"Lei já prevê “carteirada” como tipo penal", afirma jurista
Acerca de um episódio em que guardas
municipais, no interior de SP, teriam sido vítimas de uma suposta "carteirada" e um suposto desacato por parte de um Desembargador de SP, quando aqueles foram exigir dele que usasse máscara de proteção contra a covid19, vi pessoas afirmando, em
grupos do whatsapp, que os guardas teriam sido autores do crime do
art. 38 da lei de Abuso de autoridade- Lei 13.869/19, que é o “crime
de antecipação de culpa de suspeito de cometer crime”, tendo em vista que houve, supostamente, divulgação das imagens do referido membro do Poder
Judiciário.
As imagens geraram um vídeo, que
viralizou na web.
Em relação a isto, passemos, pois, a dar uma pequena pincelada sobre o
caso em seu âmbito jurídico-penal.
O tipo penal em que os guardas
poderiam estar incursos tem a seguinte redação:
Art. 38. Antecipar o
responsável pelas investigações, por meio de comunicação,
inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as
apurações e formalizada a acusação:
Pena - detenção, de 6 (seis)
meses a 2 (dois) anos, e multa.
Trata-se de crime próprio, como bem
reza o artigo 2º da Lei 13.869/19, onde consta que, em regra,
servidores públicos os sujeitos ativos desse crime.
Conforme
o artigo 2º da lei, são sujeitos ativos do crime de abuso de
autoridade os agentes públicos, servidor ou não, da administração
direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território,
compreendendo, mas não se limitando a:
I -
servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas;
II
- membros do Poder Legislativo;
III
- membros do Poder Executivo;
IV
- membros do Poder Judiciário;
V -
membros do Ministério Público;
VI
- membros dos tribunais ou conselhos de contas.
No entanto, para ser o sujeito ativo
do crime sob comento, o tipo exige que seja aquele
servidor, responsável pelas investigações, que
antecipa a atribuição de culpa.
Sobre o tema, diz Renato
Brasileiro: “Não é qualquer agente público que pode figurar
como sujeito ativo do crime de abuso de autoridade, sob comento, mas
apenas aquele responsável pelas investigações exemplo de um
promotor de Justiça, um delegado de polícia, o Presidente de uma
CPI, um encarregado de um inquérito policial militar sem e tratando
de crimes militares”.
Guardas municipais não são
responsáveis por investigação de ninguém, então, não se pode
imputar tipo penal para os referidos agentes públicos.
Lecionando sobre o novel tipo, afirma
Rogério Sanches: "Fica claro que o
tipo não impede a publicidade da condição de suspeitos da pessoa
objeto da investigação. Aliás, essa divulgação, não raras
vezes, aparece como necessária para a apuração de determinadas
infrações, ensina Rogério Sanches Cunha, em "Abuso
de Autoridade", Lei 13.869/19, comentada por artigo, pag. 293.
E o crime de
carteirada existe no Brasil?
Segundo
a Wikipédia, a “carteirada” “é uma
situação em que se busca vantagem ou privilégio em razão de seu
cargo, profissão, condição financeira ou social. Usualmente na
ânsia de obter pequenas vantagens não financeiras, como por exemplo
valer-se de sua condição para facilitar a obtenção de
preferências, favores, tolerâncias e/ou cortesias, fato que, em
condições normais, não seria acessível aos cidadãos comuns”.
Com
o advento da lei 13.869/19, conhecida com Lei do Abuso Autoridade, a
conduta de quem se
utilizar de cargo ou função pública ou invoca a condição de
agente público para ter benefícios na sociedade
passou a ser crime.
A
descrição do tipo penal está no parágrafo único do art.33 da
novel lei. Ei-lo:
Art.
33. Exigir informação ou cumprimento de obrigação,
inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo
legal:
Pena
- detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo
único. Incorre na mesma pena quem se utiliza de cargo ou
função pública ou invoca a condição de agente público para se
eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio
indevido.
O artigo acima tipifica,
na 1a parte, a conduta de quem se aproveita de sua função ou cargo
para obter vantagem ou privilégio ilegal, ou, conforme a 2ª parte
do tipo, invoca sua condição funcional para obter vantagem ou
privilégio ilegal.
A doutrina já vem se
debruçando sobre o referido tipo penal e já denomina situação de
crime de “carteirada”.
O doutrinador Renato
Brasileiro, no seu livro “Nova Lei de Abuso de Autoridade, da
Editora JusPodium, pág. 303, assim se pronuncia sobre o delito sob
comento:
“Na 1ª hipótese, o
agente se aproveita de sua qualidade funcional para se esquivar,
escusar de uma obrigação imposta por força de lei. É que corre,
por exemplo, como um Promotor de Justiça.
Numa segunda hipótese, o
especial fim de agir do agente público é obter alguma vantagem ou
privilégio, necessariamente indevidos. Levando em consideração o
silêncio do legislador, o ideal é concluir que a vantagem ou
privilégio podem ser de qualquer natureza , patrimonial ou não"
Para diferenciar este
delito do delito de corrupção, previsto no art. 317 do CP, o
Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos
dos estados e da União (CNPG) e o Grupo Nacional de Coordenadores de
Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM),
emitiram o enunciado 22
coma seguinte redação:
ENUNCIADO #22 (art.
33) Quem se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a
condição de agente público para se eximir de obrigação legal ou
para obter vantagem ou privilégio indevido pratica abuso de
autoridade (art. 33, parágrafo único) se o comportamento não
estiver atrelado à finalidade de contraprestação do agente ou
autoridade. Caso contrário, outro será o crime, como corrupção
passiva (art. 317 do CP).
Portanto,
resta claro que a chamada “carteirada” já é prevista como crime
pela penal brasileira.
José
Brandão Netto
JUIZ
DE DIREITO
Especialista
em Direito Penal e processo penal
Mestrando
em Direito/TJBA/UFBA
Especialista
em Direito Eleitoral
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