Da conversão do flagrante em prisão preventiva, de ofício, pelo Magistrado
AUTOR- JOSÉ DE SOUZA BRANDÃO NETTO, Juiz de Direito/BA.
POSSIBILIDDADE DE CONVERSÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE EM PRISÃO PREVENTIVA DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO
Prisão é a
privação da liberdade por cometimento de infração que a legislação prevê o
cárcere como consequência.
Vejamos o
conceito elaborado Fernando Capez (2009, p. 251):
Prisão é a
privação da liberdade de locomoção determinada por ordem escrita da autoridade
competente ou em caso de flagrante delito.
2. FUNDAMENTO
CONSTITUCIONAL E LEGAL DA PRISÃO
Preceitua o
art. 5º, LXI, da CF/88;
Art. 5º
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(…)
LXI - ninguém será
preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de
autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou
crime propriamente militar, definidos em lei;
Por sua vez,
assevera o art. 283 do CPP-Código de Processo Penal:
Ninguém poder ser preso senão em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de
sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do
processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
3. A QUEM SE COMUNICA A PRISÃO EM FLAGRANTE?
Diz o art.306
do CPP:
“A prisão
de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente
ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por
ele indicada. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 1o Em
até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao
juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o
nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. (Redação dada
pela Lei nº 12.403, de 2011).
(...)
Ao juiz,
comunica-se de forma imediata mediante entrega do auto de prisão em flagrante,
conforme costa no §1º acima. Isso decorre de determinação constitucional
(ar.5º, LXII, da CF/88).
A nova Lei
também exige que haja comunicação ao órgão do MP, mas o mencionado art.5º,
LXII, da CF/88, conforme supra, impõe o dever de comunicação da prisão ao juiz
e à família do preso ou por ele indicada, contudo, somente ao juiz é mister que
a comunicação se faça acompanhada de cópia do auto de prisão em flagrante.
Ressalte-se que a lei não exige encaminhamento de cópia do Auto de Prisão em
Flagrante ao MP.
Já no que tange
ao art. 310 do CPP, ao receber o Auto Prisão em Flagrante, deve o Magistrado: 1
-relaxar a custódia cautelar; 2- conceder a liberdade provisória com ou sem
fiança; 3- ou decretar a prisão preventiva do acusado se presentes os
requisitos do art. 312 do CPP. “Estas são as opções do juiz ao receber o
Auto de Prisão” (GOMES E MARQUES, p.133).
Então, ao
receber o auto de prisão em flagrante, o juiz tem as três opções referidas no
parágrafo anterior, sendo que vamos a analisar a 3ª opção (conversão do auto de
prisão em prisão preventiva), especificamente se o juiz pode converter a prisão
em flagrante em prisão preventiva de ofício.
4. CONVERSÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE EM
PRISÃO PREVENTIVA EX OFFICIO PELO MAGISTRADO.
Após o advento da Lei 12.403/11, que
alterou o art.306 do mesmo CPP, passou-se a exigir que a prisão em
flagrante de qualquer pessoa deva ser comunicada também ao Ministério Público.
A comunicação ao Juízo competente já era prevista na CF/88 e na redação anterior
do CPP.
Agora, exige-se também que seja
comunicado ao órgão o MP.
Diante da nova exigência, alguns
setores da doutrina passaram a entender que o Juiz não poderia mais decretar a
prisão preventiva ex officio (de ofício), só podendo fazê-lo caso fosse
provocado pela Autoridade Policial ou pelo MP, sob pena de violação ao sistema
acusatório.
Neste sentido, é o entendimento de
Francisco Dirceu Barros:
O processo penal terá
estrutura acusatória, nos limites definidos neste Código, vedada a iniciativa do
juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de
acusação.
Fica claro que a
prisão decretada ex officio afronta o princípio acusatório, mas, infelizmente,
com a leitura da nova redação do art. 311 do Código de Processo Penal,
concluímos que o juiz pode decretar a prisão preventiva ex officio no
curso da ação penal.
Veja o novo art. 311
do CPP:
Em qualquer fase da
investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva
decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do
Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da
autoridade policial
Portanto, concluímos
pela plena impossibilidade de o juiz decretar ex officio prisão
preventiva antes do curso da ação penal. E converter a prisão em flagrante ex
officio equivale a decretar a prisão sem ser provocado, incabível segundo a
ótica da nova sistemática processual.
Para o referido autor, a conversão da
prisão em flagrante de ofício em prisão preventiva pelo magistrado viola o
princípio acusatório.
Segundo o autor, há 03 tipos ou
sistemas de processo penal, são eles: o inquisitivo, o acusatório e o misto.
No 1º, as funções de acusar, defender
e julgar são centralizadas em uma única pessoa, o juiz inquisidor, isto é, no
sistema inquisitivo, o juiz inquisidor: a) investiga; b) acusa; c) defende; d)
julga.
São caraterísticas deste 1º sistema: a) procedimento secreto; b) ausência de
contraditório; c) sistema de prova legal (provas tinham um valor
predeterminado); d) a sentença não produz coisa julgada; e) a confissão era a
rainha das provas; f) busca incessante pela verdade real; g) aceitação de
provas ilícitas; i) juízes permanentes e irrecusáveis; j) criação do juiz
Hércules? (investiga, dirige, acusa e julga; l) sistema típico de Estados
absolutistas e ditatoriais.
No 2º (sistema acusatório), as funções
de acusar, defender e julgar devem ser exercidas por pessoas distintas. Ao
juiz, caberá julgar e dirimir conflitos. As partes farão a gestão da prova, com
duas distinções: o Ministério Público e o querelante acusam; a defesa apresenta
todas as teses possíveis para preservação do direito do acusado.
Ainda segundo o autor, são
características do sistema acusatório:
a) o contraditório
como garantia político-jurídica do cidadão; b) as partes acusador e acusado
encontram-se em situação de igualdade; c) o processo é público, fiscalizável
pelo olho do povo (excepcionalmente se permite uma publicidade restrita ou
especial); d) as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas
distintas e, logicamente, não é dado ao juiz iniciar o processo (ne procedat
judex ex officio); e) o processo pode ser oral ou escrito; f) existe, em
decorrência do contraditório, igualdade de direitos e obrigações, pois non
debet licere actori, quod reo non permittitur; g) a iniciativa do processo
cabe à parte acusadora, que poderá ser o ofendido ou seu representante legal,
qualquer cidadão do povo ou órgão do Estado, função que hoje, em geral, cabe ao
Ministério Público.
Na Exposição de Motivos
do Código de Processo Penal, há claramente a opção pelo princípio acusatório, in
verbis:
O projeto atende ao
princípio ne procedat judex ex officio, que, ditado pela evolução do
direito judiciário penal e já consagrado pelo novo Código Penal, reclama a
completa separação entre o juiz e o órgão da acusação, devendo caber
exclusivamente a este a iniciativa da ação penal.
Por fim, o sistema misto, há uma
simbiose entre o acusatório e o inquisitivo. No misto, há duas fases: a
primeira é inquisitória, ou seja, faz-se a instrução escrita, secreta sem
acusação e sem contraditório. Na segunda fase, o acusador apresenta a acusação,
o réu se defende e o juiz julga, considerando os princípios da publicidade, do
contraditório e da oralidade.
Por entender que o
processo penal tem estrutura acusatória, conclui que a prisão decretada ex
officio afronta o princípio acusatório.
Data máxima vênia,
discordamos da opinião do referido doutrinador. Vejamos por que.
Apesar de parte da
doutrina brasileira diz que o nosso ordenamento jurídico adota o sistema
acusatório, uma outra parte da doutrina assevera que nosso ordenamento adotou
os sistema misto. Como bem afirma NUCCI (2012,p.126):
O sistema adotado no
Brasil é o misto, embora não oficialmente. Registre-se desde logo que há dois
enfoques: o constitucional e o processual .
É certo que que
muitos processualistas sustentam que o nosso sistema é o acusatório. Contudo,
baseiam-se exclusivamente, nos princípios constitucionais vigentes
(contraditório, separação entre a acusação e o órgão julgador, publicidade,
ampla defesa, etc).Entretanto, olvida-se, nesta análise, o diposto no CPP, que
prevê colheita inicial da prova através do inquérito policial, presidido por um
bacharel em Direito, concursado, que é o delegado, com todos requisitos do
sistema inquisitivo (sigilo, ausência de contraditório e de ampla defesa,
procedimento eminentemente escrito, impossibilidade de recusa do condutor da
investigação etc). Somente após, ingressa-se com a ação penal e, em juízo,
passam a vigorar as garantias constitucionais mencionadas, aproximando-se do
sistema acusatório.
Ora, fosse verdadeiro
e genuinamente acusatório e não se levariam em conta, para qualquer efeito, as
provas colhidas na fase inquisitiva, o que não ocorre em nossos processos na
esfera criminal.
Assim, o Juiz pode atuar de ofício em
situações que a própria lei autoriza, como a hipótese da qual estamos tratando
(conversão de flagrante em preventiva ex officio, prevista no art. 310
do CPP). O CPP, em seu art.156, autoriza ao juiz colher provas de ofício. O
Códex permite também que o magistrado se baseie em prova colhida no inquérito
da policia, desde que não seja colhidas exclusivamente neste (art.155 do CPP).
Desta forma, ao tomar ciência
da prisão em flagrante deve o Magistrado converter a prisão em preventiva do
acusado, ainda que ex officio, caso estejam presentes os requisitos
legais, vez que o art. 310, II, do CPP possui redação que autoriza o
magistrado converter a prisão em flagrante em preventiva sem que haja a prévia
oitiva dos legitimados para requererem a prisão.
Neste sentido, nossos Tribunais:
“(…)HOMICÍDIO -
CONVERSÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO -
INEXISTÊNCIA DE NULIDADE -(...).Não há que se falar em nulidade da prisão
preventiva se esta foi decretada de ofício pelo magistrado na fase
pré-processual, pois tal medida encontra-se autorizada pelo disposto no
art.310, inciso II, do CPP, com redação dada pela Lei 12.403/12.(...)”
(TJMG:27/06/2013 )
(…...)
...PRISÃO EM
FLAGRANTE. CONVERSÃO EM PREVENTIVA. REPRESENTAÇÃO DA AUTORIDADE POLICIAL.
OITIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. (….) 1. A alegação dos impetrantes de que o Juiz
não pode converter, de ofício, a prisão em flagrante em preventiva na fase
inquisitorial não merece prosperar. 2. Nos termos do artigo 310, inciso II do
CPP, o magistrado ao converter o flagrante em preventiva não o faz de ofício,
no sentido de decretar a prisão cautelar durante a fase investigatória, mas apenas
verifica a existência dos pressupostos e fundamentos da prisão preventiva, para
proceder ou não à conversão. (….)” (TRF3:Órgão julgador:PRIMEIRA TURMA e-DJF3
Judicial 1 DATA:07/01/2013).
Por sua vez, confirmando e
entendimento dos referidos Tribunais, o Superior Tribunal de Justiça - STJ vem
consolidando o mesmo posicionamento, conforme se vê abaixo, verbis:
“(…) PRESO
EM FLAGRANTE. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. NULIDADE DO JULGADO
NÃO EVIDENCIADA. (…) I. Conforme a novel redação do art. 310 do CPP, o
Magistrado, ao tomar ciência da prisão em flagrante, deverá, de modo
fundamentado, relaxar a custódia ilegal, conceder liberdade provisória, com ou
sem fiança, ou decretar a segregação preventiva do agente.II. Mostra-se
despicienda a existência de representação ministerial ou do agente policial
para a conversão da prisão em flagrante em preventiva, devendo o Juiz, mesmo
sem provocação, manter a segregação cautelar sempre que a medida mostrar-se
necessária, nos termos do art. 312 do CPP, não se vislumbrando qualquer
nulidade no decisum de 1º grau, já que o Julgador agiu em estrito cumprimento
do disposto na lei adjetiva penal.”(….)(STJ:HC 226.937/MG, Rel. Ministro GILSON
DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/04/2012, DJe 23/04/2012)
Contudo, a decretação de prisão
preventiva, principalmente na fase de investigação, sofre críticas de parte da
doutrina. Atendendo em parte este reclamo, o legislador, por meio da nova Lei
12403/11, vetou, somente na fase da investigação, o juiz decretar a
prisão preventiva sem provocação.
Podem requerer a prisão preventiva ao
Juiz o Ministério Público, o querelante ou o assistente, ou por representação
da autoridade policial.
5- VEDAÇÃO DA PRISÃO DE OFÍCIO NO
CURSO DA INVESTIGAÇÃO
Giza o art.311 do CPP:
“Art. 311. Em qualquer
fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva
decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do
Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da
autoridade policial. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).”
A Lei autoriza a prisão preventiva
durante a persecução penal, até mesmo na fase de investigação, mas com há
outras medidas cautelares de coerção distintas da prisão preventiva, esta
somente será aplicada quando não forem indicadas, suficientes ou cabíveis as
demais (art.282, §6º, do CPP).
A Nova Lei não estabeleceu prazo de
duração da prisão preventiva, exigindo apenas a imprescindibilidade da medida,
contudo, o CNJ-Conselho Nacional de Justiça. Considerando imperiosa a
permanente revisão da necessidade da manutenção das prisões provisórias, editou
a Resolução nº 66, segundo a qual devem os magistrados de 1ª instância,
reexaminarem a necessidade custódia cautelar dos réus presos há mais de 3
meses.
A prisão preventiva se justifica como
forma de preservação da ordem pública, econômica, por necessidade da instrução
criminal e como garantia da aplicação da lei penal.
Além disso deve preencher os
requisitos típicos de toda medida cautelar: periculun in mora (ou periculum
libertatis) e fumus boni juris (fumus comissi deliciti).
O fumus boni juris (fumus
comissi deliciti), referido, fica caracterizado quando o juiz, consoante art.312,
in fine, vislumbra a existência de dois pressupostos: (1) prova da existência
do crime e (2) indícios suficientes de autoria.
Ainda segundo o art. 282, § 4º, também
é possível ser decretada a prisão preventiva no caso de descumprimento de
qualquer das obrigações impostas pelo Juiz, podendo a ordem ser determinada de
ofício ou por provocação. Somente em caso de descumprimento injustificado de
outra medida cautelar diversa da prisão é que será possível o decreto da medida
odiosa, sendo a prisão preventiva a última ratio.
6- CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE DA
PRISÃO PREVENTIVA
Além do que foi dito supra, para o
decreto da prisão preventiva, mister se obedecer às Condições do art.313, verbis:
“Art. 313. Nos termos
do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I - nos crimes
dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro)
anos;
II - se tiver sido
condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado
o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 - Código Penal;
III - se o crime
envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente,
idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas
protetivas de urgência;
Parágrafo único.
Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a
identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes
para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após
a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.”
Acima estão as condições de
admissibilidade, selecionando crimes que, por sua natureza, quantidade da pena
máxima em abstrato, condições pessoais do agente ou qualidade das vítimas são
compatíveis coma custódia cautelar preventiva.
Portanto, concluímos pela plena
possibilidade de o juiz converter, ex officio, prisão preventiva antes
do curso da ação penal
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GOMES, Luiz Flávio (coord.) e et al.
Prisão e Medidas Cautelares. Comentários à Lei 12403/11. São Paulo: RT,
06/2011, p.132
CAPEZ, Fernando. Curso de processo
penal. 16ª Edição. São Paulo:Saraiva.
NUCCI, GUILHERME DE SOUZA. “Manual de
Processo Penal e Execução Penal ”, 9ª Edição. São Paulo: RT, 2012,p. 575.
BARROS, Francisco Dirceu. Conversão
do flagrante ex officio em preventiva e violação ao princípio acusatório.
Disponível em <http://www.euvoupassar.com.br/go=artigos&a=lf3icIwXfkQLWF2PmaXmQl2JEu7QnTqa2wfjo4Hq4qY>.Acesso
em:27 jul.2013
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