Juiz comenta o novo tipo penal de violência psicológica contra a mulher
Por José Brandao Netto*
A nova Lei Federal nº 14.188/21 definiu o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).
Outrossim, a novel lei altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para modificar a modalidade da pena da lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e para criar o tipo penal de violência psicológica contra a mulher
Em resumo, a Lei Federal nº 14.188/21 cria:
Mais uma parágrafo na lesão corporal aumentando a pena,
O tipo penal novo de violência psicológica contra a mulher
Acerca de medidas protetivas, colocando a violência psicológica também como uma possibilidade para a autoridade policial conceder a medida protetiva;
instituiu o programa “Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica" como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher
A segunda mudança e a mais importante- diga-se de passagem- é a criação do artigo 147-B no Código Penal, que traz novo tipo penal (violência psicológica contra a mulher.). Eis redação :
Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação.
A pena para ele, se a conduta não constitui crime mais grave, é de seis meses a dois anos em reclusão e multa.
Importante registrar o conceito de violência psicológica já vinha definido no inciso II do artigo 7º da Lei Maria da Penha, que assevera :
"Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
(....)
Acompanhe um quadro comparativo entre o conceito de violência doméstica, que está previsto na Lei Maria da Penha e o novo tipo peal de violência doméstica psicológica. Nas partes amarelas, estão os termos iguais usados para ambas as situações:
Art.7º, II, da Lei 11.340/06: Conceito de violência psicológica: |
NOVO TIPO PENAL : Violência psicológica contra a mulher |
- a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação |
Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação.
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.” |
Como visto, a nova lei não criminalizou todos as condutas previstas no artigo 7º da Lei 11340/06- Lei Maria da Penha, porque a conduta de “Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade:Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.” já a descrição do tipo nela de perseguição,incluído no Código Penal pela Lei nº 14.132, de 2021.
TIPO
OBJETIVO: O CRIME só se pratica quando o agente gera dano emocional
à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou
que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões
com as seguintes ações:
· ameaça;
· constrangimento;
· humilhação;
· manipulação;
· isolamento;
· chantagem;
· ridicularização;
· limitação do direito de ir e vir; ou
· qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação.
Sujeito ativo
Trata-se de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa (homem ou mulher).
Lembrando que só se aplica a Lei Maria da Penha contra uma mulher se houver crime ou contravenção, no âmbito doméstico, praticados contra outra mulher.
SUJEITO
PASSIVO
Importantíssimo afirmar que só pode se sujeito passivo desse crime, ou seja, ser vítima, somente a mulher.
Em tese, podem ser vítimas não só esposas, mas também filhas e netas do agressor, sua mãe, sua sogra, avó, ou qualquer outro parente do sexo feminino com a qual haja uma relação doméstica, familiar ou íntima de afeto", diz Renato Brasileirio de Lima em "Legislaçao penal comentada".
Pelo tipo penal descrito, em tese, homens não poderão ser sujeitos passivo deste crime.
E os transgêneros (ou transexuais)?
Acerca do tema, diz Renato Brasileiro de Lima em Legislação Especial Comentada, pag. 1483, 2018., Editora Jus Podium:
Com base na ADI 42,75/DFe RE 670.422, o concluiu a Suprema Corte que o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou a expressão de gênero, identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. A pessoa não deve provar o que é, e o Estado não deve condicionar a expressão da identidade a qualquer tipo de modelo, ainda que meramente procedimental. Para tanto, considerou-se desnecessário qualquer requisito atinente
à maioridade, ou outros que limitem a adequada e integral proteção da identidade de gênero autopercebida. Além disso, independentemente da natureza dos procedimentos para a mudança de nome, asseverou que a exigência da via jurisdicional constitui limitante incompatível com essa proteção. Ressaltou que os pedidos podem estar baseados unicamente no consentimento livre e informado pelo solicitante, sem a obrigatoriedade de comprovar requisitos tais como certificações médicas ou psicológicas, ou outros que possam resultar irrazoáveis ou patologizantes. Por fim, concluiu pela inexigibilidade da realização de qualquer tipo de operação ou intervenção cirúrgica ou hormonal . Com base nessa decisão, é de rigor a conclusão no sentido de que, na eventualidade de um transgênero (ou transexual) proceder à alteração de seu gênero diretamente no registro civil, identificando-se, a partir de então, como mulher, poderá ser sujeito passivo da violência doméstica e familiar prevista na Lei Maria da Penha.
No entanto, os Tribunais estão considerando que as vítimas trans podem ser beneficiadas independentemente da alteração do sexo no registro civil .
O STJ assim decidiu no HABEAS CORPUS Nº 541237 - DF (2019/0316671-1) , em que foi considerado toxinicídio contra uma mulher trans e assim também decidindo o TJDF:
TJ-DF - 20181610013827 DF 0001312-52.2018.8.07.0020 (TJ-DF) Jurisprudência•Data de publicação: 20/02/2019 RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. APLICAÇÃO DA LEI 11.340 /06 (MARIA DA PENHA). VÍTIMA TRANSEXUAL. APLICAÇÃO INDEPENDENTE DE ALTERAÇÃO DO REGISTRO CIVIL. COMPETÊNCIA DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. RECURSO PROVIDO. 1. Diante da alteração sexual, comportando-se a recorrido como mulher e assim assumindo seu papel na sociedade, sendo dessa forma admitida e reconhecida, a alteração do seu registro civil representa apenas mais um mecanismo de expressão e exercício pleno do gênero feminino pelo qual optou, não podendo representar um empecilho para o exercício de direitos que lhes são legalmente previstos. 3. Recurso provido
Assim, doutrina e jurisprudência entendem que a Lei Maria da Penha pode ser aplicada para a mulher transgênero, ainda que não tenha se submetido à cirurgia de redesignação sexual ou mesmo à alteração no resgistro civil.
Logo, a mulher transgênero pode ser vítima desse crime.
Prisão em flagrante e prisão preventiva
É bom ressaltar que, segundo o artigo 41 da Lei Maria da Penha, não se aplica aos autores de violência doméstica os benefícios da da lei 9.099/95, (Lei dos Juizados Cíveis e criminais) ou seja, não há o que se falar em termos circunstanciados, por isso, pode o delegado enquadrar o infrator com auto de prisão em flagrante quando o agente for flagrado no cometimento do delito.
Outrossim, quando o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência, é possível a decretação de prisão preventiva , mesmo que a pena máxima para o crime seja inferior a 4 anos, como, em regra, se exige para a decretação de prisão preventiva (art. 313, I, do CPP).
Por fim, também houve alteração no artigo 12-C da lei Maria da Penha. Ele passa a vigorar com a seguinte redação:
“Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: (Redação dada pela Lei nº 14.188, de 2021)
I – pela autoridade judicial; (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
II – pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
III – pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia. (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)”.
Segue, abaixo, texto integral da nova Lei:
Att. José Brandão Netto*
Juiz de Direito
Especialista em Direito Penal e Processo penal
Mestrando em Direito UFBA/TJBA.
Presidência
da República |
LEI Nº 14.188, DE 28 DE JULHO DE 2021
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Define o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), em todo o território nacional; e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para modificar a modalidade da pena da lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e para criar o tipo penal de violência psicológica contra a mulher. |
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Esta Lei define o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), altera a modalidade da pena da lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e cria o tipo penal de violência psicológica contra a mulher.
Art. 2º Fica autorizada a integração entre o Poder Executivo, o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, os órgãos de segurança pública e as entidades privadas, para a promoção e a realização do programa Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como medida de ajuda à mulher vítima de violência doméstica e familiar, conforme os incisos I, V e VII do caput do art. 8º da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.
Parágrafo único. Os órgãos mencionados no caput deste artigo deverão estabelecer um canal de comunicação imediata com as entidades privadas de todo o País participantes do programa, a fim de viabilizar assistência e segurança à vítima, a partir do momento em que houver sido efetuada a denúncia por meio do código “sinal em formato de X”, preferencialmente feito na mão e na cor vermelha.
Art. 3º A identificação do código referido no parágrafo único do art. 2º desta Lei poderá ser feita pela vítima pessoalmente em repartições públicas e entidades privadas de todo o País e, para isso, deverão ser realizadas campanha informativa e capacitação permanente dos profissionais pertencentes ao programa, conforme dispõe o inciso VII do caput do art. 8º da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para encaminhamento da vítima ao atendimento especializado na localidade.
Art. 4º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 129 ............................................................................................
................................................................................................................
§ 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos).” (NR)
“Violência psicológica contra a mulher
Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.”
Art. 5º O caput do art. 12-C da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:
..........................................................................................................” (NR)
Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 28 de julho de 2021; 200o da Independência e 133o da República.
JAIR
MESSIAS BOLSONARO
Damares Regina Alves
Este texto não substitui o publicado no DOU de 29.7.2021
BIBLIOGRAFIA:
Renato Brasileiro de Lima em Legislação Especial Comentada, pag. 1483, 2018., Editora Jus Podium.
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