definição das políticas públicas (2008, online).
A doutrina pátria entende que posição do judiciário ativismo x auto-contenção,
depende do prestígio nacional que cada poder possua, para então ser delineada a posição do
judiciário. Atualmente, no Brasil, pode-se observar que em face da volúpia popularidade do
Executivo, o Judiciário tem atuado sem maiores interferências. Ao passo que, e se tratando de
um Legislativo configurado em crise de representatividade e de funcionalidade, tem o
Judiciário expandido sua atuação, interferindo em nome da Constituição, para suprir omissões
e/ou até mesmo inovar na ordem jurídica, com decisões de caráter normativo geral.
2.2 - O ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL: A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO
A prática ativista envolve uma transferência de poder aos órgãos do Judiciário, para
decisões que envolvam temas de grande repercussão política ou social. O fenômeno envolve
múltiplas causas, de âmbito externo ou interno, no caso brasileiro pode-se apontar a
redemocratização do país, com o advento da Carta Magna de 1988, e a constitucionalização
abrangente (BARROSO, 2008, online).
Com a amplitude democrática do final da década de 80, houve um maior nível de
informação e consciência de direitos a vários segmentos da população, o que resultou na
busca pela proteção de tais interesses, aumentando e diversificando a demanda na seara da
justiça brasileira. Aliado ao fato de que a magistratura recupera suas garantias, configurando
um Poder Judiciário dotado de vislumbre político, defensor da Constituição e das leis, até
mesmo diante dos Poderes Legislativo e Executivo.
No que diz respeito à constitucionalização abrangente, refere-se ao fato de que
inúmeras matérias foram acrescidas ao texto constitucional, temas antes abordados na seara
do Executivo e do Legislativo, que passaram a ser disciplinados como norma constitucional.
Houve uma transformação de questões políticas em Direito, potencializando pretensões
jurídicas, que podem ser demandadas em ações judiciais.
Alerta Luis Flávio Gomes que a judicialização do Direito pode ser exercida de modo
equivocado e autoritário, pois são os juízes que elucidam a interpretação final da Constituição
e das leis. O referido autor lembra que interpretar a lei é atividade distinta da criação de regra
geral obrigatória, a partir da interpretação exclusiva da Constituição (2008, online).
Assim, observa-se que na seara brasileira, a judicialização decorre do modelo
constitucional que se adotou, e não meramente uma deliberação de vontade política. Prática
que difere do Ativismo Judicial em sentido estrito, por ser este um modo específico de
interpretar a Constituição que expande seu alcance e sentido.
doutrinador
Luiz
Roberto
exemplificativa, algumas condutas enquanto manifestações da postura ativista, sendo:
(i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente
contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do
legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos
normativos emanados do legislador, com base em critérios menos
rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a
imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público,
notadamente em matéria de políticas públicas” (2008, online).
Pelo exposto, cabe a ressalva de que o ativismo, em especial, a judicialização podem
representar alguns entraves democráticos e de funcionalidade, pois abordam questões que
envolvem a legitimidade de seus atores enquanto representantes democráticos, a justiça
debatida como tema político e a capacidade, ou sua falta, institucional do Judiciário para
elucidar determinadas matérias.
Para aqueles que não reconhecem a competência disciplinar dos juízes para editar
portarias que delimitem horários a crianças e adolescentes, há o entendimento de que a
aplicação da medida se perfaz em demonstrativo de judicialização do direito, por ser esta a
expressão de ativismo judicial no modelo de sistema constitucional adotado no Brasil.
Seguindo uma tendência de alargamento da interpretação constitucional, o Judiciário
brasileiro vem abrindo espaço para o ativismo judicial, mediante interpretações extensivas, e
A doutrina pátria apresenta alguns fatores de impulsão para o ativismo no Judiciário
brasileiro, sendo: o modelo de Estado intervencionista adotado, a expansão do controle
abstrato de normas, a fragilidade teórica do neoconstitucionalismo, questões institucionais do
próprio constitucionalismo brasileiro, pela dificuldade de concretizar adequadamente a
Constituição, e ainda a atividade normativa atípica do STF, como a Súmula Vinculante
O próprio Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, então Presidente da
Corte em meados de 2008, ao debater sobre o tema ativismo judicial, reconheceu, naquela
ocasião, que a finalidade da prática não é usurpar a competência do Legislativo, mas
direcionar ao que a Constituição preconiza. Sendo, o ativismo judicial “não uma manifestação
de desapreço com o Congresso Nacional, mas uma tentativa de concretizar a Constituição”
(matéria publicada no site “Consultor Jurídico”, em data de 26-11-2008, sobre o ciclo de
debates: O Poder Legislativo no Mundo Contemporâneo).
E em se tratando de jurisprudência da Suprema Corte Brasileira, há várias decisões em
que se pode detectar o fenômeno do ativismo judicial. Cite-se a questão da fidelidade
partidária, que em nome do princípio democrático, o Supremo Tribunal declarou que a vaga
no Congresso pertence ao partido político, criando assim uma inovadora hipótese de perda de
mandato parlamentar, indo além da manifestação do legislador ordinário.
No que tange à imposição ou abstenção ao Poder Público, um exemplo de ativismo
seria o da intervenção do Judiciário na Administração Pública, notadamente em matéria de
políticas públicas, ao tratar da distribuição de medicamentos e determinação de terapias,
mediante decisões judiciais. Em todo o país, nas Justiças estadual e federal, são inúmeras as
decisões que condenam a União, o Estado e/ou o Município a custear medicamentos e terapias
que não se encontram na lista do Ministério da Saúde ou das Secretarias pertinentes, estaduais
Em que pese os esforços midiáticos para alarmar a notória atuação da Suprema Corte
na prática ativista, é nítido que as instâncias inferiores estejam buscando concretizar direitos
fundamentais, ainda que para tanto necessitem expandir os limites interpretativos das normas
constitucionais e legais. Assim, o que se observa é que juízes de 1ª instância também vêm
atuando de forma ativista, chegando a emanar normas que inovam os ditames jurídicos.
Como exemplo de práticas ativistas nas instâncias inferiores do Judiciário brasileiro,
parcela doutrinária considera a determinação do Toque de Acolher, portaria que determina
horários limites para a permanência de crianças e adolescentes na rua, mediante decisões de
juízes de primeira instância que instituíram em suas comarcas, a exemplo de Taperoão/PB,
Fernandópolis/SP e Santo Estevão/BA. Entendendo que as normas consideradas de caráter
geral, perpassam os limites da competência estabelecida em lei, ainda que a portaria seja
baixada na justificativa da proteção dos interesses infanto-juvenis, enquanto direitos
fundamentais de terceira geração (SILVA, 2009, AMAMSUL).
Assim, restam demonstradas algumas aplicações do Ativismo Judicial no Brasil,
entretanto, o tema ainda gera controvérsias doutrinárias, pois apesar de ser uma prática
comum, vista de forma benéfica por parte da comunidade jurídica, outra parcela de juristas
considera que não cabe ao Judiciário suprir inércias legislativa e administrativa, ainda que na
2.5 – CONTROVÉRSIAS DOUTRINÁRIAS
Ainda na visão dos juristas que não reconhecem a competência disciplinar do juiz da
infância e juventude para decretar as medidas protetivas, Toque de Acolher, entendendo como
caso de ativismo judicial. É notável as divergências doutrinárias sobre o tema.
Parte da comunidade jurídica defende a empregabilidade do ativismo judicial, desde
que de maneira adequada, por considerar importante que o Judiciário supra a inércia
legislativa do Congresso e administrativa do Executivo, visando um aprimoramento da
democracia. Ao passo que outro segmento doutrinário entende que não cabe aos juízes
emanar normas, ainda que almejem garantir direitos.
A civilista Maria Berenice Dias, desembargadora aposentada, é uma das defensoras do
ativismo. Pelo seu entendimento, ao juiz não cabe apenas aplicar a letra da Constituição, mas
avançar para uma Justiça que atenda as necessidades dos cidadãos. Considera que o julgador
deve buscar uma solução justa, suprindo a lacuna do legislativo, para atender as necessidades
sociais. Coaduna com tal entendimento, o doutrinador Edmundo Lima de Arruda Júnior,
diretor do Instituto de Direito Alternativo de Santa Catarina, o qual observa o ativismo como
um “modernizador jurídico” (MILÍCIO, 2009, online).
Os defensores do ativismo compreendem que os membros do judiciário, enquanto
guardiões da Constituição, devem suprir as omissões do legislativo, tendo esse poder de
legislar obediência aos princípios constitucionais. Vislumbram ainda que, desta forma,
imporiam ao legislativo uma ação de estabelecer normas sobre determinado assunto. Tudo na
defesa dos direitos e garantias fundamentais elencadas na Constituição Pátria.
De outro entendimento, seguindo o inciso II do Artigo 5º, da Constituição Federal
Brasileira, tem-se “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em
virtude de lei”. E partindo desse ditame pátrio, uma parcela da comunidade jurídica passa a
questionar o Ativismo Judicial, tão usualmente concretizado nos últimos anos.
Nessa perspectiva, a doutrina pátria de Luiz Roberto Barroso apresenta três objeções
opostas ao ativismo judicial, quais sejam: riscos para legitimidade democrática, a politização
indevida da justiça e os limites da capacidade institucional do Judiciário. Tal visão segue a
lógica da Separação de Poderes, no sentido de que os membros do Judiciário devem aplicar a
Constituição e as leis, seguindo os ditames do legislador ordinário, pois este que detém a
legitimidade democrática, por ser este o representante eleito pelo povo (2008, online).
Alguns constitucionalistas, como Elival da Silva Ramos que fez uma tese sobre
ativismo judicial, também se posicionam contra a prática. Entendendo que, no chamado
ativismo, o juiz ultrapassa os limites permitidos pelo texto normativo, analisando a prática
como uma disfunção do Poder Judiciário, pois apenas o Poder legislativo tem adequação para
criar normas dessa natureza. Para o autor, a interpretação da Constituição deve ser feita de
maneira criativa, solucionando o caso concreto, mas esta atuação difere do ativismo que inova
no direito, expandindo ou criando normas. Pois, quando o Judiciário sobrevaloriza os
princípios constitucionais, resulta em um burlamento de competência, depreciando o
Coaduna dessa visão, o professor Luis Flávio Gomes, explicando que o juiz não tem
legitimidade para inventar regras, ainda que seja o ativismo praticado pelas instâncias
inferiores, em aparo aos desfavorecidos. O jurista entende ainda que o Ativismo Judicial
como a ocorrência da criação de uma nova norma pelo juiz, usurpa a tarefa do legislador, ou
seja, quando o juiz inventa uma norma não contemplada nem na lei, nem dos tratados, nem na
Constituição. O que pela sua visão poderia gerar uma “aristocratização do Direito”, por serem
os parlamentares os legítimos e diretos representantes do povo (2008, online).
Entretanto, em se tratando da especificidade do Toque de Acolher, o referido penalista
não faz referência a ser uma prática ativista, declarou apenas que a medida é compatível “com
o sistema de medidas protetivas que integram a política de atendimento dos direitos da criança
e do adolescente, previstas pelo ECA”, no sentido de que podem diminuir, em sua concretude,
os índices de envolvimento de menores na prática de infrações penais no país (GOMES, 2010,
Pelo exposto, foram apresentados os principais nortes teóricos para elucidação do tema
proposto, ao seguir a orientação interpretativa daqueles que entendem o Toque de Acolher
como um exemplo de ativismo judicial, por impor normas que abarcam direitos
Todavia, independentemente da hermenêutica a ser seguida, renomados juristas, como
Dalmo Dallari, Rogério Greco, Rogério Sanches e Fred Didier, externaram apoio às portarias,
no entendimento de que sua aplicação coaduna com o que rezam os artigos 70, 153, 212 do
Estatuto da Criança e do Adolescente. Ratificando, assim, os Princípios constitucionais da
Proteção Integral e do Melhor Interesse dos Infantes (BRANDÃO NETTO, 2010, online).
3 – OS PARÂMETROS PRÁTICOS DO TOQUE DE ACOLHER
Seguindo a doutrina pátria que considera o Toque de Acolher como uma medida de
proteção, resultado de aplicação constitucional e da legislação, em atendimento a defesa de
crianças e adolescentes, será elucidada a conceituação atinente a referida portaria judicial,
bem como o sentido de sua denominação.
Na sequência, para um melhor demonstrativo de sua aplicação no Brasil, é pertinente
entender a visão mundial sobre a limitação de horários para os infantes. E então, elucidar a
natureza jurídica da medida, bem como da legitimidade do juízo para baixar a referida
Para melhor visibilidade do tema, será avaliado o caso da Comarca de Santo Estevão,
enquanto medida pioneira no Estado da Bahia, objetivando avaliar a implantação do Toque de
Acolher, aliada a sua aplicabilidade frente a comunidade local.
3.1 – CONCEITO E NOMENCLATURA
Comumente no Brasil, tendo por base o Estatuto da Criança e do Adolescente, são
expedidas portarias por Juízes da Infância e Juventude visando regulamentar situações
envolvendo crianças e adolescentes. Quando uma portaria dessa natureza é fomentada na
limitação de horários a infantes, consubstanciando-se em medida preventiva, denomina-se
A doutrina de Ana Carolina Farah conceitua a medida da seguinte maneira:
(...)Trata-se, na verdade, de medida disciplinada em portarias baixadas por
alguns Juízos da Infância e Juventude, estabelecendo horários limites para a
permanência de crianças e adolescentes sozinhos nas ruas (SILVA, In
D‟ANGELO, 2010, p. 403).
Em outros termos, são medidas disciplinares expedidas sob a forma de portarias
judiciais, na finalidade de atender ao Melhor Interesse de Criança e de sua Proteção Integral,
nortes principiológicos indicados pela Constituição Federal, bem como postos na legislação
Tais portarias visam regulamentar, em sua generalidade, o acesso de crianças e
adolescentes em logradouros públicos, espaços comunitários, bailes, festas, promoções
dançantes, shows, boates, congêneres, bares, restaurantes. Para tanto, devem seguir regular
procedimento especial, por vias de jurisdição voluntária, conforme indica o artigo 153 do
No que tange a nomenclatura da medida, observa-se uma variação conforme o
vislumbre sobre a constitucionalidade e legalidade da matéria. Os esforços midiáticos pugnam
pela denominação “Toque de Recolher”, como forma de demonstrar uma reação contrária a
portaria, uma vez que essa expressão possui conotação ideológica, por ser comum em regimes
autoritários e ditatoriais e de uso excepcional em nos Estados Democráticos de Direito.
A origem do nome “Toque de Recolher” remonta basicamente uma prática européia
durante guerras, pela qual, após determinada hora, geralmente a noite, soava uma sirene para
que a população de certa localidade não permanecesse em logradouros públicos, sinalizando a
necessidade de recolhimento dos cidadãos, mediante a ocorrência de bombardeios (ISHIDA,
Desta forma, parte da comunidade civil e jurídica que se contrapõe a medida, resta por
associá-la ao nome “recolher”, como um indicativo de repressão política, de violação aos
princípios da liberdade e da dignidade da pessoa humana. Comparando as portarias judiciais
em questão, com aquelas expedidas de forma aleatória e genérica no período de vigência do
revogado Código de Menores (DIGIÁCOMO, 2011, online).
Vale lembrar que, na época do antigo Código, práticas arbitrárias sem qualquer
cominação legal ou fundamentação constitucional, sem manifestação do Ministério Público,
eram usualmente publicadas. E atualmente, se portarias assim forem expedidas padecerão de
vício insanável, qual seja o da nulidade absoluta.
Nessa seara, é pertinente a distinção do termo “recolher”, conotando nessa seara uma
privação de liberdade, e a designação “acolher”, adotada pioneiramente na Comarca de Santo
Estevão/BA, em 2009, pela qual se vislumbra a portaria judicial como medida adequada ao
Princípio da Proteção Integral, visando o atendimento especial ao menor.
Outro termo que indicaria a real finalidade da medida é o “proteger”. Visando também
contrapor a denominação pejorativa da medida, a juíza Jaqueline Machado chamou a portaria
baixada na Comarca de Nova Andradina, no Estado de Mato Grosso do Sul, de “Toque de
Proteger”, em alusão ao norte consagrado no artigo 1º do Estatuto menorista, bem como no
artigo 227 da Norma Ápice Pátria.
Por essa ótica de enaltecimento ao melhor interesse da criança, entendendo a medida
judicial como benéfica aos menores, escreveu a magistrada Ana Carolina Farah Borges:
Certamente por isso o colega da Comarca de Santo Estevão/BA, Dr.
José Brandão Netto, chamou a medida, em sua portaria de “Toque de
Acolher”, e em Nova Andradina/MS a Dra. Jaqueline Machado a
chamou de “Toque de Proteger”, em contraponto à denominação de
certa forma pejorativa popularizada pela mídia, que leva a
comparações com medidas autoritárias adotadas por regimes
ditatoriais (SILVA, In D‟ANGELO, 2010, p. 408).
Ademais, a nomenclatura da medida para seus defensores resta posta, no geral, como
“Toque de Acolher”, seguindo o entendimento do artigo 70 de ECA que trata da
obrigatoriedade de todos na prevenção de ameaça ou violação dos direitos infanto-juvenis,
pugnando pelo acolhimento e proteção dos infantes.
3.2 - NO DIREITO COMPARADO E A ATUAL APLICABILIDADE NO BRASIL
Nos termos do ordenamento jurídico brasileiro, o infante se dispõe aos cuidados de
seus pais ou responsáveis, bem como da sociedade e da autoridade judiciária. Por
conseguinte, em virtude dessa proteção integral, a liberdade destes assistidos necessita de
orientações, não sendo plena como de um adulto. No geral, observa-se que esse entendimento
jurídico é o adotado em vários países democráticos, como Dinamarca e Reino Unido, onde
medidas semelhantes ao Toque de Acolher foram implementadas, por leis ou por atos
administrativos, obtendo bons resultados (SILVA, In D‟ANGELO, 2010, p. 409).
Por exemplo, na Dinamarca, nas cidades de Silkeborg e Slagelse, a polícia possui
autorização para deter crianças e jovens que estiverem em logradouros públicos entre meia
noite e 5 horas da manhã, com posterior comunicação aos pais ou responsáveis, no fito de que
No Reino Unido, o artigo 30, alínea 6, da Lei de Comportamento Anti-Social de 2003,
impõe restrições a circulações de menores de 16 anos desacompanhados de seus pais ou
responsáveis, de 21 horas as 6 horas. Esta previsão inglesa atribui à polícia certa
discricionariedade para avaliar no caso concreto a situação do menor, e no caso de observar
algum prejuízo ao infante, poderá não encaminhá-lo à sua residência. O governo local
considera a medida legal por preservar a integridade física, social e moral dos infantes
Outro notável exemplo é o da Alemanha, a lei de proteção da juventude desse país é
uma das mais rigorosas da Europa. A imposição de horários aos jovens é tão severa que
ocasionou o fechamento de um dos clubes mais famosos da cidade de Munique, o Maxsuite
perdeu a licença de funcionamento por ter permitido a entrada de adolescentes menores de 16
anos (O GLOBO, 2009, online).
A Islândia também adotou medida similar por meio de uma lei de proteção a criança nº
80/2002, que no geral delimita horários para circulação dos jovens, salvo se na companhia de
seus pais ou responsáveis, ou no caso de estarem a caminho de casa vindo de evento realizado
pela escola, esportivo ou clube juvenil.
A legislação norte americana sobre o tema, por sua vez, é de competência estadual.
Nos Estados Unidos, as medidas protetivas aos infantes são denominadas de “curfew”, e
muitos estados como Georgia, Minnesota, Ohio e Texas incentivam suas cidades na
expedição de restrições para circulação de crianças e adolescentes. Nos anos 80, mediante
altos índices de criminalidade envolvendo menores, houve até limitação de circulação no
horário escolar para os menores. Os Tribunais do país entendem que a medida do “curfew”
possui validade jurídica, dotada de constitucionalidade mesmo que haja restrição a direito
fundamental, mediante o vislumbre de que atende a três objetivos:
(1) proteger as crianças e adolescentes de tornarem-se vítimas ou
praticantes de delitos; (2) assistência aos pais no exercício de suas
responsabilidades sobre os menores; e (3) prevenir todas as pessoas de
perigos que possam vir a ser causados ou sofridos por menores
desacompanhados que estejam tarde da noite ou de manhã bem cedo
nas ruas (ARAGÃO, 2011, online).
Na seara asiática, a Rússia foi o país a adotar, em 2009, uma medida similar ao
Acolher. Por incentivo do então presidente Dmitri Medvedev, o parlamento russo aprovou
uma lei que impõe, no período das 22 horas às 6 horas, proibição de circulação de jovens
desacompanhados de maiores de idade. As restrições, todavia, seguem a realidade de cada
cidade, a implementação da lei deve seguir a necessidade pública apresenta em face das
mazelas locais (O GLOBO, 2009, online).
Pelos exemplos demonstrados, observa-se como finalidade precípua das medidas, o
afastamento do menor a prática de atos infracionais e de suas consequências. É claro que o
demonstrativo se perfaz apenas em uma tendência com fins a empregabilidade da proteção do
infante, como uma elucidação à razoabilidade implementada nos seus direitos e garantias.
No âmbito brasileiro, a constitucionalidade e legalidade das portarias judiciais devem
obviamente ter por norte o ordenamento pátrio. Por exemplo, se na Dinamarca a polícia é
autorizada a deter um jovem por circular em horário indevido, nas medidas preventivas
pátrias não há que se falar em apreensão, em virtude do artigo 230 da Lei nº 8069/90 que só
permite privação de liberdade de criança ou adolescente em flagrante conflito com a lei ou
mediante ordem legal expressa e fundamentada.
Nessa perspectiva, deve-se falar apenas em encaminhamento das crianças ou
adolescentes, quando desacompanhados e encontrados em situação de risco, para o convívio
familiar. Lembrando do dever que os pais possuem do cumprimento às determinações
judiciais, conforme reza o artigo 22 de Estatuto da Criança e do Adolescente. Reconhecendo,
desta forma, a autoridade do juízo competente sobre seus filhos.
Pela atuação do Judiciário brasileiro, após a vigência da Lei Federal nº 8.069 de 13 de
julho de 1990, diversas portarias preventivas foram baixadas para disciplinar o horário de
circulação de crianças e adolescente em vias públicas. Pioneiramente, foram expedidas as
Portarias nº 01 e nº 02, publicadas em 1996, pelo Juízo da Infância e Juventude da Comarca
de Imperatriz, Estado do Maranhão. Seguida pela Portaria nº 01/1999 (em anexo), oriunda de
Porto Velho, Estado de Rondônia.
Entretanto, somente em 2005 uma portaria judicial brasileira teve dimensão midiática,
então chamada Toque de Recolher, sendo baixada pelo Doutor Evandro Pelarin, juiz de
direito da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fernandópolis, Estado de São Paulo.
Tal medida produziu efeitos largamente satisfatórios de curto e longo prazos, conforme
estatísticas locais (SILVA, In D‟ANGELO, 2010, p. 405).
Esta medida sofreu impugnação de um particular perante o Conselho Nacional de
Justiça, no Procedimento de Controle Administrativo nº 200910000037367, mas por
unanimidade dos ministros foi mantida a referida decisão judicial de primeira instância. Pelo
voto do Conselheiro Ministro Ives Gandra Martins Filho, segue ementa do julgado:
A natureza jurisdicional da portaria expedida por juiz da Vara da
Infância e da Adolescência regulamentando o direito de ir e vir do
menor (ECA, art. 149) foi reconhecida pelo STJ (cfr. RMS 8563-MA,
Rel. Min. Carlos Alberto Direito, DJ de 06/11/00). No mencionado
precedente, o ilustre e saudoso relator reconhece, obter dictum, a não
abusividade do „toque de recolher‟, que prevê, em cidades pequenas, a
não permanência nas ruas, após as 23 horas, de menores
desacompanhados ou sem autorização escrita dos pais ou responsáveis
(Decisão CNJ – Publicada no Diário da Justiça nº 203/2009, em
27/11/09, p. 2-4).
Em 2009, outros Juízos da Infância e Juventude em diversas Comarcas brasileiras
também expediram portarias semelhantes, como Ilha Soteira/SP, Santo Estevão/BA, Nova
Andradina/MS e Cambará/PR (SILVA, In D‟ANGELO, 2010, p. 405).
3.3 NATUREZA JURÍDICA
Na observância dos aspectos constitucionais e legais, o “Toque de Acolher” cuida-se
de decisão resultante de processo judicial, público, transparente, com participação obrigatória
do Ministério Público e da OAB. Tendo, pois, natureza jurisdicional voluntária que respeita
os princípios do Devido Processo Legal e do Contraditório, conforme artigo 5º, incisos LIV e
LV, da Constituição Federal (BRANDÃO NETTO, 2010, online).
Trata-se de portaria judicial oriunda de jurisdição voluntária, pela qual a tutela
jurisdicional é atendida mediante manifestação do juízo. Há uma decisão com base no
Princípio da Ponderação de Interesses, entre os direitos fundamentais dos infantes e as
medidas de proteção dessas garantias constitucionais.
Salutar é entender que a chamada jurisdição voluntária segue o princípio do
inquisitivo, pelo qual cabe ao juiz investigar as questões fáticas e as normas jurídicas atinentes
a matéria, ainda que não suscitadas pelos interessados. Cabendo, por conseguinte, a oitiva de
pessoas que podem elucidar situações, bem como daquelas que podem ser afetadas pela
Ensina a doutrina pátria que o Estatuto da Criança e do Adolescente cabe ser
vislumbrado e interpretado de forma integrada com outros dispositivos legais. Desta maneira,
tem-se que o Código de Processo Civil é aplicável subsidiariamente ao referido Estatuto
As normas gerais previstas na legislação processual pátria estabelecem o regramento
da jurisdição voluntária, quando não houver indicativo de procedimento especial, conforme
lê-se no artigo 1.103 do referido Código, tal mandamento ratifica o entendimento de que as
portarias Toque de Acolher devem seguir o processo de jurisdição voluntária.
Nessa perspectiva, a leitura do artigo 153 indica que o Estatuto conferiu ao magistrado
significativa liberdade de ação, na medida em que concede ao juiz poderes para investigar
fatos e determinar providências que julgue necessárias, sempre em atendimento ao que reza o
artigo 6º da norma estatutária, qual seja à proteção integral do infante. Leia-se:
Art. 153. Se a medida judicial a ser adotada não corresponder a
procedimento previsto nesta ou em outra lei, a autoridade judiciária
poderá investigar os fatos e ordenar de ofício as providências
necessárias, ouvido o Ministério Público
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica para o fim de
afastamento da criança ou do adolescente de sua família de origem e
em outros procedimentos necessariamente contenciosos.
Na área da infância e juventude, a jurisdição voluntária é exercida visando impedir a
formação de futuros litígios, sempre no intento da proteção especial que é devida aos infantes.
Não havendo, por conseguinte, a obrigatoriedade de ser seguido critérios de estrita legalidade
nos procedimentos, visto que pode o magistrado adotar em cada caso a solução que entender
mais oportuna, consoante rege a parte final do artigo 1.109 da legislação processual pátria.
Por esse viés, a atuação dos magistrados nessa temática deve atender as generalidades,
e por que não dizer informalismos, da jurisdição voluntária, mediante uma maior atuação do
Segundo uma das maiores doutrinadoras sobre o ECA e que nós
Juízes e demais integrantes da Justiça devemos respeitar, o "Estatuto
da Criança e do Adolescente estabeleceu um novo entendimento sobre
a atuação do Juiz da Infância e Juventude. Explica Kazuo Watanabe:
“o Estatuto perfilhou a tendência doutrinária que procura conferir ao
juiz, cada vez mais, um papel ativo no processo. Isso conduz, por
outro lado, à atenuação do formalismo processual”. Não se aplica
modernamente, sobretudo no âmbito da Justiça da Infância e
Juventude o princípio da inércia do Juiz" (BRANDÃO NETTO, 2011,
online).
Vale mencionar que as portarias judiciais com base no artigo 149 do ECA são decisões
judiciais sujeitas a recurso de apelação, como reza o artigo 199 do referido Estatuto, pois
houve uma equiparação, pela legislação, do ato administrativo a provimento jurisdicional. Em
outros termos, segue palavras de Guaraci de Campos Viana:
(...) Com essa equiparação do ato administrativo a provimento
jurisdicional não tem mais cabimento, concessia venia, a remessa de
portarias dos Juízes da Infância e da Juventude aos órgãos da superior
administração do tribunal (Presidência, Corregedoria, Conselho da
Magistratura) nem, tampouco, o reexame de ofício, por quaisquer
desses órgãos. Vale dizer, se não houver recurso de apelação, não
pode a segunda instância impor, por exemplo, a cassação ou alteração
de uma Portaria específica. Opera-se a denominada „coisa julgada
administrativa‟ (In ISHIDA, 2010, p. 316).
A jurisprudência pátria também entende que o Toque de Acolher, por ser portaria
judicial, está sujeito a recurso de apelação, conforme entendimento majoritário, exposto no
Procedimento de Controle Administrativo nº 200910000027933, que teve por relator o
Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, segue ementa do processo:
Procedimento de Controle Administrativo. Criança e Adolescente.
Regulamentação do direito de ir e vir (ECA, art. 149). Portaria
expedida em sede de jurisdição voluntária. Incompetência do CNJ
para exercício de Controle de Legalidade, dada a natureza não
administrativa da portaria. 1) A natureza jurisdicional (jurisdição
voluntária) da portaria expedida por juiz da Vara da Infância e da
Adolescência regulamentando o direito de ir e vir do menor (ECA, art.
149) foi reconhecida pelo STJ, em face de comportar recurso de
apelação, nos termos do art. 199 do ECA (cfr. RMS 8563-MA), Rel.
Min. Carlos Alberto Direito, DJ de 06/11/00). 2) No mencionado
precedente, o ilustre e saudoso relator reconhece, obter dictum, a não
abusividade do "toque de recolher", que prevê, em cidades pequenas, a
não permanência nas ruas, após as 23 horas, de menores
desacompanhados ou sem autorização escrita dos pais ou
responsáveis. No entanto, por comportar a portaria recurso judicial
próprio, não desafiaria a impetração de mandado de segurança. 3)
Nesses termos, reconhecida a natureza jurisdicional do ato
impugnado, refoge a este Conselho a competência para exercer o
controle de legalidade da portaria, por não se tratar de ato de natureza
administrativa. Procedimento de Controle Administrativo de que não
se conhece. (CNJ – PCA 200910000027933 – Rel. Min. Ives Gandra
da Silva Martins Filho – 94ª Sessão – julgado em 10/11/2009 – DJ- e
nº 193/2009 em 12/11/2009 p. 05).
Lembrando que por se tratar de interesse dos infantes, a interposição da apelação cabe
ser efetuada somente pelo Ministério Público ou por quem tenha legítimo interesse, diga-se:
os pais ou responsáveis dos menores atingidos.
3.4 – LEGITIMIDADE DO JUÍZO
Para saber qual a autoridade judiciária legítima para disciplinar as questões
menoristas, faz-se necessário observar as chamadas regras de competência impostas pelos
ditames jurídicos, quais sejam, e termos gerais: em razão da matéria e do território. Pois, para
Eduardo Arruda Alvim, seria a competência justamente a ideia de legitimidade do exercício
de determinado poder, mediante certas circunstâncias (CARNEIRO, 2004, p. 62).
Dito isto, não se pode olvidar que o direito da infância e juventude é ramo do direito
público, sendo de competência do Estado-Juiz julgar e fazer valer os direitos dos infantes, por
meio de Varas especializadas que se utilizam de medidas para tutelar seu público alvo, por
meio de sentenças, resoluções e portarias.
Desta maneira, em virtude do caráter disciplinador da medida, a portaria judicial deve
ser baixada pelo Juízo da Infância e Juventude, por ter este a competência para zelar pelas
matérias infanto-juvenis, nos termos dos artigos 146 e 149 do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Sendo que o conteúdo da portaria deve seguir os ditames constitucionais e as
normas da legislação pertinente.
E em respeito as regras de competência territorial, seguindo o que se extrai do artigo
147 do referido Estatuto, os pais ou responsáveis que tenham domicílio ou aqueles que
tenham sua criança ou adolescente em certa Comarca, devem seguir o regramento indicado
naquela localidade (MESSENDER, 2010, p. 225-226).
Nesse mesmo sentido, competente para baixar a portaria é o magistrado que atua na
Comarca determinada, pois os efeitos do Toque de Acolher não devem perpassar os limites
daquela jurisdição. Todavia, todos aqueles infantes que se encontrem domiciliando ou sob
guarda de certo juízo, devem ser guiados pelas regras impostas na localidade.
Indicado assim, o Juízo da Infância e Juventude como legítimo a baixar portarias a fim
de disciplinar situação dos infantes, quais seriam as circunstâncias a ratificar sua legitimidade
na determinação do Toque de Acolher?
Observando o disposto na Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 5º: “Na
aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem
comum”. Neste caminhar, há realidades sociais e culturais vivenciadas pelas Comarcas que
abrangem pequenos municípios, diferente de condições próprias de grandes capitais e regiões
metropolitanas, pois naquelas os magistrados se encontram mais próximos da população,
alcançando o reconhecimento de mazelas sociais, e até mesmo familiares, em face de maior
presença na vivência da própria comunidade.
Assim, pela discricionariedade mediante o enfrentar em diversas realidades, prevê o
artigo 153 do Estatuto menorista, procedimentos verificatórios para situações adversas, em
atendimento à utilidade social que as medidas judiciais devem ter. Autorizando, desta forma,
os magistrados tomarem providências fundadas em leis, mediante manifestação do Ministério
O Estado-Juiz deve exercitar a cautela que lhe é atribuída, bem como impor as
medidas pertinentes aos pais ou responsáveis que se portarem pela ausência ou abuso de sua
autoridade parental, pois o que devem ser visado é a segurança dos menores de dezoito anos.
É pelo fim social de proteção ao infante que reza o Estatuto da Criança e do
Adolescente, em seu artigo 6º, sendo um guia interpretativo para os juízes na aplicação da Lei,
seja para sentenciar, baixar portarias ou determinar alvarás.
Por esse viés, se os responsáveis pelo infante atuam negligenciando a sua proteção,
não conseguem impor limites temporais a sua permanência em vias públicas, expondo-o a
uma situação de risco, cabe ao Estado, por meio do juiz da infância e juventude, aplicar
medidas protetivas, a exemplo do que rege o artigo 101, inciso I do Estatuto menorista,
encaminhar o menor à convivência familiar, principal norte do Toque de Acolher.
Não se pode negar a autoridade da justiça sobre os menores de idade, bem como é
dever dos pais ou responsáveis zelar pelo cumprimento de determinações judiciais. Sendo o
entendimento que se extrai do artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente
(BRANDÃO NETTO, 2010, online).
Por esse imperativo, é que o magistrado competente possui a devida legitimidade para
aplicar as medidas cabíveis aos pais ou responsáveis ante a sua negligência ou imprudência na
guarda dos menores, medidas estas que podem utilizadas também em face do descumprimento
de portarias judiciais, como Toque de Acolher.
Conforme leitura da legislação infraconstitucional, há uma definição nas formas de
ensinar responsabilidade aos pais ou responsáveis nos termos do artigo 129 do Estatuto
Menorista (MESSENDER, 2010, p. 210). Sendo medidas caracterizadas por comandos
assistenciais e por determinações, impostas pelo Conselho Tutelar ou pela autoridade
judiciária (BRANDÃO NETTO, 2010, online).
Importante ressaltar que as cominações pertinentes aos que descumprirem as portarias
judiciais, quando perpassam o norte do citado artigo 129, tem sido motivo de controvérsias
jurídicas. Entretanto, alguns Tribunais têm admitido multas pecuniárias mediante tal
descumprimento, nos termos do artigo 249 do Estatuto menorista, que trata de infrações
Art. 249. Descumprir dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao
dever familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim
determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:
Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se em
dobro em caso de reincidência.
É o caso do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que no processo de Apelação
nº 990.10.186227-1, da Comarca de Fernandópolis, julgado em 22 de novembro de 2010, fora
acordada a confirmação da multa aplicada pelo Juiz da Infância e Juventude. O Tribunal
negou seguimento ao recurso de uma mãe que permitiu ao seu filho violar o horário limite da
Portaria judicial, Toque de Acolher, mantendo a multa de três salários-mínimos.
Observa-se assim, que a legitimidade conferida ao Juízo da Infância e Juventude
advém de sua competência para zelar pelos direitos dos infantes, atuando mediante a realidade
de cada Comarca. Sendo-lhe facultado, por conseguinte, baixar portarias em seu âmbito de
labor, se aferida a devida necessidade e viabilidade que as circunstâncias locais apresentarem.
3.5 – APLICAÇÃO DA MEDIDADE NA COMARCA DE SANTO ESTEVÃO/BA
Segundo a Lei nº 10.845, publicada em 28 de novembro de 2007, que dispõe sobre a
Organização e Divisão Judiciária do Estado da Bahia, em seu anexo II, a Comarca de Santo
Estevão abrange os municípios baianos de Antonio Cardoso, Ipecaetá e Santo Estevão. Sendo
municípios localizados aproximadamente a 150 km da capital do Estado, com uma população
de 11.543, 15.318 e 47.444 habitantes, respectivamente (IBGE, Censo 2010, online).
Fomentando-se em denúncia de crianças e adolescentes envolvidos em tráfico drogas
em perímetro escolar, em prostituição infantil as margens da Rodovia Federal, BR 116, e
ainda consumindo bebidas alcoólicas, a comunidade entendeu ser pertinente um debate sobre
essa realidade. Pedido esse que ocasionou em uma audiência pública, realizada em 29 de maio
de 2009, onde se fizeram presentes os três Prefeitos das cidades envolvidas, Conselheiros
Tutelares, autoridades policiais, representantes da sociedade civil. Na oportunidade apenas o
Ministério Público não se fez presente, pois a representante titular encontrava-se em gozo de
licença maternidade (BRANDÃO NETTO, 2009, online).
Mediante provocação da Justiça local, outros encontros e reuniões ocorreram,
resultando na solicitação de uma Portaria a ser publicada disciplinando o assunto, na
finalidade de proteger os infantes, com a maior brevidade possível, dos problemas sociais, ou
porque não dizer, criminais da região.
Nesse viés, seguindo o entendimento da legislação pátria de que apenas o juiz da
Infância e Juventude possui a devida legitimidade para baixar um seguimento disciplinador
dessa natureza, foi elaborada a Portaria Judicial nº 09/2009, em 02 de junho do referido ano.
Nos termos do que determina o artigo 153 do Estatuto menorista, houve um
procedimento investigativo de averiguação da realidade local, com debates públicos, contando
com ativa participação de representante do Ministério Público Estadual, de todos os prefeitos
das cidades abrangidas pela Comarca, bem como da sociedade civil.
A Portaria de proteção ao menor, pioneira no Estado da Bahia, foi decretada pelo
magistrado José Brandão Netto, responsável pela Vara da Infância e Juventude, sendo
conhecida por “Toque de Acolher”.
Posteriormente, alterada pela Portaria 10/2009, em 11 de julho do mesmo ano, nos
autos no Processo nº 2646506-4/2009, com fins de aperfeiçoamento, a medida preventiva
restou por regulamentar o acesso de crianças e adolescentes em logradouros públicos, espaços
comunitários, bailes, festas, promoções dançantes, shows, boates, congêneres, bares,
Desta forma, por ordem da Justiça da Comarca de Santo Estevão a portaria vigora com
base em ações periódicas de rondas noturnas realizadas por agentes de proteção a infância e
Em termos gerais, a Medida Judicial de proteção aos jovens se consubstancia em uma
determinação de que crianças e adolescentes possuem limite de horários para estar nas ruas ou
logradouros públicos, quando desacompanhados de seus pais ou responsáveis, apresentando-
se em situação de risco. A limitação dos horários segue um padrão de idade dos infantes, qual
Art. 4º. As crianças e adolescentes, desacompanhadas de seus
respectivos responsáveis legais ou acompanhantes, nos termos do art.
2º desta Portaria, são proibidas de permanecer nas ruas ou em locais
públicos, espaços comunitários, bailes, festas, promoções dançantes,
shows e boates, inclusive em Lan Houses e congêneres, nos seguintes
horários:
I – até de 12 anos não podem permanecer depois das 20:30 horas,
salvo em evidente atividade escolar, religiosa, esportiva ou similar;
II- entre os 13 e os 15 anos devem retornar para casa até até às 22:00
horas, salvo em evidente atividade escolar, religiosa, esportiva ou
similar;
III – Para adolescentes entre 16 anos e os 18 anos, só haverá
limitações de horários caso estejam em situações de risco;(...)(Portaria
judicial 10/2009, em anexo).
Observa-se que a Portaria segue o padrão disciplinador estabelecido pelo artigo 149 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, obedecendo ao Princípio de Proteção Integral, tudo em
atendimento a realidade da Comarca, a qual atingida pelas mais variadas condutas criminosas
envolvendo infantes. Conforme é elucidado nas considerações iniciais:
CONSIDERANDO as taxas de violências infanto-juvenis, como
crimes de roubo, homicídio qualificado e o tráfico de entorpecentes,
inclusive venda drogas em escola pública nesta cidade, ameaça a
professor em plena sala de aula, ao tempo em que também são vítimas
de exploração e prostituição sexuais agravadas pelo fato de a Comarca
se localizar rente à BR 116 (Rio-Bahia), inclusive com interligação e
notícias de grandes índices de Prostituição pueril no Povoado
“Paraguaçu” e cidade de Itatim-BA, ambos os locais de Comarcas
vizinhas;(...)(Portaria 10/2009 da Comarca de Santo Estevão/BA, em
anexo)
A caracterização da medida se perfaz em genérica, pois limites são estabelecidos na
aplicação da medida, quais sejam: delimitação de horário noturno, condição de infante
desacompanhado de responsável e exposto em situação de risco.
Tanto a generalidade é burlada que há outras ressalvas no bojo da própria portaria,
indicando, por exemplo, que a medida preventiva não se aplica para aqueles que estiverem em
atividade escolar, práticas esportivas, voltando de congregações religiosas, dentre outras
A portaria ainda é flexibilizada em períodos festivos da comunidade, como no natal,
micareta, ano novo e festas juninas. Período em que há relativa suspensão da medida, pois
embora a limitação de horário não seja objeto de fiscalização, o trabalho de proteção continua
nos espaços em que acontecem as festas, visando evitar possíveis situações de
3.5.1 - Como funciona a medida?
Na Comarca de Santo Estevão, a medida disciplinar segue o disposto no artigo 101,
inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, mediante a observância de que o
infante se encontre com seus direitos ameaçados ou violados, o jovem deverá ser protegido
por meio de seu encaminhamento aos pais ou responsáveis.
Nessa perspectiva, em período noturno, saem veículos da prefeitura ou do juizado para
fiscalizar as ruas e logradouros públicos, e caso seja encontrado menor de idade circulando
fora dos horários permitidos, seguindo sua faixa etária, este será retirado da situação de risco
real ou iminente, sob orientação dos Comissários da Infância e Guarda Municipal.
Valendo reiterar que o menor não é conduzido em viaturas, bem como não será
abordado por policiais por mero descumprimento de horário da Portaria, ressalvados,
conforme legislação pátria, os casos de flagrante delito ou cumprimento de mandado de
apreensão (BRANDÃO NETTO, 2010, online).
O infante sob proteção será encaminhado para o Juizado da Infância local, de onde
serão informados seus pais ou responsáveis para que, mediante termo de responsabilidade,
levem seu filho de volta ao convívio familiar.
É o que se observa nos termos da Portaria 10/2009:
Artigo 6º. (....) § 3º. Em observância ao princípio da proteção integral,
os Comissários de Menores, quando em ronda, ao deparar com menor
que esteja em desacordo com a portaria, em situação de risco, quando
não caracterizar a prática de ato infracional, encaminhará o menor ao
Juizado da Infância e Juventude, fazendo-se a entrega do menor aos
pais ou responsável legal, mediante assinatura destes em termos
próprio (art. 98 e 101, I, do ECA).
A Comarca possui sede própria para o Juizado da Infância e Juventude, e conta com
setenta comissários da infância nos três municípios. O apoio do Poder Público Municipal tem
sido fundamental na efetivação da medida, por ceder servidores e auxiliar na estrutura física
necessária. (BRANDÃO NETTO, 2009, online).
O município de Santo Estevão chegou até a elaborar a primeira lei municipal do Brasil
de auxílio à medida protetiva, aprovada, à unanimidade, pela Câmara de Vereadores, em 03
de dezembro de 2009. Nas demais Câmaras, tramitam o anteprojeto de lei, mas não foi
Vale lembrar que não se pode confundir o conteúdo da referida portaria judicial com o
disposto na norma municipal. Pois, limitar horários de menores de 18 anos somente é possível
mediante decisão judicial, por força do artigo 149 do ECA, ou por lei federal. É o que
preconiza o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, ao determinar a competência da
União para legislar sobre matéria civil, como a Lei nº 8069/90. Entretanto, não se pode negar
que a lei municipal auxilia a portaria judicial, uma vez que obriga a prefeitura a abastecer
carros para rondas, pondo também guarda municipal e conselho tutelar a disposição da
Em relação aos casos de inobservância ao disposto na Portaria, quando da reincidência
dos pais que negligenciarem seu dever de guarda, caracterizando descumprimento de
determinação judicial, haverá infração dos artigos 22 e 249 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, sujeitando-se, desta maneira, a cominação de multa que variará entre três e vinte
salários-mínimos, sem prejuízo das demais responsabilidades, a exemplo do constante no
artigo 129 do Estatuto menorista.
É salutar, todavia, a ressalva feita pelo Juiz José Brandão de que a aplicação das
multas cabe seguir a realidade econômica da comunidade, cominando, por exemplo, no
máximo na metade do salário, de acordo com as condições das pessoas. Dados da justiça local
apontam que nos dez primeiros meses de vigência da portaria nenhuma multa foi aplicada
3.5.2 – Os resultados na Comarca
Entre as mazelas sociais de maior incidência envolvendo menores, a Delegacia de
Polícia de Santo Estevão indicam lesões corporais, furtos, prostituição infantil, roubos, porte
de armas e tráfico de drogas. Com a implantação da Portaria judicial em junho de 2009, as
estatísticas apresentam uma significativa redução nas ocorrências policiais envolvendo
menores, em torno de 35% (BRANDÃO NETTO, 2011, online).
Período
De janeiro até novembro de 2009
De janeiro até novembro de 2010
Número de ocorrências policiais
371
240
Em relação ao tráfico de drogas, constata-se apenas 09 casos no ano de 2010
envolvendo menores. E desde junho de 2009, não se observa casos de drogas nas escolas de
Santo Estevão e Ipecaetá, sendo que no período de 2009, anterior ao Toque de Acolher, há
sete registros de ocorrências dessa natureza.
As Secretarias de Saúde das cidades abrangidas pelo Acolher informam que após a
medida não se observam jovens fazendo uso de entorpecentes em praças públicas de Ipecaetá,
bem como houve redução de adolescentes grávidas em Santo Estevão.
O balanço geral, em um ano e meio de aplicação, da medida de proteção, e que foram
encaminhados ao Juizado da Infância e Juventude, até dezembro de 2010, 684(seiscentos e
oitenta e quatro) jovens, mediante a infringência da limitação de horários da portaria judicial e
o vislumbre de situação de risco. Sendo que foram 568(quinhentos e sessenta e oito) em Santo
Estevão e 116(cento e dezesseis) no Juizado de Ipecaetá (BRANDÃO NETTO, 2011, online).
Nesse diapasão, os trabalhos do Poder Judiciário em parceria com as Polícias Militar e
Civil, cada um no âmbito de sua legitimidade, apoiados pela comunidade da Comarca, vem
observando resultado satisfatório na proteção aos infantes, com a redução da prática de todos
os tipos penais envolvendo os menores, seja enquanto adolescente em conflito com a lei, ou
quando vítimas dos mais variados abusos.
3.6 – O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, ARTIGO 103-B DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E O TOQUE DE ACOLHER
O Conselho Nacional de Justiça foi criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004,
sendo um órgão integrante da estrutura do Poder Judiciário. Na finalidade de ser realizado o
controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como do
cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (ALEXANDRINO. PAULO, 2008, p. 624-
Estabelece o artigo 103-B da Constituição Federal as atribuições do Conselho, ditando
que cabe a este órgão o exame de atos administrativos, não dispondo de funções
jurisdicionais, nem de competência para fiscalizar a atuação jurisdicional dos juízes
(FERREIRA FILHO, 2010, p. 296-297).
Sendo vislumbrada a lição constitucional, em 2009, a adoção de medidas protetivas
em alguns municípios brasileiros foi questionada no referido Conselho, tendo por único
requerente Luiz Eduardo Bottura.
Nesse diapasão, o Procedimento de Controle Administrativo nº 200910000036170
teve como objeto a Portaria judicial 10/2009, pelo qual o requerente pleiteou a desconstituição
da medida judicial emanada do Juízo da Vara única da Comarca de Santo Estevão.
Tendo em vista a existência de processo análogos anteriormente distribuídos, os autos
do referido procedimento foram encaminhados para análise do Ilustre Conselheiro Ives
Gandra da Silva Martins Filho, seguindo os ditames do Enunciado nº 09/2007 do Conselho
Nacional de Justiça. Ficando, então, sob sua observância medidas protetivas oriundas das
Comarcas de: Fernandópolis e Ilha Solteira, em São Paulo; Nova Andradina e Anaurilândia,
em Mato Grosso do Sul; Itajá e Patos de Minas, em Minas Gerais; e Santo Estevão, na Bahia.
O requerente buscou liminarmente a suspensão da Portaria 10/2009, indicando apenas
que o magistrado local teria instituído “toque de recolher”. Todavia, o Conselheiro entendeu
pelo indeferimento do pleito, por não vislumbrar controvérsia sobre a matéria, entendendo
que não há perigo na demora, uma vez que a medida almeja a proteção de direitos da criança e
do adolescente, conforme se lê na decisão nº11 do referido procedimento.
Desta forma, a suspensão da Portaria foi indeferida no sentido de que as medidas
adotadas na Comarca baiana têm caráter protetivo aos jovens, sendo contestadas naquele
Conselho exclusivamente em relação à sua legalidade.
O Juízo, então requerido, prestou informações na defesa da legalidade da medida, por
quanto atendido o clamor da sociedade local. Sendo ainda elaborada a tese de incompetência
do Conselho Nacional de Justiça frente a matéria “toque de recolher”, pelo magistrado José
Brandão Netto, na época titular da Comarca de Santo Estevão.
A tese de incompetência foi apresentada como preliminar do mérito, sendo aduzido no
processo, em termos gerais os seguintes argumentos:
• As atribuições do Conselho Nacional de Justiça são restritas ao controle da atuação
administrativa, financeira e disciplinar dos Órgãos do Poder Judiciário a ele sujeitos.
Desta forma, seguindo o quanto disposto no Artigo 103-B da Constituição Federal,
não compete ao referido Conselho rever decisão judicial, pois houve processo civil
instaurado, com participação do Ministério Público, para ser baixada a Portaria
• A Portaria fomenta-se no Artigo 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual
indica procedimento de jurisdição voluntária, afastando a atribuição do Conselho para
• A matéria envolve decisão jurisdicional e não ato administrativo, assim não cabe
decisões judiciais serem revistas por recurso no CNJ, sob pena de supressão de
instância. Pois cabe ao Tribunal de Justiça do Estado, respectivo, no caso Bahia, a
revisão da decisão por meio de recurso de apelação.
• Em relação à legalidade da Portaria judicial, trata-se de competência disciplinar da
Justiça da Infância e Juventude, nos termos da legislação infraconstitucional.
• Houve decisão de natureza jurisdicional voluntária mediante ponderação de
interesses, frente a realidade local da Comarca.
A tese de defesa foi apresenta pelo juiz da Comarca de Santo Estevão/BA e pelo
magistrado Evandro Pelarin, oriundo da Comarca de Fernandópolis/SP.
O Conselho chegou a admitir o toque de recolher, entendendo que o direito de ir e vir
do menor não seria absoluto. Apenas no Procedimento de Controle Administrativo nº
200910000023514, julgado em setembro de 2009, suspendeu o toque de recolher em Patos de
Minas, Estado de Minas Gerais, sob o fundamento de que a medida não poderia ter caráter
geral (ISHIDA, 2010, p. 318).
Em novembro de 2009, a tese de defesa tornou-se vencedora, quando o Conselho
Nacional de Justiça declarou-se incompetente para julgar as portarias de diversas Comarcas
brasileiras, as quais limitam o horário de permanência de crianças e adolescentes nas vias
públicas, conforme se observa na ementa do Procedimento de Controle Administrativo nº
200910000036170, julgada em 10 de novembro de 2009.
Nessa perspectiva, os conselheiros encaminharam a análise do assunto para a
Comissão de Acesso à Justiça e Cidadania do Conselho Nacional de Justiça, na finalidade de
serem estabelecidas regras para que as Corregedorias dos Tribunais de Justiça, em cada
Estado da Federação, acompanhem a adoção da medida protetiva, então conhecida como
O requerente chegou a interpor embargos de declaração contra a decisão do Plenário
do Conselho, todavia o recurso não foi conhecido por força do Artigo 115, §6º, do Regimento
Interno do CNJ, haja vista não cabe recurso das decisões do Plenário.
Nesse âmbito, em relação ao controle de legalidade da medida protetiva, observa-se
que eventuais questionamentos jurídicos sobre o Toque de Acolher, cabem ser interpostos por
meio de recurso de apelação no Tribunal de Justiça do Estado correspondente, restando
patente que a Portaria se trata de ato jurisdicional. Refugindo, desta maneira, à competência
do Conselho Nacional de Justiça, consoante lição do Artigo 103-B da Constituição Federal.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, crianças e adolescentes passaram a
ser vislumbrados como sujeitos de direitos, tendo os mesmos direitos fundamentais inerentes
à pessoa humana. Através da Lei nº 8.069/90, adotou-se o Princípio da Proteção Integral,
enaltecendo o interesse superior do infante, por entender que são indivíduos em
desenvolvimento, em constante situação de risco devido a sua incapacidade ou capacidade
Observa-se que o ordenamento jurídico pátrio admite uma relativização de outros
direitos em prol dos infanto-juvenis. A liberdade do menor, por exemplo, há de ser ordenada,
em virtude do respeito ao seu direito de proteção integral, para evitar eventuais situações de
ameaça ou risco que atentem contra sua integridade e dignidade.
Nesse sentido de resguardar os direitos dos menores estabelecidos pelo ECA, os
magistrados baixam a portaria Toque de Acolher, de maneira a preservar a condição dos
infantes. Além das restrições legais ao direito de ir e vir dos menores estabelecidas pela lei, é
permitido ao juiz da infância e juventude estabelecer outras obrigações.
Em que pese os argumentos da ausência de permissivo legal para a concretude da
portaria em estudo, a doutrina majoritária entende que o art. 149 não se perfaz em taxativo,
admitindo-se a aplicação das restrições aos infantes, quando negligenciados pelos seus
responsáveis, sendo expostos a riscos.
Não se configura como prática de ativismo judicial, pois o juiz apenas aplica o que a
legislação recomenda com base na realidade local da comarca, no cumprimento de sua função
social. Sendo compatível com o sistema de direitos menoristas, enquanto medida protetiva de
A instituição desta medida preventiva que inicialmente parece ser arbitrária e
totalmente discricionária, não pode ter formada uma opinião generalizada, uma vez que cabe
análise de cada caso concreto. A aplicabilidade provém de normas estatutárias, mas se perfaz
perante a realidade da respectiva Comarca.
Para ter aferida a devida legalidade, a portaria deve ser clara e precisa, com
determinação singular dos casos que pretende regular, não há suprimento de lacunas deixadas
A portaria editada pelo magistrado da infância e juventude dotada de caráter geral e
abstrato é flagrantemente ilegal, ao contrário do antigo Código de Menores, hodiernamente a
competência disciplinar do magistrado possui uma discricionariedade limitada.
A medida judicial preventiva não se consubstancia em ato de mera liberalidade do
juízo competente, deve ter sua expedição fundamentada em elementos suficientes a permitir o
controle de legalidade pelas instâncias superiores, mediante recurso de apelação.
Há de seguir procedimento judicial específico, instaurado de ofício ou a requerimento
do Ministério Público, Conselho Tutelar ou outro órgão ou pessoa interessada, embora a Lei
nº 8.069/90 não tenha previsto de maneira expressa um procedimento próprio para a
expedição de portarias judiciais, é perfeitamente possível enquadrá-lo na disposição genérica
contida no artigo 153 do citado Diploma Legal, pelo qual a autoridade judiciária poderá
investigar os fatos e ordenar de ofício as providências necessárias, desde que ouvido o
A cada Portaria emanada deve-se observar a legalidade do procedimento, enquanto
jurisdição voluntária, tem de haver participação dos interessados, sociedade local, MP, OAB
local, e seguir a competência territorial do Juízo, sendo legítimo o magistrado da infância e
juventude. Sob o aspecto material, deve coadunar com as normas menoristas vigentes.
Entretanto, para que seus objetivos sejam cumpridos, não basta a mera expedição,
publicação e divulgação da portaria disciplinadora, é fundamental a permanente fiscalização
de seu cumprimento, mediante um atuar fomentado nos procedimentos dos arts. 194 à 197, da
Lei nº 8.069/90, bem como a aplicação de sanções administrativas, disciplinadas no art. 258
da referida lei, sempre que forem violados seus regramentos.
Para a aplicação da medida atingir os efeitos esperados, tem de haver a estrutura
necessária na localidade, pelo poder público municipal, aliada ao acompanhamento de
respectivo órgão de proteção aos infantes, Conselho tutelar. Pois, todos os poderes estatais
tem o compromisso de honrar com o respeito aos direitos e garantias infanto-juvenis.
Pelo presente, na observância específica da Portaria 10/2009, emanada pelo juízo
competente na Comarca de Santo Estevão/BA, conclui-se que o Toque de Acolher atende a
todos os princípios constitucionais e legais atinente aos infantes, bem como as especificidades
As determinações adotadas pela medida preventiva nos referidos municípios baianos,
não possuem caráter totalmente discricionário, a generalidade é limitada por indicar
encaminhamento aos pais, apenas dos menores desacompanhados e em potencial situação de
risco, quando estiverem circulando em vias públicas em horário disforme para sua idade.
Pelo exposto, seguindo o ordenamento jurídico brasileiro, há possibilidade da criação
do Toque de Acolher, enquanto instrumento eficaz para concretude da proteção integral a
crianças e adolescentes. Pois este é o objetivo maior da Justiça da Infância e Juventude, lutar
pela plena efetivação da Lei nº 8.069/90, adequando uma medida jurídica aos fins sociais a
que a lei se direciona, assim como a bem comum de toda sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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