Justiça afasta rejeição de contas de ex-prefeito de Crisópolis-BA
Autos: Número: 8000378-76.2016.8.05.0183
AUTOR= XXX
RÉU= CRISOPOLIS- CAMARA DE VEREADORES
SENTEÇA
Trata-se de Ação pelo Procedimento Comum com pedido de tutela provisória de urgência (antecipada), objetivando a anulação/desconstituição de Decreto Legislativo de rejeição de contas anuais da Prefeitura de Crisópolis/BA, referentes ao exercício financeiro de 2012.
Aduz, em síntese, a ilegalidade do processo de votação no Legislativo Municipal, em que a Câmara deliberou pela não modificação/alteração do parecer do Tribunal de Contas do Município, pois não fora intimado e não teve oportunidade de apresentar defesa. Alegou, ainda, cerceamento do direito à ampla defesa e ao contraditório.
Requereu liminarmente a concessão da Tutela de Urgência para suspender os efeitos ato impugnada - decisão de rejeição de contas pela Câmara Municipal de Crisópolis/BA, das contas referentes ao exercício de 2012.
No mérito, requereu a confirmação da tutela de Urgência e o julgamento procedente da ação.
Vieram-me os autos, momento em que fora determinado o recolhimento das custas e a citação da parte requerida.
A contestação fora apresentada no ID n.º 3059955, a qual aduziu que não houve a nulidade apontada na inicial, destacando que na votação realizada na Sessão do dia 22/12/2014, não houve decisão por maioria qualificada para afastar o Parecer Prévio nº 409986/2013 do Tribunal de Contas dos Municípios que opinou pela rejeição das contas referidas.
Alegou a parte requerida que não houve cerceamento de defesa, tendo em vista que o momento para realizar tal garantia constitucional seria no próprio Tribunal de Contas. Alegou, ainda, que não cabe ao Poder Judiciário adentrar ao mérito da decisão proferida pelos Edis, pugnando por fim, pela total improcedência da ação.
Ainda disse que a defesa do autor foi efetivada no procedimento levado a efeito pelo Tribunal de Contas, não quando do julgamento pela Câmara Municipal, delineando-se aquela Corte como o campo adequado para o seu exercício
Conclusos os autos, fora DEFERIDA, nos moldes do art. 300 do CPC, a tutela de urgência requerida, para suspender o ato prolatado pela câmara de vereadores de Crisópolis que rejeitou as contas do ex-gestor municipal, ora demandante, relativo ao exercício 2012.
Após as formalidades de praxe, através do Despacho de ID n.º 5462219, fora estabelecido prazo para a parte autora se manifestar acerca da contestação.
Instado a parte autora a se manifestar, apresentou no ID n.º 6019753, réplica á contestação, a qual, em síntese, destacou a hipótese de julgamento antecipado da lide, alegando que a matéria em discussão é preponderadamente de Direito e, que as provas acostadas aos autos são suficientes ao julgamento da demanda.
Alegou, também, que a Constituição garante a ampla defesa e o contraditório e, que devem ser observados na esfera administrativa, evitando-se, assim, decisões arbitrárias. Destacando que, a defesa exercida perante a Corte de Contas não se confunde com o que deve ser feito perante o Legislativo Municipal. Por fim, requereu a parte autora que sejam afastadas as argumentações aventadas na contestação e, consequentemente requer seja acolhido o pedido para declara a nulidade do julgamento realizado pela Câmara de Municipal de Crisópolis, que reprovou as contas do Poder Executivo relativas ao exercício financeiro de 2012.
Por fim, requereu a revogação da liminar concedida, bem como a intimação do membro do Ministério Público para as providências cabíveis.
Fora determinado à intimação das partes, para, querendo, produzir provas, sob pena de julgamento no estado em que se encontra (ID n.º 15224470).
A parte autora, em atenção ao Despacho de fls. 359, se manifestou no ID n.º 16215566 e, requereu o desentranhamento dos documentos juntados pela parte ré, alegando preclusão, de acordo com os artigos 320 e 335, do CPC, e do Princípio da estabilidade objetiva da demanda. Assim, requereu:
a) o desentranhamento dos documentos juntados a destempo pela ré, eis que violam o princípio da estabilização da demanda; b) o julgamento antecipado da lide, confirmando-se a liminar concedida bem como o acolhimento do pedido deduzido em face da CÂMARA DE VEREADORES DO MUNICÍPIO DE CRISÓPOLIS PARA O EFEITO DE DECLARAR A NULIDADE DO JULGAMENTO EMANADO DA CÂMARA DE VEREADORES, QUE REPROVOU AS CONTAS DO PODEREXECUTIVO RELATIVAS AO EXERCÍCIO 2012 e c) na remota hipótese de rejeição dos pedidos anteriores e que sejam conhecidos os documentos, que seja instaurado o incidente de falsidade em relação aos mesmo determinando-se o exame pericial específico do material constante nos documentos juntados (originais) – oportunizando às partes a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico – para, ao final, seja resolvido por sentença, declarando sua falsidade ou autenticidade (pp. 09 e 10 do ID n.º 16215566).
A parte requerida também se manifestou e, em síntese, alegou: presunção de veracidade e legitimidade dos atos da Administração Pública, bem como a desnecessidade de realização de perícia (pedido genérico), concluindo ao final o seguinte:
Diante dos fatos e documentos apurados em Processo Administrativo oriundo da Câmara Municipal de Crisópolis, onde tanto a parte autora como a defesa da Câmara (de responsabilidade do ex-gestor José Gilney gestão 2015/2015), orquestradas e em conluio com a peça inicial, desconsideraram que o ex-prefeito JOSÉ SANTANA tenha sido notificado e apresentado defesa perante o julgamento da Câmara, razão pela qual, induziram o Poder Judiciário ao erro, ao conceder a decisão liminar que suspendeu a decisão da Câmara que rejeitava as contas, possibilitando que o Sr. JOSÉ SANTANA DA SILVA pudesse afastar as condições de inelegibilidade e concorresse nas eleições de 2016. Atualmente, o Sr. JOSÉ SANTANA DA SILA é o atual vice-prefeito de Crisópolis, favorecido com a suposta manobra processual aqui narrada (pág. 03 do ID n.º 16312530).
É o relatório.
Passo a decidir.
II - FUNDAMENTAÇÂO
Tratando-se de questão de direito, passo ao julgamento antecipado, na forma do art. 355, I, do NCPC. Cinge-se a questão discutida à verificação da validade, ou não, do julgamento proferido pela Câmara Municipal de Vereadores, sobre contas prestadas pelo Prefeito do Município de Crisopolis, relativas ao exercício financeiro do ano de 2012.
Primeiramente, cabe ao Judiciário apenas verificar o aspecto formal/legal do julgamento das contas, não podendo, assim, apreciar o mérito do ato administrativo, pois esse controle, representado pelo julgamento das contas do Chefe do Poder Executivo, pelo Legislativo Municipal, possui caráter eminentemente político, razão pela qual a análise de seu mérito extrapola à competência do Poder Judiciário. Se assim não fosse, ter-se-ia ofensa ao princípio constitucional da separação dos poderes, encampado no art. 2º, da Constituição da República de 1988.
No tocante a esse aspecto, a contenda se resume a perquirir se houve violação ao princípio do due process of law por violação à necessidade do contraditório e ampla defesa no julgamento realizado pelo Poder Legislativo das contas do Chefe do Executivo, como garantia constitucional de sua validade.
Da Natureza Jurídica do Julgamento das contas pelo Poder Legislativo
No que tange à natureza jurídica do julgamento proferido pelo Poder Legislativo Municipal, das contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo, é fato incontroverso, na doutrina e na jurisprudência, que esse julgamento se dá no exercício de função atípica daquele Poder (administrativa/jurisdicional), se revestindo de caráter político/administrativo. Como um legítimo ato administrativo, esse julgamento, proferido no âmbito do processo administrativo correspondente, conquanto seja de competência exclusiva desse órgão -com o auxílio do Tribunal de Contas competente -, há de atender certos pressupostos (princípios constitucionais e legais), a fim de preencher os requisitos de validade e possibilitar a análise de sua legalidade pelo Poder Judiciário.
Isso porque esse ato, como uma manifestação de vontade do Estado que interfere diretamente na esfera jurídica de terceiros, está sujeito aos mesmos princípios legais e constitucionais que regem os processos administrativos, como o princípio da motivação, do contraditório e da ampla defesa.
Nesse caminhar, tem-se que, no julgamento das contas municipais, deverá a Câmara Municipal oportunizar ao Chefe do Executivo Municipal o exercício do direito à plenitude de defesa, consubstanciado no devido processo legal, no direito ao contraditório e a ampla defesa. Com efeito, não houve, ao longo de todo o procedimento de julgamento das contas discutidas, qualquer notificação do autor, a propiciar-lhe sequer a ciência do feito, participação ou oportunidade de opor-se ao pronunciamento técnico da Corte de Contas, de maneira ampla, perante o órgão legislativo, com vista a sua almejada reversão .
No caso do julgamento das contas do Prefeito pela Câmara de Vereadores, dispõe a Constituição do Estado da Bahia :
Art. 89 - A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Estado e dos Municípios, incluída a das entidades da administração indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções, renúncia de receitas e isenções fiscais, será exercida pela Assembléia Legislativa, quanto ao Estado, e pelas Câmaras Municipais, quanto aos Municípios, mediante controle externo e sistema de controle interno de cada Poder.
Por outro lado, não há falar em ilegitimidade passiva da Câmara Municipal de Crsópolis-BA, na medida em que a lição de Enrico Túlio Liebman, sobre a legitimidade ad causam diz que : "A legitimação passiva pertence ao titular do interesse oposto, isto é, àquele sobre o qual o provimento pedido deverá produzir os seus efeitos, ou sobre quem deverá operar a tutela jurisdicional invocada pelo autor. A titularidade da ação apresenta-se necessariamente como problema de duas faces: a da legitimidade ativa e a da legitimidade passiva; resolve-se na pertinência do interesse de agir ao autor e na pertinência ao réu do interesse de defender-se, porque a tutela invocada pelo primeiro se destina a incidir sobre a situação jurídica do segundo" (in Manual de Direito Processual Civil, ed. Forense, p. 159).
E, estreito ao caso em comento, valho-me dos ensinamentos do mestre Hely Lopes Meirelles:
"A capacidade processual da Câmara para a defesa de suas prerrogativas funcionais é hoje pacificamente reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência. Certo é que a Câmara não tem personalidade jurídica, mas tem personalidade judiciária. Pessoa jurídica é o Município. Mas nem por isso se há de negar capacidade processual, ativa e passiva, à Edilidade para ingressar em juízo quando tenha prerrogativas ou direitos próprios a defender."(in Direito Municipal Brasileiro, Malheiros Editores, 12ª ed., 2001, p. 583).
Nesse sentido se posicionou o colendo STJ, conforme julgado a seguir:
"PROCESSUAL CIVIL - CÂMARA MUNICIPAL - PERSONALIDADE JUDICIÁRIA. A Câmara Municipal não tem personalidade jurídica e sim judiciária, e pode estar em Juízo defendendo os seus interesses. Tendo o Município interesse a defender na lide, deve ele figurar em seu pólo passivo. Recurso provido."(STJ. REsp 241637 / BA RECURSO ESPECIAL 1999/0113058-1. Primeira Turma. Rel. Ministro GARCIA VIEIRA. Julg. 17/02/2000. Publ. DJ 20/03/2000 p. 55 LEXSTJ vol. 130 p. 249).
Portanto, não obstante o fato de a Câmara Municipal não ser Pessoa Jurídica de Direito Público, sendo parte integrante do Município, possui, como já observado pelo Superior Tribunal de Justiça, personalidade judiciária, tornando-se apta a defender os seus interesses e prerrogativas institucionais, dentre elas a fiscalização das finanças Municipais, nos termos do art. 31 da CF, como ocorre no caso sub judice.
No caso sub examine, compulsando os autos, tem-se que incontroverso, posto que reconhecido pela própria Câmara Municipal e firme na certidão do evento 2964737, que ao autor não foi dada oportunidade de se manifestar/apresentar sua defesa, acerca da tramitação do procedimento legislativo e do julgamento, em Plenário, de suas contas, aos termos de parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas.
Vê-se, portanto, que o núcleo da presente demanda consiste em saber se é necessária a observância da ampla defesa e do contraditório, conforme Art. 5º, LV, da CR/88, em julgamento de contas de ex-Prefeito Municipal, constante do poder de controle e de fiscalização da Câmara de Vereadores.
O Poder Legislativo Municipal é o responsável pela fiscalização contábil, financeira e orçamentária patrimonial e operacional do Município, conforme determina a Constituição da República, in verbis:
"Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei. § 1º. O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas, dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver. § 2º. O parecer prévio emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal".
Reconheço a polêmica que envolve o tema, já que parte minoritária da doutrina e jurisprudência entende caber à Câmara Municipal apenas julgar as contas do prefeito, sem a abertura de nova instrução.
Entretanto, assim se posiciona a mais alta Corte deste País. Vejamos:
"EMENTA: Medida cautelar. Referendo. Recurso extraordinário. Apreciação das contas do prefeito. Observância do contraditório e da ampla defesa pela Câmara Municipal. Precedentes da Corte. 1. A tese manifestada no recurso extraordinário, relativa à necessidade de observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa pela Câmara Municipal quando da apreciação das contas do prefeito, após parecer prévio do Tribunal de Contas, encontra harmonia na jurisprudência desta Suprema Corte. Presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora. 2. Decisão concessiva da cautelar referendada pela Turma." (STF. AC 2085 MC / MG - MINAS GERAIS. MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO CAUTELAR. Relator (a): Min. MENEZES DIREITO. Julgamento: 21/10/2008. Órgão Julgador: Primeira Turma).
E de longa data assim tem se manifestado o colendo Supremo Tribunal Federal, conforme seguintes julgados:
"JULGAMENTO DAS CONTAS DO PREFEITO MUNICIPAL. PODER DE CONTROLE E DE FISCALIZAÇÃO DA CÂMARA DE VEREADORES (CF, ART. 31). PROCEDIMENTO DE CARÁTER POLÍTICO- ADMINISTRATIVO. NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA DA PLENITUDE DE DEFESA E DO CONTRADITÓRIO (CF, ART. 5º, LV). IMPRESCINDIBILIDADE DA MOTIVAÇÃO DA DELIBERAÇÃO EMANADA DA CÂMARA MUNICIPAL. DOUTRINA. PRECEDENTES. TRANSGRESSÃO, NO CASO, PELA CÂMARA DE VEREADORES, DESSAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. SITUAÇÃO DE ILICITUDE CARACTERIZADA. CONSEQÜENTE INVALIDAÇÃO DA DELIBERAÇÃO PARLAMENTAR. RE CONHECIDO E PROVIDO. - O controle externo das contas municipais, especialmente daquelas pertinentes ao Chefe do Poder Executivo local, representa uma das mais expressivas prerrogativas institucionais da Câmara de Vereadores, que o exercerá com o auxílio do Tribunal de Contas (CF, art. 31). Essa fiscalização institucional não pode ser exercida, de modo abusivo e arbitrário, pela Câmara de Vereadores, eis que - devendo efetivar-se no contexto de procedimento revestido de caráter político-administrativo - está subordinada à necessária observância, pelo Poder Legislativo local, dos postulados constitucionais que asseguram, ao Prefeito Municipal, a prerrogativa da plenitude de defesa e do contraditório. - A deliberação da Câmara de Vereadores sobre as contas do Chefe do Poder Executivo local, além de supor o indeclinável respeito ao princípio do devido processo legal, há de ser fundamentada, sob pena de a resolução legislativa importar em transgressão ao sistema de garantias consagrado pela Constituiçãoda República"(RE n.º 235.593/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 31.03.2004,"DJ"22.04.2004); ;
"EMENTA: PREFEITO MUNICIPAL. CONTAS REJEITADAS PELA CÂMARA DE VEREADORES. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DO DIREITO DE DEFESA (INC. LV DO ART. 5º DA CF). Sendo o julgamento das contas do recorrente, como ex-Chefe do Executivo Municipal, realizado pela Câmara de Vereadores mediante parecer prévio do Tribunal de Contas, que poderá deixar de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Casa Legislativa (arts. 31, § 1º, e 71 c/c o 75 da CF), é fora de dúvida que, no presente caso, em que o parecer foi pela rejeição das contas, não poderia ele, em face da norma constitucional sob referência, ter sido aprovado, sem que se houvesse propiciado ao interessado a oportunidade de opor-se ao referido pronunciamento técnico, de maneira ampla, perante o órgão legislativo, com vista a sua almejada reversão. Recurso conhecido e provido." (STF. RE 261885 / SP - SÃO PAULO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator (a): Min. ILMAR GALVÃO. Julgamento: 05/12/2000. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publ. DJ 16-03-2001 PP-00102. EMENT VOL-02023-05 PP-00996).
STF: EMENTA: JULGAMENTO DAS CONTAS DE EX-PREFEITO MUNICIPAL. PODER DE CONTROLE E DE FISCALIZAÇÃO DA CÂMARA DE VEREADORES (CF, ART. 31). PROCEDIMENTO DE CARÁTER POLÍTICO-ADMINISTRATIVO. NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA DA PLENITUDEDE DEFESA E DO CONTRADITÓRIO (CF, ART. 5º, LV). DOUTRINA. PRECEDENTES. TRANSGRESSÃO, NO CASO, PELA CÂMARA DE VEREADORES, DESSAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. SITUAÇÃO DE ILICITUDE CARACTERIZADA. CONSEQUENTE INVALIDAÇÃO DA DELIBERAÇÃO PARLAMENTAR CONSUBSTANCIADA EM DECRETO LEGISLATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.
- O controle externo das contas municipais, especialmente daquelas pertinentes ao Chefe do Poder Executivo local, representa uma das mais expressivasprerrogativas institucionais da Câmara de Vereadores, que o exercerá com o auxílio do Tribunal de Contas (CF, art. 31). Essa fiscalização institucional não pode serexercida, de modo abusivo e arbitrário, pela Câmara de Vereadores, eis que – devendo efetivar-se no contexto de procedimento revestido de caráter político- -administrativo – está subordinada à necessária observância, pelo Poder Legislativo local, dos postulados constitucionais que asseguram, ao Prefeito Municipal, aprerrogativa da plenitude de defesa e do contraditório.
- A deliberação da Câmara de Vereadores sobre as contas do Chefe do Poder Executivo local há de respeitar o princípio constitucional do devido processo legal, sob pena de a resolução legislativa importar em transgressão ao sistema de garantias consagrado pela Lei Fundamental da República.
Assim também é como vem em decidindo os Tribunais:
TJ-SP - Apelação APL 00023494520138260543 SP 0002349-45.2013.8.26.0543 (TJ-SP) Data de publicação: 08/09/2016 Ementa: AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO – Decreto legislativo que rejeitou as contas do autor, ex-prefeito municipal, com inobservância da ampla defesa e contraditório – Ocorrência – Garantia do devido processo legal que se impõe – Art. 5º , incisos LV e LIV , da CF – Ação julgada procedente na 1ª Instância – Sentença mantida – Recurso improvido. Data de publicação: 15/12/2016
TJMG: Ementa: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ANULATÓRIA - PREFEITO MUNICIPAL - CONTAS REJEITADAS PELA CÂMARA DE VEREADORES - OFENSA AO PRINCÍPIO DO DIREITO DE DEFESA (INC. LV, DO ART. 5º DA CF )- OCORRÊNCIA - ANULAÇÃO DO ATO DE REJEIÇÃO - RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, assegura-se ao Chefe do Poder Executivo o direito de defesa quando da deliberação da Câmara Municipal sobre suas contas, mormente quando o Parecer do Tribunal de Contas Estadual opinar pela rejeição delas, sob pena de ofensa ao artigo 5º , LV , da CR/88 e § 4º, do art. 4º, da CEMG.
E nesse sentido entendo que devo me posicionar.
Digo ainda que, se aos termos do § 2º, do Art. 31, da CR/88, o parecer prévio emitido pelo órgão competente, sobre as contas que o Prefeito anualmente presta, pode deixar de prevalecer, por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal, conclusão lógica é a de que seja ao Chefe do Executivo dada a oportunidade de se defender, perante o Legislativo, apresentando dados suficientes a alcançar a reversão da situação anteriormente apresentada, e a ele contrária, pelo Tribunal de Contas.
Acerca das alegações no evento ID de n.º 15017134, que a Câmara Municipal de Crisópolis, Presidente do Legislativo, trazendo esclarecimentos complementares aos autos, alegando que houve uma fraude processual para induzir o Poder Judiciário a erro, alegando que “a parte autora como a defesa da Câmara (de responsabilidade do ex-gestor José Gilney), suposta orquestradas e em conluio com a peça inicial, desconsideraram que o ex-prefeito JOSÉ SANTANA foi notificado e apresentado defesa perante o julgamento da Câmara” e que, “sobre os fatos questionados, informo que o Ex-Gestor JOSÉ SANTANA DA SILVA foi devidamente notificado e citado em 16/09/2014 para apresentar defesa escrita nos autos do processo legislativo que julgou as Contas da Prefeitura Municipal de Crisópolis relativas ao exercício financeiro de 2012. (ID n.º 15017134, pág. 4)”, trata-se de alegações extemporâneas, pois Incumbia à parte instruir a contestação com os documentos destinados a provar suas alegações, o que não fez.
Nesse sentido, diz o CPC que “Art. 434. Incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com os documentos destinados a provar suas alegações”- grifei.
Prosseguindo, o Código diz que só é lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.” (art.435 do CPC), o que não é o caso, pois os supostos fatos teriam ocorrido 16/09/2014.
Ainda segundo o mesmo artigo do CPC, em seu parágrafo único, a juntada posterior de documentos formados após a contestação, bem como “dos que se tornaram conhecidos”, acessíveis ou disponíveis após esses atos, só pode ser juntados ao feito se parte que os juntou comprovar o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente e incumbindo ao juiz.
No entanto, a parte ré, que juntou os documentos do evento ID de n.º 15017134, não comprovou o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente, estando, portanto, as alegações e documentos juntados posteriores à contestação superadas pela preclusão temporal.
A regra prevista no art. 434 do Código de Processo Civil, segundo a qual incumbe à parte instruir a inicial ou a contestação com os documentos necessários para provar o direito alegado, somente pode ser excepcionada se, após o ajuizamento da ação, surgirem documentos novos, ou seja, decorrentes de fatos supervenientes ou que somente tenham sido conhecidos pela parte em momento posterior ( CPC , art.435 ), o que não é o caso dos autos.
Neste sentido, decidem os Tribunais:
TJ-SC - Apelação Cível AC 00036054220128240081 Xaxim 0003605-42.2012.8.24.0081 (TJ-SC)
Data de publicação: 26/06/2017 Ementa: JUNTADA DE DOCUMENTOS PELO AUTOR EM SEDE DE ALEGAÇÕES FINAIS, SEM JUSTIFICATIVA E NÃO RELACIONADOS A FATOS NOVOS. INAPLICABILIDADE DO ART. 397 DO CPC /1973. PRECLUSÃO TEMPORAL EVIDENCIADA. NECESSÁRIO DESENTRANHAMENTO DOS DOCUMENTOS E DESCONSIDERAÇÃO DESSA PROVA PARA FINS DE ANÁLISE DO MÉRITO RECURSAL. "Salvo em situações excepcionais, a prova documental deve ser produzida com a petição inicial ou com a resposta (art. 396 do Código de Processo Civil ), sob pena de preclusão. Ressalta-se que a juntada extemporânea de prova documental somente é admitida quando apta a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos (art. 397 , CPC /1973)"
STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 1618161 AC 2016/0204864-5 (STJ)Data de publicação: 06/03/2017 Ementa: A regra prevista no art. 396 do Código de Processo Civil , segundo a qual incumbe à parte instruir a inicial ou a contestação com os documentos necessários para provar o direito alegado, somente pode ser excepcionada se, após o ajuizamento da ação, surgirem documentos novos, ou seja, decorrentes de fatos supervenientes ou que somente tenham sido conhecidos pela parte em momento posterior ( CPC , art. 397 ), o que não ocorreu, conforme relatado pelo Tribunal a quo. Precedentes do STJ. 2. A Corte Local afirmou "ser fato incontroverso nestes autos que tais elementos sempre estiveram na posse dos prepostos do apelante, de sorte que o pedido de juntada documental apenas quando da apresentação de alegações finais orais momento em que já configurada a preclusão consumativa da fase processual instrutória - não se deu em razão de força maior, mas sim de óbvia deficiência da defesa por aquele apresentada." (fl. 199, e-STJ). (...)
Como visto, o col. STJ entende que a juntada de documentos em momento posterior ao oportuno só é admitida nos casos em que a parte justifique por que não produziu a prova na petição inicial ou na contestação, de modo a demonstrar que não existem a má-fé e a deslealdade em tal prática. Consagra, assim, a inviabilidade de a juntada extemporânea dos documentos decorrer de “guarda de trunfo” pela parte, conforme decidiu no RECURSO ESPECIAL Nº 1.121.031 - MG (2009⁄0116399-0)..
III – DISPOSITIVO
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para declarar nulo o julgamento realizado pela Câmara Municipal de Crisópolis, relativo à apreciação das Contas presentadas pelo Poder Executivo municipal, de responsabilidade de José Santana da Silva, ex-prefeito do Município, referentes ao exercício de 2012, ratificando-se a tutela de urgência deferida anteriormente.
Em consequência, extingo o processo com resolução de mérito, na forma do artigo 487, I do Novo Código de Processo Civil.
Sem custas por causa da isenção legal em favor do ente público, conforme a Lei Estadual nº 12.373/11, art. 10, IV.
Condeno a Ré nos honorários advocatícios que fixo em R$ 500,00, conforme valor dado à causa, atualizado desde a citação, nos termos art. 85,§ 4º, IV, do CPC.
P.R.I.C. Após o trânsito em julgado, arquivem-se.
Juiz Substituto
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