É nula a “entrevista” realizada pela autoridade policial com o investigado, durante a busca e apreensão em sua residência, sem assistência de advogado e sem a comunicação de seus direitos
Imagine
a seguinte situação hipotética:
O
juiz autorizou a realização de busca e apreensão na residência de João,
investigado pela prática de determinados crimes.
O
Delegado e os agentes de polícia foram até o local para cumprir o mandado.
Durante
a diligência, o Delegado realizou uma “entrevista” com João, tendo sido feitas
a ele algumas perguntas a respeito dos crimes que estavam sendo investigados.
Essa
“entrevista” foi documentada e utilizada, posteriormente, como elemento
informativo (“prova”) para subsidiar a denúncia.
Vale ressaltar que essa “entrevista” foi feita de modo
informal e João não estava acompanhado de advogado.
Diante
disso, indaga-se: esse interrogatório do investigado, chamado de “entrevista”,
foi válido?
NÃO. O STF entendeu que essa entrevista foi um verdadeiro
interrogatório, tendo decidido anular este ato.
Violação
ao direito ao silêncio e à não autoincriminação
Houve
violação do direito ao silêncio e à não autoincriminação na realização desse
“interrogatório travestido de entrevista”.
Não
se assegurou ao investigado o direito à prévia consulta a seu advogado. Além
disso, ele não foi comunicado sobre seu direito ao silêncio e de não produzir
provas contra si mesmo.
STF. 2ª Turma. Rcl 33711/SP, Rel. Min.
Gilmar Mendes, julgado em 11/6/2019 (Info 944).
Para
o STF, houve uma espécie de interrogatório “forçado”, o que violou o
entendimento firmado pela Corte no julgamento das ADPFs 395 e 444.
Ao
julgar essas ações, o STF decidiu que a condução coercitiva para interrogatório
é inconstitucional. Neste caso concreto, o raciocínio seria o mesmo porque o
investigado foi praticamente obrigado a falar, sem defesa e sem a observância
das garantias processuais do interrogatório.
Para
o Min. Gilmar Mendes, houve uma “evidente tentativa de contornar a proibição
estabelecida pelo STF em favor dos direitos e garantias fundamentais das
pessoas investigadas”.
O
investigado foi interrogado em ambiente intimidatório, durante a realização de
busca e apreensão domiciliar, o que diminuiu seu direito à não incriminação.
Além
disso, na entrevista formalmente documentada, não se oportunizou ao sujeito da
diligência o direito à prévia consulta a advogado, tampouco certificou-se, no
respectivo termo, o direito ao silêncio e à não produção de provas contra si
mesmo.
Direito
de ser informado do direito de ficar calado
Vale ressaltar que a CF/88 determina
que as autoridades estatais informem os presos que eles possuem o direito de
permanecer em silêncio:
Art. 5º
(...)
LXIII - o
preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado,
sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
A
cláusula constitucional do direito ao silêncio guarda semelhanças com o “aviso
de Miranda” (Miranda warning) do direito norte-americano.
Miranda
warning
Conforme explicam Klaus Negri Costa e
Fábio Roque Araújo:
“É relevante, ademais, mencionar o
chamado aviso de Miranda (advertência de Miranda, Miranda warning ou Miranda
rights), originado do julgamento Miranda vs. Arizona, onde a Suprema Corte dos
Estados Unidos (384 U.S 436, de 1966), pelo voto do juiz Earl Warren, absolveu
o réu confesso Ernesto Miranda, acusado de estupro, sequestro e roubo, pois a
polícia não havia lhe informado o direito de ser assistido por um advogado e de
não produzir prova contra si. Desde então, toda pessoa presa nos EUA tem os
seguintes direitos: (i) de permanecer calado; (ii) de ser alertado de que tudo
o que disser poderá ser usado contra si; e (iii) à assistência de um advogado
ou, na impossibilidade, um defensor público custeado pelo Estado.
No Brasil, não há uma regra explícita a
esse respeito, isto é, de os policiais dizerem referida frase; todavia, a
Constituição da República, no art. 5º, LXIII, assim dispõe: o preso será
informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe
assegurada a assistência da família e de advogado. Além do mais, serão
consideradas ilícitas as provas obtidas a partir de declarações do preso sem
prévia e formal advertência quanto ao direito ao silêncio (art. 157, CPP).”
(COSTA, Klaus Negri; ARAÚJO, Fábio Roque. Processo
Penal didático. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 65-66)
Validade
da apreensão do celular
Por
outro lado, o STF considerou válida a apreensão do celular do investigado. Isso
porque, apesar de na decisão judicial não constar a expressão “autorizo a
apreensão do aparelho celular”, havia, no ato decisório, a autorização para que
a autoridade policial pudesse acessar, explorar e copiar o conteúdo de mídias,
dispositivos e dados armazenados em nuvem.
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