Ao converter prisão em flagrante em prisão preventiva o juiz não age de ofício
Por Francisco Sannini Neto
é evidente o contraste entre a presunção de inocência e as prisões cautelares (preventiva, flagrante, temporária) justamente porque a prisão cautelar é imposta antes e sem qualquer condenação, violando-se, destarte, o postulado da presunção de inocência. De outro lado, há necessidade, muitas vezes, de se exercer uma medida mais drástica na garantia da ordem pública. É o conflito de bens jurídicos; daí que sendo a medida preventiva um ‘mal necessário’, a sua imposição deve ser restrita, ao máximo, aos casos urgentes e necessários.
o Poder Público somente estará observando o princípio da proporcionalidade quando, de um lado, não estipular restrições inadequadas, desnecessárias ou desproporcionais aos direitos fundamentais – vertente negativa – e, de outro, haja uma promoção e uma proteção eficiente e completa dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição – vertente positiva. São, em verdade, duas facetas de um mesmo fenômeno.
A atual regulamentação não impõe restrição indevida à atividade jurisdicional. Ao contrário, enseja sensível e virtuoso prestígio ao modelo de processo penal acusatório, no qual o dever constitucional de absoluta imparcialidade está a irradiar acercados limites à atuação judicial ex offcio. O ideal, a propósito, seria permitir a decretação de custódia apenas mediante provocação - jamais por iniciativa do próprio julgador - , em qualquer momento da persecução penal: fase de inquérito ou judicial, portanto.[1]
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CONVERSÃO DE OFÍCIO DA PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA. POSSIBILIDADE. PROVA DA MATERIALIDADE. INDÍCIOS DE AUTORIA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PENA MÁXIMA COMINADA SUPERIOR A QUATRO ANOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO. CUSTÓDIA CAUTELAR LEGALMENTE AUTORIZADA. ORDEM DENEGADA. - O art. 310, inciso II, do Código de Processo Penal, autoriza o juiz a converter a prisão em flagrante em preventiva, sem prévia oitiva dos legitimados constantes do art. 311 do Código de Processual Penal. - Fundamentada e demonstrada a necessidade da manutenção da custódia cautelar do paciente, não há falar em constrangimento ilegal. - Também a pena máxima cominada ao delito de tráfico de entorpecentes autoriza a custódia cautelar do paciente. (grifamos) (STJ, RHC 80740/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Dje 28.06.2017. No mesmo sentido: STJ, RHC 84109/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 30.06.2017).
Nem se alegue que a possibilidade de o juiz converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, prevista no art. 310, inc. II, durante o inquérito, seja um permissivo para a atuação de ofício do magistrado. Em verdade, na hipótese do art. 310, já houve uma prisão anterior em flagrante, de sorte que o magistrado não está tomando qualquer iniciativa. A prisão em flagrante já foi realizada por qualquer do povo ou pela autoridade policial e o magistrado, em verdade, apenas verifica se há a necessidade da sua manutenção. O que o legislador chama de “converter” deve ser compreendido no sentido de verificar os pressupostos e fundamentos da prisão preventiva. Ou seja, essa conversão é “jurídica”, no sentido de verificar os pressupostos e fundamentos da prisão preventiva. Na prática, a prisão já ocorreu e o juiz não a decreta, mas apenas verifica se é o caso de manter a prisão ou conceder liberdade. Atua dentro de sua função de garantidor do inquérito policial, zelando para que a prisão somente seja mantida se realmente houver necessidade. Portanto, veja que, nesta hipótese, não se trata de atuação de ofício do magistrado durante o inquérito.
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS . ROUBO MAJORADO. (I) PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA (ALEGAÇÃO DE DECRETO DE OFÍCIO). VIOLAÇÃO AO SISTEMA ACUSATÓRIO DE PROCESSO E AO PRINCÍPIO DA INÉRCIA (NÃO OCORRÊNCIA). (II) SEGREGAÇÃO CAUTELAR (FUNDAMENTADA). NECESSIDADE DA PRISÃO PARA A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA (MODUS OPERANDI). CONSTRANGIMENTO ILEGAL (NÃO EVIDENCIADO). RECURSO IMPROVIDO. 1. Comunicado acerca da prisão em flagrante (art. 306 do Código de Processo Penal), deve o Magistrado decretar a prisão preventiva, caso verifique a legalidade do cárcere e a inviabilidade de substituição por medida diversa, se reconhecer a existência dos requisitos preconizados nos arts. 312 e 313 da mesma norma, inexistindo, nesse ato, qualquer ilegalidade (Precedentes). 2. Não se trata de decretação da prisão de ofício, em desconformidade com o Sistema Acusatório de Processo ou com o Princípio da Inércia, adotados pela Constituição da República de 1988. Em primeiro lugar, porque o julgador só autuará após ter sido previamente provocado pela autoridade policial (art. 306 do Código de Processo Penal), não se tratando de postura que coloque em xeque a sua imparcialidade. Em segundo lugar, porque a mesma Lei nº 12.403/2011, que extirpou a possibilidade de o juiz decretar de ofício a prisão provisória ainda durante o inquérito policial, acrescentou o inciso II ao artigo 310 do Código de Processo Penal, que expressamente permite a conversão (grifamos).(STJ, RHC 66/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 29.02.2016).
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